Acórdão nº 6020/07.7TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução05 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 325 - FLS 140.

Área Temática: .

Sumário: I - O dano relativo à privação do uso do veículo pode ser perspectivado numa dupla dimensão: 1) enquanto causa de prejuízos patrimoniais, traduzidos nos encargos suportados com o recurso a meios de transporte substitutivos ou na perda de vantagens económicas que proporcionava (se, por exemplo, se tratava de veículo de aluguer, gerador de rendimentos que deixaram de ser recebidos); 2) e enquanto causa de prejuízos não patrimoniais, inerentes à privação dos cómodos que o uso do veículo proporciona, mesmo para fins de laser.

II - Não é excessiva a indemnização fixada em € 1.000,00 para compensar a privação do uso do veículo pelo período de 2 anos e 8 meses.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 6020/07.7TBVNG.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 14-07-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B………., residente na Rua ………., em Vila Nova de Gaia, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação com processo comum sumário contra COMPANHIA DE SEGUROS C………., S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.788,87, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de embate, ocorrido em 14-02-2007, pelas 22,25 horas, do veículo com a matrícula ..-..-RL, segurado na ré, no seu motociclo com a matrícula LO-..-.., acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, ou, em alternativa à quantia de € 3.288,87, a proceder à reparação do seu motociclo.

A Ré contestou por impugnação, contradizendo a versão dos factos relativos ao embate ocorrido entre os dois veículos, de modo a justificar que a culpa por esse embate cabia apenas ao autor e assim excluir a sua obrigação de indemnizar, e, quanto aos danos, para além de os impugnar por desconhecimento, alegou ainda que o valor comercial do motociclo do autor era bastante inferior ao valor estimado da sua reparação, pelo que “a reconstituição natural sempre seria excessivamente onerosa” e assim haveria que proceder “à indemnização em dinheiro pelo valor do objecto”, como prevêem o n.º 1 do art. 566.º do Código Civil e o art. 20.º, n.º 1, do DL. 522/85, de 31/12.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a fls. 74-84, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a proceder à reparação do motociclo do autor com a matrícula LO-..-.., e ainda a pagar ao autor a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por outros danos sofridos (sendo 1.000€ por danos não patrimoniais e outros 1.000€ pela privação do uso do seu veículo), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da citação da ré até integral pagamento.

  1. A ré, não se conformando com essa decisão na parte em que a condenou a custear a reparação do motociclo do autor e a indemnizar este pela privação do referido veículo, recorreu para esta Relação, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: 1.ª - O veículo do A. foi matriculado em 1991.

    1. - O seu valor comercial, antes do embate, era de 2.000,00 € e o autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes por esse valor.

    2. - O valor dos salvados era de 250,00 €, proposta máxima conseguida.

    3. - A reparação do veículo do A. foi orçada em 3.228,87 €.

    4. - O valor do orçamento para a reparação (3.228,87 €) excede largamente o valor comercial do veículo (2.000,00 €).

    5. - Sendo assim, a reconstituição natural é excessivamente onerosa, pelo que se deveria ter optado antes pelo critério da indemnização em dinheiro, como se prevê no art. 566.º do Código Civil.

    6. - O valor a atribuir ao A. deveria ser o do valor do objecto (2.000,00 €), deduzido, porém, do valor do salvado (250,00 €), o que dá o valor de 1.750,00 €.

    7. - Com os valores da indemnização e do salvado (total de 2.000,00 €), o A. poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes, o que ficou provado.

    8. - Também o actual regime do seguro obrigatório (DL 291/2007, de 21/08) estabelece, no seu art. 41.º, o critério de perda total e as respectivas consequências, inteiramente coincidentes com a aplicação do disposto no alegado art. 566.º do Código Civil.

    9. - A sentença recorrida violou, nesta parte, o disposto no art. 566.º do Código Civil.

    10. - Quanto à indemnização pela privação de uso, não foi provado que tivesse havido qualquer prejuízo patrimonial para o autor.

    11. - Mas ficou provado que a imobilização provocou no autor um abalo psicológico por se ver privado da sua mota que era a "menina dos seus olhos", o que não revela que o A. tenha sofrido danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

    12. - Por isso, nenhuma indemnização deveria ter sido fixada a esse título.

    13. - A douta sentença violou, nesta parte, o n.º 1 do art. 496.º do Código Civil.

    Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

  2. À tramitação e julgamento do presente recurso é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008 (foi instaurada em 20-06-2007). E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei).

    De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações e reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648).

    De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões que a apelante extraiu das suas alegações, o objecto do recurso visa apenas a decisão de direito e compreende as seguintes questões: 1) se a condenação da ré a proceder à reparação do veículo do autor, com base no princípio da reconstituição natural, é excessivamente onerosa e impõe, face ao disposto no art. 566.º, n.º 1, do Código Civil, a opção pela indemnização em dinheiro; 2) se o autor não tem direito a indemnização pela privação do uso do veículo.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    II – FACTOS PROVADOS 4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes: 1) O Autor é dono do motociclo de marca Honda, modelo ……., com a matrícula LO-..-...

    2) A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à celebração de contratos de seguro, nomeadamente de veículos automóveis.

    3) Em 14 de Fevereiro de 2007 o veículo automóvel de passageiros, de marca Opel …… e com a matrícula ..-..-RL pertencia a D………. .

    4) No exercício da sua actividade, a Ré acordou com D………. assumir a responsabilidade pela indemnização dos danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-RL, o que foi titulado pela apólice 06-………., encontrando-se tal acordo em vigor em 14/02/2007.

    5) No dia 14 de Fevereiro de 2007, por volta das 22.25 h., o Autor conduzia o veículo referido em 1) na ………., Vila Nova de Gaia, no sentido Norte/Sul.

    6) A referida avenida é constituída por duas faixas de circulação rodoviária, separadas por uma divisória em cimento, tendo a faixa no sentido Norte/Sul, duas vias de circulação, tendo cada uma a largura de mais ou menos 3,40 m.

    7) Depois da curva que antecede a recta da faixa de circulação em que seguia o Autor e, antes da paragem de autocarros, em frente à entrada do E………., há duas vias de circulação rodoviária.

    8) Estando, como normalmente está e se verificava no dia e hora referidos em 5), parte da via junto à berma ocupada com veículos automóveis estacionados.

    9) Porém, permite a circulação de veículos de menor largura, como o do Autor, que continuou...

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