Acórdão nº 7310/02.0TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 596 - FLS. 30.

Área Temática: .

Sumário: A despenalização do crime de abuso de confiança fiscal operada pelas alterações ao artigo 105º do RGIT, introduzidas pela Lei 64-A/2008, de 31/12, não abrange o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo 7310/02.0TDPRT.P1 Relator: MeloLima Acordam em Conferência na 1ªSecção Criminal do Tribunal da Relação do PortoI. Relatório 1. Condenado nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) que, sob o nº 7310/02.0 correm termos pelo ….º Juízo (….ªSecção) dos Juízos Criminais do Porto, como autor material de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, pº e pº pelas disposições conjugadas dos artigos 9º/2, 27º-B e 24º/1 do DL 20-A/90 de 15/1, na redacção que a este diploma foi aportada pelos Dl 394/93 de 4/11 e 140/95 de 14/6 ([1]) o arguido B……………, com fundamento de que os factos por que tinha sido condenado haviam sido, entretanto, descriminalizados, requereu fossem declarados cessados todos os efeitos da decisão condenatória, com os subsequentes arquivamento dos autos e cancelamento do registo da pena.

  1. Sobre esta pretensão incidiu decisão judicial de indeferimento, sob a justificação de que a despenalização prevista no nº1 do artigo 105º do RGIT não é aplicável aos crimes de abuso de confiança à Segurança Social.

  2. Inconformado, recorre o arguido, rematando a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões: 3.1 A remissão efectuada pelo nº1 do artigo 107º para os nº 1 e 5 do RGIT não pode ser interpretada literalmente, no sentido de que a remissão seria tão-somente para as penas, sob pena de insanável contradição.

    3.2 Da interpretação histórica e sistemática das mencionadas disposições legais resulta que a remissão feita pelo nº1 do artigo 105º do RGIT teve não só por objecto as penas como os pressupostos quantitativos da sua aplicação.

    3.3 A intenção deliberada do legislador foi a de atribuir a mesma censurabilidade penal ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e ao crime de Abuso de confiança Fiscal, fazendo-a depender dos mesmos montantes não entregues à Segurança Social e à Administração Tributária, respectivamente.

    3.4 Do ponto de vista de uma interpretação objectivista da lei, configuraria uma incongruência intra-sistemática (violadora do princípio da unidade e coerência do sistema jurídico) a qualificação de ambos os tipos de crime com base na não entrega de prestações do mesmo montante (superior a €50.000,00) e a punição dos tipos base com fundamento na omissão de entrega de prestações de montantes substancialmente diferentes (superior a €7.500,00 e a €0,00, respectivamente).

    3.5 É, por isso, inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação previstos no artigo 18º /2 e 3 da CRP, a norma que se retira da interpretação conjugada dos artigos 105º e 107º do RGIT segundo a qual o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é punível com a pena prevista no nº1 do artigo 105 quando o montante das contribuições não entregue à Segurança Social seja igual ou inferior a €7.500,00.

    3.6 O entendimento de que os factos devem continuar a ser punidos criminalmente porque não são sancionáveis como contra-ordenação viola o princípio da necessidade que se concretiza no princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade do direito penal.

    3.7 Face a tudo quanto antecede, a conduta pela qual o arguido foi condenado deve ser julgada descriminalizada e a execução da pena cessada.

    3.8 Ao entender de modo diferente, o douto despacho recorrido fez errada interpretação e aplicação das normas consagradas nos artigos 18º/2 e3 da CRP, 105º e 107º do RGIT e 2º/2 do Código Penal.

    3.9 Em consequência deve o douto despacho recorrido ser revogado, declarando-se cessados todos os efeitos da decisão condenatória do Arguido e determinando-se o arquivamento dos autos.

  3. Respondeu o Exmo. Procurador Adjunto, dizendo, em síntese, que a limitação dos €7.500,00 não é aplicável ao crime de abuso de confiança à Segurança Social, com os seguintes fundamentos: 4.1 O Artigo 107º do RGIT não sofreu qualquer alteração e contém, no seu nº1, a completa descrição do tipo legal de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sem necessidade de recurso ao artigo 105º do RGIT; 4.2 A remissão efectuada pelo nº2 do artigo 107º do RGIT para o artigo 105º, cinge-se às penas aplicáveis e não à conduta; 4.3 Os regimes do abuso de confiança fiscal e o de abuso de confiança relativamente à Segurança Social não são equiparáveis, diferindo, desde logo, quer quanto aos bens jurídicos protegidos, quer quanto ao regime punitivo; 4.4 A procura da mens legis não poderá partir da conclusão da verificação de lapso na elaboração da legislação antes tendo de se partir da ideia de que as alterações introduzidas tiveram um propósito, sendo este o de autonomizar o regime punitivo das infracções contra a Segurança Social relativamente às demais infracções tributárias.

    4.5 A entender-se pela aplicabilidade do novo limite previsto no nº1 do artigo 105º para os casos de abuso de confiança contra a Segurança Social, verificar-se-ia uma despenalização em toda a linha dos comportamentos, pois inexiste qualquer previsão para o não pagamento dos montantes devidos à Segurança Social (as contra-ordenações previstas no artigo 114º do RGIT não são aplicáveis senão a dívidas fiscais.

  4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde sustenta que o recurso não merece provimento, com o argumento de que: «a nova redacção conferida ao artigo 105º nº1 do RGIT pelo artigo 113º da Lei 64-A/2008 de 31.12.2009, introduziu uma (mais uma) condição de punibilidade, vindo, dada a remissão feita in fine no artigo 107º nº1 do RGIT (abuso de confiança contra a segurança social) para o Artigo 105º do RGIT. A hermenêutica do preceito, à luz desde logo do argumento literal, permite… dar uma resposta negativa. Com efeito, claramente a remissão plasmada na parte final do artigo 107º nº1 do RGIT para o artigo 105º do mesmo diploma legal, restringe-se única e exclusivamente à aplicabilidade das molduras penais previstas no artigo 105º nº 1 e 5 do RGIT e ao preceituado nos seus nº 4 e 7. De resto, tal é concordante, com o facto de as condutas de abuso de confiança (fiscal) ora despenalizadas, terem passado a constituir ilícito contra-ordenacional, o que não se passou no domínio do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, ficando as mesmas se fosse possível ter como boa a interpretação propugnada pelo recorrente, reduzidas à total impunidade, o que, em tempos de redobrados esforços no sentido da...

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