Acórdão nº 2829/08-1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: DECRETADO O REENVIO Sumário: 1.Para impugnar um facto específico, o recorrente tem que individualizar concretamente quais são as particulares passagens aonde ficaram gravadas as concretas frases do universo das declarações prestadas que se referem ao ponto impugnado e não indicar por grosso o total das declarações prestadas por um certo número de testemunhas, com isso prejudicando ou inviabilizando até o exercício legítimo do contraditório por banda dos sujeitos processuais interessados no desfecho do recurso, transferindo também, desse modo, abusivamente, para o tribunal de recurso a incumbência de ser este tribunal a encontrar e seleccionar as específicas passagens das gravações que melhor se adeqúem aos interesses do recorrente; 2. Assim, para dar satisfação ao actual conteúdo do n.º4 do art. 412.º do CPP, não basta indicar apenas, por «referência ao consignado na acta», como ali se diz, em que cassete ou CD está o depoimento da testemunha invocada pelo recorrente e a que “voltas” começa e em que “voltas” acaba o seu depoimento. O mesmo preceito legal contém ainda uma outra exigência: a do recorrente «indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», isto é, quais são as concretas frases em que se baseia.

  1. Quando o recurso não cumpre na motivação e simultaneamente nas conclusões as especificações a que alude o art. 412.º n.º3 e 4 do CPP não há que formular ao recorrente qualquer convite ao aperfeiçoamento.

  2. A reconstituição do facto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está legalmente vinculada, autonomiza-se, como meio de prova, das contribuições individuais de quem nela tenha participado e das declarações que tenham co-determinado os seus termos e resultado.

  3. Não tendo o tribunal de 1.ª instância averiguado da situação económica do arguido e da assistente para efeitos da fixação da indemnização por danos não patrimoniais e fixação da pena concreta, ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a justificar o reenvio para novo julgamento com vista ao apuramento dessa matéria.

    Decisão Texto Integral: IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo n.º …/06.5GDFAR, do 1º Juízo de Competência Especializada Criminal de Faro, em que J.C. se constituiu assistente e deduziu pedido cível contra o arguido D.V., este foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de incêndio, p. e p. pelo art.º 272.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, sob a condição de o arguido reparar o mal do crime, procedendo ao pagamento da indemnização atribuída à demandante J.C., no prazo de um ano contado do trânsito em julgado da decisão, em resultado de o pedido cível ter sido julgado parcialmente procedente e o arguido condenado a pagar à assistente e demandante cível o montante de 11.368,50 €.

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  4. Nos autos não existem elementos que permitam determinar com o necessário rigor a questão da propriedade da fracção autónoma descrita nos autos e dos bens móveis existentes no seu interior.

  5. Provou-se somente que Arguido e Assistente são casados entre si, encontrando-se separados judicialmente e que o recheio e os materiais existentes na fracção eram pelo menos de ambos Arguido e Assistente, sendo de valorar a admissão feita pela Assistente de se tratar de bens comuns do casal.

  6. O art.° 355.° do Código de Processo Penal determina que não valem em Julgamento para efeitos de convicção do Tribunal as provas não produzidas ou examinadas em Audiência.

  7. O Arguido não compareceu na Audiência de Julgamento, o que equivale ao exercício do direito processual de não prestar declarações em audiência, pelo que não podem ser lidas nem consideradas as que anteriormente prestou no processo (conforme, nomeadamente, se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência do Supremo, tomo I, pag. 202), sob pena de nulidade.

  8. Os documentos juntos aos autos, as declarações da Assistente e os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de Julgamento não permitem concluir pela imputação ao Arguido dos factos constantes na douta Acusação.

  9. As testemunhas de acusação não presenciaram os factos, não sendo os seus depoimentos suficientes para se poder concluir sobre a autoria dos factos.

  10. O Sr. Inspector J.B. informou não ter presenciado os factos tendo somente efectuado a reconstituição constante nos autos, pelo que não poderia ser inquirido em sede de audiência de julgamento de acordo com o previsto no n.° 7 do art.° 357.° do Código de Processo Penal.

  11. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1992, na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII -1992, Tomo III, pag. 19, "O agente policial não está impedido de depor sobre factos de que possua conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que recebeu do arguido no decurso do processo (...)".

  12. Por outro lado, dispõe o art.° 150.° do Código de Processo Penal que a reconstituição do facto é relevante para se determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma sendo que este meio de prova não pode por si só alicerçar a convicção do Tribunal, 11. Desacompanha de outros meios de prova esta diligencia processual só permite a conclusão de que os factos poderiam ter ocorrido da forma retratada.

    Mas, 12. Sem depoimentos directos sobre a autoria da prática dos factos e sem uma confissão formal por parte do Arguido esta prova é manifestamente insuficiente para se poder fundamentar uma decisão condenatória em sede de processo penal, não podendo assim ter sido considerada a reconstituição documentada nos autos.

  13. Na falta de elementos de prova e no caso de persistir duvida processualmente fundamentada quanto à prática dos factos impõe a lei o recurso ao princípio do "in dúbio pro reo" não podendo haver condenação em termos criminais.

  14. Pelo exposto se impõe a revogação do douto Acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que absolva o Arguido.

  15. Por outro lado o douto Acórdão de que se recorre não faz um adequado enquadramento jurídico.

  16. O art.° 272.° do Código Penal impõe que para haver crime de incêndio e consequentemente punição criminal é necessário que se verifiquem uma de duas exigências, que são (1) a criação de perigo para a vida ou integridade física de outrem ou (2) a criação de perigo para bens patrimoniais alheios de elevado valor.

  17. Resulta da prova produzida que a fracção autónoma em questão se encontrava desabitada, o mesmo sucedendo com todo o edifício, não tendo assim existido perigo para a vida ou integridade física de pessoas.

  18. Nem se pode aceitar que o deflagrar de um incêndio coloque automaticamente em perigo a vida e integridade de pessoas, sendo necessário aquilatar em concreto se houve efectivamente esse perigo na situação em análise.

  19. E o facto é que resulta evidente da prova produzida que não ocorreu nenhum perigo para a vida ou integridade física de outrem.

  20. Por outro lado não existem nos autos indicações suficientes para a conclusão de que houve perigo para bens patrimoniais alheios.

  21. Nos autos não foi feita prova cabal de que a propriedade da fracção fosse da Assistente, havendo necessidade de tal prova para efeitos de enquadramento no tipo legal em questão.

  22. E o mesmo se refira quanto aos bens móveis que constituem o recheio da fracção, incluindo não só bens móveis mas também portas, armários, fechaduras, etc. que na fracção foram colocados, tendo, inclusive a Assistente admitido nos autos que se tratavam de bens comuns do casal.

  23. Assim, não se verifica a segunda das exigências da lei para a qualificação como crime de incêndio dado que não foi feita prova da propriedade exclusiva da fracção autónoma por parte da Assistente.

  24. Impondo-se também por este motivo a revogação do douto Acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que absolva o Arguido.

  25. Não havendo bens alheios não há claramente qualquer obrigação de indemnizar, pelo que o Pedido de Indemnização Civil deve improceder nesta parte, por falta de fundamento.

  26. A Assistente não demonstrou, como lhe competia, a propriedade dos bens cujos danos reclama, sendo que Assistente e Arguido são casados entre si, não obstante a separação judicial.

  27. Igualmente censurável é a condenação do Arguido no pagamento de danos decorrentes da utilização do apartamento, no valor de 500 Euros.

  28. A própria Assistente nas suas declarações declarou que não utiliza o apartamento desde 2001, sendo que o mesmo não se encontra arrendado nem é utilizado por quem quer que seja, pelo que não existem quaisquer prejuízos pela sua impossibilidade momentânea de utilização.

  29. Sendo que - uma vez mais se refere - não se encontra provado que a Assistente seja proprietária e a única pessoa com a faculdade de utilizar o local, 30. No que se refere aos danos de natureza não patrimonial a correcta ponderação dos critérios legais levam à conclusão que o valor arbitrado é manifestamente infundado e claramente exagerado.

  30. Como referido não se prova que os bens em questão constituam património - pelo menos exclusivo - da Assistente, nem foi considerada a situação económica do Arguido, pelo que é infundado e injustificável o valor de 5.000 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais.

  31. Assim, impõe-se a improcedência do Pedido de Indemnização, devendo igualmente nesta questão ser revogado o Acórdão recorrido.

  32. Por fim, igualmente quanto à medida concreta da pena o douto Acórdão merece censura.

  33. É que resulta da...

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