Acórdão nº 16/98.5IDCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. RIBEIRO MARTINS
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS27º-B DO RJIFNA E ACTUALMENTE NO ART.º 107º DO RGIT Sumário: No que respeita ao modo de “retenção” das prestações não se exige que as mesmas sejam efectivas no sentido de as separar física ou materialmente do erário líquido do devedor tributário no momento em que são calculadas as deduções. Basta que tal operação seja contabilisticamente efectuada aquando do pagamento efectivo das remunerações.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal de Coimbra – I 1- No processo comum n.º16/98 do tribunal de Soure, A...

foi, por sentença de 29/4/2009, condenado na pena de 230 dias de multa à taxa diária de €12 pela prática, na forma continuada, do crime de abuso de confiança contra a segurança social [previsto no art.º 27º-B do RJIFNA e actualmente no art.º 107º do RGIT], bem como no pagamento de € 74.489,78 e respectivos juros de mora ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

2- O arguido recorre, concluindo – 1) O recorrente não se conforma com a sentença que o condenou pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

2) O tribunal julgou incorrectamente que o arguido, no interesse da sociedade, procedeu mensalmente ao desconto das contribuições devidas à segurança Social, que deduziu nas remunerações pagas aos trabalhadores e aos gerentes, retendo tais quantias e não as entregando nos prazos estipulados (ponto 2).

3) O arguido reteve para a firma e não entregou as referidas quantias aproveitando a não reacção da Segurança Social e sabia que a sua conduta era proibida por lei e que daí resultava prejuízo para A segurança Social (ponto 5).

4) Actuou de forma livre e consciente, no interesse da sociedade arguida (ponto 6).

5) O arguido admitiu a dedução nas remunerações pagas das contribuições sociais e a sua não entrega à segurança social nos prazos legalmente estipulados (ponto 18).

6) A sociedade pagou as remunerações aos trabalhadores e gerentes com retenção das contribuições descontadas aos mesmos (ponto 26).

7) A sociedade não tinha dinheiro para pagar as remunerações aos empregados (art.º 3º da contestação do pedido cível).

8) Fazia-lhes pagamentos fraccionados e por conta das suas remunerações (art.º 4 da contestação ao pedido civil). De qualquer modo, eram processados os recibos de pagamento integral das mesmas (art.º 5 da contestação ao pedido cível).

9) Assim, os descontos e retenções alegados não existiam em concreto.

10) A sua existência era apenas formal nos recibos (art.º 7 da dita contestação).

11) Da conjugação da prova, nomeadamente das declarações do arguido e das testemunhas indicadas por este, conclui-se que os recibos das remunerações eram processados nos primeiros anos por um gabinete de contabilidade designado por “M...” que também tratava do envio das respectivas declarações à Segurança Social; e já na fase final da vida da empresa [ tal serviço era] feito nos serviços administrativos da empresa. Neles eram mencionados os descontos para a Segurança Social.

Não havia correspondência monetária entre os valores indicados nos recibos e o dinheiro disponível. A empresa começou a ter prejuízos nas obras que adjudicava. Os trabalhadores assinavam aqueles recibos e, com excepção dos empregados administrativos, recebiam as remunerações por dois ou três cheques pós-datados que por vezes não eram pagos nas datas neles inscritas por falta de provisão.

Não havia dinheiro para pagar integralmente as remunerações aos trabalhadores nem à Segurança Social, chegando alguns encarregados de obras a adiantar dinheiro do seu bolso na compra de pequenos materiais a fim de evitar a paralisação das obras.

O arguido nada podia fazer para evitar a situação; e nele ele nem a empresa retiveram ou se apropriaram das quantias descontadas.

Era um funcionário administrativo que cuidava de processar os pagamentos e atendia as reclamações dos credores, dando disso conhecimento ao arguido.

12) Da prova produzida não pode concluir-se que o arguido agiu no interesse da sociedade, muito menos dolosamente, sabendo-se que o crime exige uma conduta dolosa.

13) O arguido não admitiu a dedução real nas remunerações porque ela somente existiu formalmente.

14) A apropriação é um elemento constitutivo do crime; mas o arguido não se apropriou de qualquer quantia porque ela não existia.

15) A dedução não foi efectiva por não lhe corresponder o correspondente quantitativo que era inexistente. A não entrega não foi voluntária por não haver dinheiro, embora tendo sido pagas as contribuições de alguns meses.

16) O envio das declarações não demonstra que os arguidos receberam as quantias equivalentes aos descontos efectuados nos recibos das remunerações.

17) Assim, da decisão de facto deve ser retirada as expressões «no interesse da sociedade» (ponto 2), «reteve para a firma» e «aproveitando-se do facto da segurança social não reagir ou sancionar, por qualquer forma, as omissões de entrega das verbas retidas que se iam sucedendo mensalmente, não desconhecendo que tal conduta lhe era proibida por lei e que dessa forma prejudicava o Estado/Instituto de Segurança Social no valor exacto dos montantes não entregues (ponto 5).

18) Não se deve ter por provado que o arguido «Actuou de forma livre e consciente, no interesse da sociedade arguida (ponto 6).

19) Ao ponto 18) deve ser acrescentado «porquanto não havia dinheiro em caixa sequer para pagar integralmente as retribuições líquidas dos trabalhadores, cujo pagamento era feito por duas ou três cheques pós-datados, nem sempre tempestivamente pagos».

20) Não deve ser dado provado o ponto 26) uma vez que não houve retenção.

21) O ponto 27) deve ser alterado para «Primeiro o Gabinete de Contabilidade M… e posteriormente os serviços administrativos da empresa arguida emitiam os recibos das remunerações a pagar aos trabalhadores nos quais mencionavam os descontos legais para efeitos de declaração à Segurança Social».

22) Devem ser julgados provados os indicados artigos da contestação do pedido de indemnização civil.

23) Na previsão do art.º 27-B do RJIFNA era previsto o elemento «apropriação» que o art.º 107º do RGIT eliminou, pelo que o regime mais favorável ao arguido é o do RJIFNA.

24) O tribunal interpretou o art.º 27-B do RJIFNA no sentido de que basta que a dedução do montante das contribuições devidas pelos trabalhadores seja uma operação abstracta, sem qualquer correspondência monetária; e que a “apropriação” se verifica pela mera possibilidade de haver em abstracto uma inversão do título da posse.

25) Quando deve haver uma correspondência monetária efectiva.

26) Provado que a sociedade, face às suas dificuldades financeiras, nunca deteve tais quantias nunca as reteve ou delas se apropriou, sendo a sua dedução feita apenas no papel sem qualquer correspondência no correspectivo numerário.

27) Assim, o arguido não pode ser condenado. Por via disto [ deve ] também ter-se por improcedente o pedido de indemnização civil.

3- O arguido também interpôs recurso do despacho proferido na sessão de julgamento de 16//4/2009 pelo qual lhe foi indeferida a pretensão de inquirição através de Consulado Português no Brasil da testemunha E..., requerimento que continha a indicação de que o depoimento deveria incidir «sobre a matéria fáctica constante na acusação, na contestação e na contestação do pedido civil formulado pela Segurança Social (…) também esclarecendo aspectos sobre o carácter, a personalidade e a conduta do arguido (…)”.

3.1- O despacho recorrido é do seguinte teor – «No momento em que a testemunha E…foi indicada pela defesa no seu requerimento probatório, admitida como testemunha e notificada para a audiência de discussão e julgamento por este tribunal residia em Portugal.

A comunicação que fez chegar aos autos a fls. 1034 foi no sentido de que se encontrava transitoriamente impedida de prestar o seu depoimento porquanto se encontrava transitoriamente no Brasil por razões profissionais , nas suas palavras “não lhe tendo sido possível até àquele momento tratar de todos os assuntos”.

A testemunha tinha portanto, conhecimento quando se deslocou para o Brasil das duas datas designadas para realização da presente Audiência de Discussão e Julgamento, sendo certo que, motivos de trabalho, quando não são temporalmente delimitados (sendo que a testemunha quando comunicou a sua impossibilidade de estar presente na primeira sessão de julgamento fez crer ao tribunal que a sua estada no Brasil estaria a terminar), são susceptíveis de pôr em causa os deveres de colaboração com a justiça que a qualidade de testemunha implica, os quais estão em primeiro lugar.

Na fase processual em que nos situamos - Audiência de Julgamento -, em que impera o principio da continuidade da audiência e da imediação da prova, a abertura concedida pelo disposto no art.º 328/3 do C.P.P. não se compatibiliza com a audição da testemunha através do Consulado de Portugal no Brasil.

Em primeiro lugar, não se trata de um meio de prova superveniente, porquanto o arguido ao indicar a testemunha na sua contestação e esta ao ser admitida e notificada pelo tribunal das datas de julgamento, ficou a constar do rol de produção de prova admitida pelo tribunal.

Em segundo lugar, tendo sido dito nesta audiência, por uma testemunha que o gabinete técnico de contabilidade, era uma sociedade de nome " M...", sito em Montemor-o-Velho, sempre a defesa poderia ter requerido a substituição da referida testemunha, na altura funcionária de tal sociedade, por outro TOC da mesma, se tal se lhe afigurasse indispensável para a descoberta da verdade. Ora, nada foi requerido nesse sentido, sendo que atenta a produção da prova realizada até ao momento, os argumentos aduzidos pela defesa não nos parecem configurar a "indispensabilidade" prevista na alínea a) do nº3 do art. 328º do CPP, atenta a prova documental junta aos autos sobre a dívida à Segurança Social, consubstanciada em documento autêntico que faz prova plena, apenas podendo ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT