Acórdão nº 30010-A/1995.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 326 - FLS 225.

Área Temática: .

Sumário: I - A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária.

II - O instituto da litigância de má fé não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça — destina-se a combater a específica virtualidade da má fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial.

III - A litigância de má fé não pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida; o fundamento ético do instituto exige que tal manifesta improcedência acarrete ainda, para lá da improcedência da pretensão, desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça (imputável à parte a título de culpa - dolo ou negligência grave).

IV - O critério para apreciação da negligência pressuposta no instituto da litigância de má fé não pode deixar de ser referenciado ao padrão de conduta exigível ao agente, ajustado às suas carências pessoais e particulares inaptidões.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIORecorrentes: B………. e mulher, C………. .

Recorrida: D………. .

Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão – .º Juízo Cível.

*D………., Advogada, intentou no .º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão acção sumaríssima contra os réus B………. e mulher, C………., pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 3.675,48€ (três mil seiscentos e setenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros, quantia que alegou ser-lhe devida a título de honorários e despesas judiciais e extrajudiciais, pois que, por solicitação deles, os patrocinou em processo de inventário no qual o réu marido era cabeça de casal.

Em contestação os réus alegaram ter a autora junto aos autos documentos em violação do Estatuto da Ordem dos Advogados, invocaram a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial (falta de causa de pedir) e deduziram ainda a excepção da prescrição, tendo depois impugnado, parcialmente, a matéria de facto alegada na petição (impugnando, designadamente, que a autora tenha efectuado, no âmbito dos serviços que lhes prestou, 62 telefonemas, 36 faxes, 39 cartas e 3 mensagens por correio electrónico, assim como tenha realizado 73 idas ao tribunal e tenha recorrido a 34 certidões), alegando também que o estado do processo de inventário no qual a autora exerceu o seu patrocínio está, na prática, no mesmo estado em que se encontrava quando constituíram a autora como sua mandatária. Alegam também que constituíram a autora como sua mandatária em 12/02/97, razão pela qual não pode esta peticionar serviços anteriores a essa data, além de que a autora representava outros interessados, e bem assim (artigos 33º e 56º da contestação) que para pagamento dos serviços prestados a autora recebeu dos réus e demais interessados no inventário, em cheque, cerca de 1.150.000$00 (5.736,17€), entregue em mão por E………. (e proveniente da venda de um imóvel a essa E………). Alegam também os réus que os honorários foram fixados pela autora sem considerar o estado de pobreza dos réus, não sendo compatíveis com os serviços prestados (não estando em consonância com o valor dos bens em causa no inventário e designadamente do valor que, a final, os réus venham a receber), não tendo o trabalho prestado pela autora qualquer relevo para os réus, além de ser verdadeiro trabalho de solicitadoria, não se revestindo de complexidade jurídica.

Em audiência de julgamento a autora respondeu às excepções deduzidas na contestação, pugnando pela sua improcedência (referindo, designadamente, que já após a renúncia ao mandato e aquando da conferência de interessados, foi solicitada pelos réus no sentido de os continuar a patrocinar, tendo então a autora apresentado nos autos requerimento a manter o mandato), invocando a litigância de má fé dos réus, alegando para tanto que estes conheciam a falta de fundamento da oposição apresentada, quer ao afirmarem ter a autora recebido valor que não corresponde à verdade, quer pondo em causa todo o seu trabalho e desempenho no âmbito do processo de inventário em que o mandato judicial foi exercido, e suscitando dúvidas quanto ao pagamento dos legados (juntando documentos comprovativos do pagamento dos legados e do recebimento do cheque por parte do réu).

No cumprimento do contraditório, pronunciaram-se os réus sobre a sua imputada litigância de má fé. Admitiram terem sido eles e os demais interessados no inventário a receber o dinheiro do cheque mencionado no artigo 33º da contestação, mais referindo serem os réus pessoas sem instrução (o réu apenas sabe assinar o seu nome e a ré mulher é analfabeta), de idade avançada, com dificuldades de entendimento e de expressão, explicando que pretendiam alegar que foi do cheque referido no mencionado artigo da contestação que foram sendo entregues à mandatária várias importâncias que a mesma reencaminharia para onde entendesse necessárias. Terminam os réus requerendo lhes fosse relevada qualquer insuficiência na explicação da matéria em causa.

No prosseguimento da causa, foram conhecidas – e julgadas improcedentes – as invocadas excepções dilatórias e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgou procedente a acção, condenando os réus a pagar a autora a quantia de 3.675,48€ (três mil seiscentos e setenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros e, enquanto litigantes de má fé, na multa de cinco UCC.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os réus, pugnando pela revogação da sentença na parte que os condenou como litigantes de má fé, terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (nelas circunscrevendo o recurso à condenação em multa por litigância de má fé): - com base no que consta da douta sentença, e particularmente no que se refere à litigância de má fé, partiu a Mmª Juiz a quo para afirmar que a contestação visa denegrir a imagem profissional da autora e condenou os réus em cinco UCC; - não podem deixar de não concordar com a condenação por litigância de má fé e muito menos em semelhante montante, manifestamente elevado, atendendo às possibilidades económicas dos réus, que são pobres e beneficiam até de apoio judiciário, na modalidade do pagamento de preparos e custas; - o que estava em jogo, como resulta da petição inicial, contestação e douta sentença era se eram ou não devidos os honorários peticionados pela autora; - ascende a 3.675,00€ o valor dos honorários peticionados, valor este a que acresce o montante de 175,00€, inicialmente entregue à mandatária autora, sendo certo que esta representava nos autos de inventário a que se reportam os serviços relativos aos honorários peticionados outros doze interessados, além dos agora recorrentes; - foram prestados aos recorrentes e mais doze interessados os serviços em causa nos autos, pelo que a aplicarem-se tais honorários a todos os demais interessados representados pela recorrida, estamos perante nota de honorários elevadíssima; - a conta de honorários, não podendo ser aqui discutida, é no entender dos recorrentes manifestamente exagerada, comportando serviços relativos a período em que a recorrida já não representava os recorrentes (sendo certo que todos os serviços alegados foram julgados provados, apesar de a testemunha que depôs sobre a matéria, só ter iniciado funções como funcionária da autora anos depois da prestação dos serviços e a outra ter referido não saber os actos praticados pela autora, não aceitando os recorrentes que a sua mandatária tivesse necessidade de fazer 62 chamadas, de enviar 32 faxes, 39 cartas, 3 mensagens de correio electrónico e se tenha deslocado a tribunal 73 vezes para consultar o processo e reunir com os interessados); - a contestação dos recorrentes não é mais do que uma constatação – independentemente das vicissitudes que o processo tem atravessado, facto é que volvidos cerca de catorze anos, ainda não há conferência de interessados nem partilha; - em termos práticos para os recorrentes o que existe é efectivamente a relação de bens nos autos, a identificação dos interessados e quase todos a escusarem-se a exercer o cabeçalato; - quanto à entrega do cheque, como referido em audiência de julgamento, os recorrentes têm pouca instrução; tal facto ocorreu há muitos anos e se não deixa de ser verdade que existiu o cheque de 1.150.000$00, que foi entregue ao recorrente, a verdade é que a percepção com que ficou e tem é a de que tal dinheiro foi efectivamente gasto no decurso do processo; - logo em audiência de discussão e julgamento se retratou, referindo que tal cheque lhe tinha sido entregue e pediu desculpa à recorrida, entendendo os recorrentes que tal retractação foi atempada e feita no lugar certo; - actuaram os recorrentes sem dolo e fizeram uso prudente da lide, não litigando de má fé, limitando-se a exercer um direito que lhes assiste, utilizando meio processual próprio; - o facto de não terem logrado provar o alegado na contestação não pode, de forma alguma, justificar a sua condenação em multa como litigantes de má fé, e muito menos em tão...

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