Acórdão nº 2205/06.1TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelLUÍS TEIXEIRA
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: ABSOLVIDA.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 596 - FLS. 176.

Área Temática: .

Sumário: I- Constituindo o teor de uma carta dirigida à Ordem dos Advogados o objecto da acusação e da subsequente condenação por crime de difamação, traduzir-se-á numa insuficiência de fundamentação da matéria de facto, por omissão do dever processual da descoberta da verdade, limitar-se o tribunal a apreciar alguns factos naquela contidos, olvidando todos os outros que não só poderiam ajudar a compreender a conduta de quem a escreveu como justificá-la.

II- Dos deveres do mandatário derivam para o cliente, entre outros, o direito de contactar, o direito a ser informado do andamento do processo, o direito a uma nota de honorários esclarecedora e perceptível.

III- Cai nos limites tidos por razoáveis e admissíveis de qualquer cidadão/cliente criticar os serviços prestados e honorários pagos.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso nº 2205/06.1TDPRT.P1.

Processo em 1ª instância nº 2205/06.1TDPRT.

Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I1.

Nos autos de processo comum nº 2205/06.1TDPRT do ..º Juízo, ..ª Secção, dos Juízos Criminais do Porto, em que é arguida B…………., divorciada, natural do Brasil, onde nasceu a 15.11.1969, filha de C…………. e de D………….., residente na Rua ……., ….., 4100-060, Porto, Foi a mesma julgada pela prática de um crime de difamação agravado previsto e punido pelos art. º180 e art.º184 em conjugação com o art.º132 n.º2 j), (actualmente al. l) com a redacção da Lei n.º59/07 de 04.09) todos do C. Penal, bem como quanto ao pedido de indemnização civil deduzido peço assistente E………… no valor de €.40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.

A final, foi a mesma condenada: - como autora de um crime de difamação agravado previsto e punido pelos art. º180 e art.º184 em conjugação com o art.º132 n.º2 j), (actualmente al. l) com a redacção da Lei n.º59/07 de 04.09) todos do C. Penal, na pena de 180 dias de multa à razão diária de €4,00 (quatro euros).

- a pagar ao assistente/demandante a quantia de €.5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.

  1. A arguida não se conformou com a decisão, dela recorrendo, pelo que formula as seguintes conclusões: 2.1. A prova do crime imputado pela acusação à recorrente, compete ao Ministério Público.

    2.2. Os testemunhos foram todos prestados não sobre os factos mas sobre informações transmitidas por terceiros, o aqui ofendido.

    2.3. A sentença não espelha o depoimento prestado pelas testemunhas apresentadas pela acusação.

    2.4. A prova produzida pelas testemunhas de acusação que não corroboraram a prática dos factos nela constantes, impõe decisão diversa da proferida.

    2.5. Os factos praticados pela recorrente não são puníveis porquanto visaram a realização de um interesse seu legítimo, qual seja o de ver esclarecidas as suas dúvidas quanto ao trabalho prestado pelo ofendido em relação à nota de despesas e honorários apresentada e envio do respectivo recibo.

    2.6. Impõe-se a absolvição da recorrente quer da acusação quer do pedido civil, desde logo em nome do princípio in dúbio pró reo.

    2.7. A sentença enferma da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP por omissão de pronúncia de factos determinantes para a formação da convicção do tribunal.

    2.8. DE todo o modo, a taxa diária da multa é excessiva dada a condição económica da recorrente que se encontra no desemprego, tendo ainda a seu cargo duas filhas, pelo que deverá ser diminuída.

  2. O Ministério Público em 1ª instância respondeu nos seguintes termos: 1ª - No essencial da respectiva motivação, apenas invoca o/a recorrente, a existência/ocorrência de contradições entre a prova produzida e a decisão/sentença proferida, nos termos da consagração legal constante da al. b), do nº. 3, do artº. 412º, do CPP, por referência às circunstâncias/provas que refere.

    1. - A asserção do/a recorrente de que “A douta sentença apenas se pôde estribar nos depoimentos da Arguida e do Ofendido, para além dos testemunhos prestados pelas testemunhas …/….” (sic), não corresponde à realidade, pois que, conforme consta da fundamentação da douta sentença recorrida, no que concerne à fundamentação da matéria de facto, a mesma tem em conta “- desde logo, o teor do documento de fls. 7 dos autos, …/…” (sic), pelo que, parte o/a recorrente, manifestamente, de pressuposto errado, que inquina, quiçá irremediavelmente, toda a restante respectiva argumentação.

    2. - Analisados os depoimentos do/a arguido/a e do/a ofendido/a/assistente, os mesmos, não são, ao contrário do que pretende o/a recorrente, e de facto, contraditórios, antes, as respectivas versões, mormente no que concerne às imputações de factos e/ou formulação de juízos, ofensivos da honra e consideração do/a ofendido/a/assistente, no exercício das respectivas funções e por causa destas, são coincidentes, pois que, o/a arguido/a assumiu a autoria da carta onde constam aquelas (imputações) e são formulados estes (juízos), bem como, ter conhecimento que o/a ofendido/a/assistente exercia funções na Ordem dos Advogados, não se vislumbrando portanto onde radica a alegada contradição entre o depoimento deste/a e o do/a ofendido/a/assistente, mormente na parte, porventura única relevante, em que este/a atribui ao/à arguido/a a (assumida) autoria da carta em referência e o (admitido) conhecimento das respectivas funções na Ordem dos Advogados; pelo que, a segunda premissa da qual parte o/a recorrente revela-se igualmente falaciosa porquanto, as versões do/a arguido/a e do/a ofendido/a/assistente não são, na parte que importa, contraditórias e, nessa medida, não são opostas.

    3. Pese embora não seja verdade que todas as testemunhas apenas tiveram conhecimento dos factos, única e exclusivamente, através do ofendido, - cfr. fls. 335, 338 e 340, 342 v. e 343 v., das transcrições juntas com a motivação do recurso, relativamente ao/s depoimento/s de, respectivamente, F…………. - “Dr. F1…………..”, G………… - “Drª. G1……………”, H…………… - “Dr. H1……………” e I…………. - “Dr. I1……………” - ainda que assim tivesse acontecido, ou seja, ainda que todas as testemunhas apenas tivessem tido conhecimento dos factos, através do ofendido, tal circunstância não impediria que tivessem constatado, como resulta dos respectivos depoimentos terem-no, de facto, feito, e como, nessa conformidade, consta na douta sentença recorrida, “que o Assistente ficou bastante vexado e envergonhado com a referida missiva ao ponto de preferir demitir-se das suas funções no Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados.” (sic), pelo que os “elementos dos autos (que) permitem ou estribam tal conclusão,” (sic) são precisamente os depoimentos das testemunhas que o/a recorrente, contudo, de forma truncada, transcreve, como da análise dos mesmos, na sua integralidade, claramente resulta - cfr. gravações do/s depoimento/s das testemunha/s supra citada/s, bem como, ainda, da/s testemunha/s, J…………… e K………….., do/s dia/s 01/10/2008 - 14:58:40, 15:48:05, 16:07:42, 16:15, e 24/10/2008 - 11:17:43, ou a/s transcrição/ões do/s respectivo/s depoimento/s que consta/m a fls. 330 a 343 -.

    4. - Dos depoimentos em causa, manifestamente resulta que a exposição em referência, independentemente da acção e da vontade do/a ofendido/a/assistente, sempre seria do conhecimento, de grande número de pessoas, sendo ainda facto que, além de resultar dos depoimentos em análise, tal evidente consequência sempre resultaria das regras da experiência comum.

    5. - Analisados, obviamente na sua integralidade, os depoimentos prestados, não só pelos referidos pelo/a recorrente, ofendido/a e testemunha, I…………, mas também pelas outras testemunhas, os factos relativos à “vergonha e humilhação sentida com a referida missiva, as quais se viram agravadas no seu grau, dadas as funções pelo mesmo exercidas no Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, das quais se viu moral e eticamente coagido a demitir-se …/… .” (sic) só podiam, como aliás bem, foram, ser dados como provados, sendo além de inaceitável, ilegítima, a conclusão do/a recorrente, não sendo, em nosso entender, relevante e muito menos essencial, como pretende o/a recorrente, conhecer o teor da eventual fundamentação, que sequer será, como também pretende o/a recorrente, exigida pela Ordem dos Advogados, quando acontece a demissão de um cargo, desconhecendo-se até se a mesma existiu, no caso.

    6. - Da análise do depoimento da supra cita testemunha – J…………..- referenciado pelo/a recorrente, bem como, do facto de exercer esta, à data, as funções de empregada de escritório do/a ofendido/a/assistente ressalta que aquela constatou, de facto, o estado de espírito daquele, aquando e mercê da participação em questão.

    7. - Da mera leitura da fundamentação da douta sentença recorrida e tão só desta, manifestamente resulta ter sido o/a arguido/a condenado/a por, da prova produzida ter resultado provada, nos seus precisos termos, a acusação pública, que, por isso, foi julgada procedente, como resulta evidente não só da matéria de facto assente/enumeração dos factos provados e não provados, como também da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, bem como ainda da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, constantes da douta sentença recorrida.

    8. - Daí que o apelo, feito pelo/a recorrente, ao princípio in dubio pro reo, mais não traduza, em nosso entender, se não, o implícito reconhecimento, pelo/a mesmo/a, da falácia dos argumentos anteriores.

    9. - Parece-nos, no mínimo exagerado, defender que, se foi ou não emitido recibo, pelo/a ofendido/a/assistente, se a nota de honorários se mostrava ou não correcta, se existiu, ou não, fundamentação escrita, apresentada pelo/a ofendido/a/assistente para se demitir do cargo que desempenhava na Ordem dos Advogados, se o/a ofendido/a/assistente (também) publicitou a exposição do/a arguido/a em que foi visado/a...

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