Acórdão nº 779/03.8TBOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. GONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGO 712.º, N.º 1, DO CPC, N.º 2 DO ARTIGO 456.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 798.º, 804.º E 813.º DO CÓDIGO CIVIL, N.º 1 DO ARTIGO 570.º DO CÓDIGO CIVIL Sumário: 1) Não é possível à Relação alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância com base em prova documental e testemunhal, quando o recorrente não impugnou os depoimentos em causa e a prova documental não tem força probatória plena; 2) Ao contrário do que sucedia no regime anterior ao introduzido pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, a litigância de má fé pode ter por fundamento, tanto o dolo como a negligência grave; 3) O simples facto de se ter provado a versão factual contrária à alegada pela parte, não acarreta, só por si, a litigância de má fé; 4) No âmbito dos acidentes de viação, não cessa a mora do lesante, se o mesmo se limita a comunicar ao lesado qual o valor de indemnização que entende correcto, mas não o coloca à sua disposição.

5) É ao lesante que cabe restituir o lesado à situação em que se encontrava antes do acidente; 6) No entanto, o lesado está obrigado a agir com diligência, nomeadamente não dilatando no tempo a propositura de acção de indemnização, sob pena de contribuir para o agravamento dos danos e ver reduzido o montante a atribuir.

Decisão Texto Integral: I. Relatório: A...

, com sede na...., concelho de Vagos, instaurou acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra B....

, com sede na...., alegando, em síntese, que: Em 13.02.2002, pelas 12H20, na Estrada Nacional n.º 235, ocorreu um embate entre o veículo pesado de matrícula 00-00-00, de sua propriedade, e a viatura ligeira de passageiros de matrícula Y..., propriedade de C....

, seguro na ré.

A responsabilidade pelo acidente coube exclusivamente ao condutor do ligeiro, por se ter atravessado à frente do pesado, na sequência de uma manobra repentina de mudança de direcção para a esquerda.

Do embate resultaram danos graves para o pesado, que ficou irrecuperável e não mais pôde ser utilizado na actividade de transportes diversos a que se dedica, o que lhe causou e continua a causar um prejuízo diário de € 153,93.

Concluiu pelo pedido de condenação da ré no pagamento da importância de € 18.700,00, relativa ao valor comercial do pesado, e, bem assim, do montante diário de € 153,93, desde o dia 13 de Março de 2002 até efectivo cumprimento, tudo acrescido de juros a contar da citação.

Regularmente citada, a ré contestou, afirmando, por um lado, a culpa do condutor do pesado na produção do acidente, por circular com excesso de velocidade, contrariando, por outro, o valor comercial da viatura, que seria de € 12.000,00, valendo os salvados € 3.250,00, e impugnando, finalmente, o prejuízo diário alegado, por não ser matéria do seu conhecimento.

Terminou pela absolvição do pedido.

Em réplica, a autora manteve o teor da petição inicial e requereu a condenação da ré em multa e indemnização não inferior a € 20.000,00, por litigar de má fé.

A selecção da matéria de facto considerada relevante para a decisão do litígio não mereceu reclamação.

Realizado o julgamento e proferida a decisão de facto, de que as partes não reclamaram, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 8.750,00, respeitante ao valor comercial do pesado, e o prejuízo diário de € 153,93, em virtude de esta não poder utilizar a viatura no serviço de transportes, desde o dia 13 de Março de 2002 até ao cumprimento dos deveres da ré e, ainda, os juros legais desde a citação.

Da decisão interpuseram recurso tanto a autora como a ré, que apresentaram, oportunamente, as respectivas alegações, concluídas assim: A. Quanto à autora: 1) A resposta ao quesito 11.º deveria ter sido mais extensiva, de molde a incluir os prejuízos diários até ao dia do julgamento, de acordo com os elementos fornecidos pela ANTRAM, que é a entidade competente para dar os prejuízos; 2) A ré alterou a dinâmica do acidente, a qual está em contradição com o croquis da GNR e a declaração amigável dos intervenientes no acidente de viação; 3) Para adiar o normal andamento do processo, a ré pediu uma carta rogatória para França, quando sabia que o segurado, de apelido C..., não ia alterar a dinâmica do acidente; 4) A ré litiga com má fé substancial e processual, pelo que deve ser condenada na multa de 100 UC e em igual quantia de indemnização a favor da autora.

5) Foram violados os artigos 653-663 e 665 do Código de Processo Civil.

  1. Quanto à ré: 1) A resposta aos quesitos 10.º e 11.º deveria ter sido negativa e não afirmativa, como sucedeu; 2) Alteradas as respostas, não pode a ré ser condenada no pagamento do montante diário de € 153,94, a título de prejuízo diário pela imobilização do veículo da autora; mas, mesmo que assim se não entenda, 3) Resultou provado que a reparação do pesado era excessivamente onerosa, já que, sem desmontagem, ascendia a € 15.609,46, o valor comercial do veículo era de € 12.000,00 e os salvados valiam € 3.250,00.

    4) A autora não aceitou ser indemnizada na base de tais valores, como lhe foi proposto por carta de 23 de Abril de 2002, pelo que, a partir de tal data, cessou a mora da ré e, consequentemente, o direito da autora a ser indemnizada pelos lucros cessantes; mas, quando assim não seja, 5) Não é razoável que a autora, tendo serviço para o pesado, o tenha deixado sem reparação, tanto mais que, ao fim de quatro meses, o prejuízo emergente da paralisação era já superior ao do valor comercial do veículo; 6) A opção por não proceder à reparação agravou tremendamente e sem necessidade os danos resultantes do acidente, que hoje ascendem a cerca de € 391.000,00; 7) A indemnização a arbitrar a título de paralisação da viatura deve ser reduzida em 50%, por aplicação do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil; 8) A sentença violou os artigos 804.º, n.º 2, e 570.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

    Qualquer das partes respondeu à alegação da contraparte.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, já que nada a tal obsta.

    São estas as questões a requerer solução, consoante deflui das conclusões das alegações apresentadas: A. Recurso da autora:

    1. A alteração da matéria de facto e suas consequências; b) A má fé.

      B. Recurso da ré:

    2. A alteração da matéria de facto e suas consequências; b) A cessação da mora; c) O agravamento dos danos.

      II. Na sentença foi considerada a seguinte matéria de facto:

  2. Encontra-se registada a favor da autora a propriedade de um camião de 14 rodas, com a matrícula 00-00-00 – alínea A) dos factos assentes.

  3. No dia 13.03.2002, cerca das 12.20 horas circulavam, na Estrada Nacional n.º 235, o veículo da autora, conduzido, ao serviço desta, pelo motorista D...

    , e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula Y, tripulado pelo seu proprietário, C..., no sentido de marcha Aveiro – Oliveira do Bairro – alínea B) dos factos assentes.

  4. O veículo ligeiro de matrícula Y seguia à frente do veículo pesado de mercadorias – alínea C) dos factos assentes.

  5. O camião da autora surgiu em velocidade superior a 50 Kms/hora – resposta ao artigo 16.º da BI.

  6. O condutor do veículo ligeiro, ao chegar ao cruzamento do Portinho, Oliveira do Bairro, encostou o seu automóvel à direita, não chegando a parar – resposta ao artigo 1.º da BI.

  7. Efectuando, de seguida e repentinamente, uma manobra de mudança de direcção para a esquerda em direcção à localidade de Fermentelos – resposta ao artigo 2.º da BI.

  8. Pelo que, ao condutor do pesado, que seguia na sua marcha, lhe aparece pela frente o veículo ligeiro em frente do cruzamento – resposta ao artigo 3.º da BI.

  9. Tendo sido impossível ao condutor do pesado evitar a colisão – resposta ao artigo 4.º da BI.

  10. O camião despistou-se e só parou quando colidiu contra uma parede – resposta ao artigo 5.º da BI.

  11. O camião ficou de tal forma danificado, que é irrecuperável – resposta ao artigo 6.º da BI.

  12. O camião da autora tem estado parado desde 13.03.2002 – resposta ao artigo 8.º da BI.

  13. A autora dedica-se à actividade de transportes diversos – resposta ao artigo 9.º da BI.

  14. A autora tem serviço para o camião, mas não o pode utilizar – resposta ao artigo 10.º da BI.

  15. O prejuízo dum camião igual ao da autora é de € 153,94 por cada dia em que esteja parado – resposta ao artigo 11.º da BI.

  16. O valor venal do veículo da autora era de € 12.000 – resposta ao artigo 18.º da BI.

  17. O veículo da autora contava com doze anos de circulação e com 829.456 quilómetros rodados – resposta ao artigo 19.º da BI.

  18. A reparação do veículo sem desmontagem é de € 15.609,46 – resposta ao artigo 20.º da BI.

  19. E os salvados valem aproximadamente € 3.250,00 – resposta ao artigo 21.º da BI.

  20. À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo ligeiro de matrícula Y encontrava-se transferida para a ré, através da apólice nº F 181/37412481 – documento de folhas 79 a 85.

    III. O direito: A. Recurso da autora 1) A alteração da matéria de facto e suas consequências: A decisão de facto pode ser alterada pela Relação na hipótese de ocorrer alguma das seguintes situações:

    1. Constarem do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base ou, apoiando-se a mesma em depoimentos gravados, forem estes impugnados, nos termos do artigo 690.º-B; b) Os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Ser apresentado documento novo superveniente, que, por si só, seja...

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