Acórdão nº 566/05.9TAESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelJOSÉ PIEDADE
Data da Resolução05 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 389 - FLS. 83.

Área Temática: .

Sumário: I- Autor de um crime de abuso de confiança só pode ser aquele que detém uma qualificação determinada resultante da relação de confiança que o liga ao proprietário da coisa recebida por título não translativo da propriedade e que fundamenta o especial dever de restituição.

II- Configura uma situação de colaboração, de auxílio moral mesmo, punível a título de cumplicidade, a actuação daquele que, não sendo sujeito daquela relação de confiança, nem estando investido no dever de receber em nome do proprietário, formula com quem detém tal qualificação um desígnio apropriativo e beneficia da integração no património comum, do dinheiro objecto de apropriação.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. Nº 566/05.9TAESP.P1 1º Juízo do T.J. de Espinho Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No ..º Juízo do T.J. de Espinho, processo supra referenciado, foram julgados B…………….. e C………….., tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo: - condenar a B…………… pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. b) do CP, na pena de 2 anos de prisão; - condenar o C…………… pela prática, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. b) do CP, na pena de 2 anos de prisão; - suspender a execução de cada uma das penas de prisão referidas pelo período de 2 anos; - condenar os lesantes B………….. e C…………… a pagarem ao lesado, D……………, a título de indemnização, a quantia de €46.052,93, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde 11/05/1994 até efectivo e integral pagamento;*Desta Sentença recorreu a B……………, formulando as seguintes conclusões: 1- Quanto à factualidade indevidamente apreciada sempre se dirá que o Tribunal a quo deu como provado que os arguidos se apropriaram de quantia determinada, “de acordo com um plano previamente delineado e previamente combinados”; 2- Ora, não deslumbra a recorrente donde resultou semelhante factualidade; 3- Para que se verifique a existência de “um plano previamente delineado” necessária será se apure as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que tal aconteceu; 4- Ora, tal nunca veio sequer a ser aflorado ao longo de todo o processo, não se percebendo donde resulta semelhante conclusão; 5- Relativamente à matéria de facto dada como provada com base na prova produzida dos intervenientes supra referenciados, concretamente, das declarações dos arguidos, não resultou que estes se tenham apoderado “da quantia de €46.052,93, que integraram no seu património e gastaram em proveito próprio”; 6- Antes pelo contrário, ficou suficientemente provado que o dinheiro não entregue ao assistente Rufino foi utilizado única e exclusivamente na prestação de cuidados de saúde da mãe deste; 7- Quanto aos arguidos, parece-nos transparecer alguma animosidade do Tribunal para com estes, pois “a explicação avançada pela arguida, não mereceu credibilidade” atribuindo-se outrossim apenas credibilidade às declarações e à prova pelo assistente apresentada, o que muito se estranha; 8- Se atentarmos nas declarações pelo assistente prestadas comparativamente às pela arguida prestadas, muitas delas “escapam por completo às regras da normalidade”; 9- Muito embora negasse o assistente que nunca tenha dado autorização à arguida para utilizar o dinheiro em causa no sustento da sua progenitora, a verdade é que ficou mais que provado que esta o necessitou; 10- Por outro lado, o Tribunal a quo fez tábua rasa da incongruência da quantia peticionada; 11- Desde sempre pretendeu o assistente receber na Venezuela o equivalente a 36.000.000$00, sem contudo fazer contas às diferenças cambiárias e aos encargos indissociáveis com as operações de transferência quer para o banco na Venezuela quer para o banco em Miami; 12- Reconhece o assistente que “quando fez as correcções não teve em conta os custos da operação”; 13- Não pode olvidar o Tribunal que o assistente solicitou que a quantia apurada com a venda do terreno fosse transferida em momentos temporais diversos e para instituições bancárias diversas, inclusive, para Miami, fora da sua área de residência; 14- De igual modo não pode o Tribunal descurar que o assistente tentou esconder da sua esposa parte dos montantes apurados nesta operação financeira, o que, à partida, impossibilita o Tribunal de apurar em concreto quanto foi transferido para o assistente e quanto lhe seria devido a final, descontadas as diferenças cambiárias e custos de operação; 15- Assim, como ficou por apurar qual o quantitativo monetário que pretendeu o assistente ficasse em Portugal; 16- Igualmente, não cuidou de saber das incongruências verificadas quanto aos mesmos factos, entre as declarações prestadas pelo assistente e as testemunhas por si arroladas, a quem o Tribunal atribuiu toda a credibilidade, ainda que o seu conhecimento dos factos fosse por via indirecta; 17- A testemunha E…………… ab initio demonstrou a sua animosidade para com ambos os arguidos, apelidando o arguido C………….. de “Alves dos Reis” e quanto à arguida B…………… afirmou que com a mesma não fala desde 2003 e “que a pariu como fazem os animais”, apelidando-a de “mais sabida”; 18- Afirmou que “o conhecimento que tem dos factos é que os arguidos são culpados”; 19- Afirmou que o seu irmão, o assistente D………….., emitiu procuração a favor da arguida B………….., contudo nunca a viu; 20- Sabe, contudo, que a procuração serviu para vender um terreno do irmão, sito em Espinho, o preço não sabe, mas ouviu o irmão dizer que seriam cerca de 200 mil dólares; 21- Após a venda, não sabe quanto dinheiro a B……………. mandou; 22- O conhecimento que tem quanto ao estado de saúde da sua mãe e quanto aos cuidados necessários, a testemunha começou por afirmar que “a mãe morreu de velhice”, já “em 95 tinha “achaques” normais da idade”; “não necessitava de cuidados extras” para mais tarde reconhecer que “a mãe estava muito magrinha”, “em termos físicos a mãe estava debilitada”, “a mãe não conseguia levantar-se da cama e que dependia da Daria e que fazia as necessidades em fraldas”; 23- Afirmou que “não sabe quanto era necessário despender mensalmente para a mãe” e que “não procurou saber quanto era necessário para a mãe”, “nunca se preocupou”; 24- As declarações desta testemunha nunca poderiam ter sido valoradas, nem positiva, nem negativamente, antes desvalorizadas, porquanto sintomáticas e demonstrativas do enorme ressentimento e aversão para com os arguidos, em concreto e em particular com a arguida B……………; 25- Quanto à testemunha F……………., entendeu o Tribunal que esta depôs de forma objectiva; 26- A fls. 34 dos autos prestou esta testemunha declarações através das quais afirmou, para além do mais, que “conhece o Sr. D………….. há muitos anos”. “Mais refere que em conversas familiares ouviu dizer que a B……………. vendeu o tal terreno mas que não entregou o dinheiro resultante da venda ao tio”, “que nada mais sabe pois nunca esteve presente em qualquer conversa entre o tio e a sobrinha, nem tão pouco presenciou qualquer negócio”; 27- Em Audiência de discussão e Julgamento peremptoriamente afirmou “directamente não assisti a nada” tudo o que sabe “foi por ouvir dizer”; 28- O mesmo se diga quanto à testemunha G………….., a qual a fls. 106 dos autos, em sede de Inquérito, começa o seu depoimento dizendo que “confirma na íntegra o teor da participação/queixa efectuada pelo denunciante que é tio da presente testemunha”; 29- Quanto a este facto registaremos aqui a nossa estranheza, porquanto, em 10/10/2005, estando o processo em segredo de Justiça, como poderia a testemunha saber o teor da participação criminal?; 30- Em Audiência de Julgamento afirmou que “o tio falou-lhe de uma procuração”, “que nunca a viu” e que “só teve conhecimento da mesma depois”; 31- Quanto ao negócio concreto declarou que “ouviu falar do envio de uns cheques”, “não sabe o valor dos cheques”, “não assistiu a qualquer conversa entre o D………….. e a B………….”, “não sabe que valor ficou por pagar” – depoimento por conhecimento directo; 32- No que ao tipo de ilícito criminal pelo qual foi a arguida condenada, não estão preenchidos os elementos do tipo; 33- Os “provados” actos da arguida – o “apoderar-se” do montante sub judice -, não significa jurídico-penalmente a apropriação a que se reporta o normativo legal do art. 205º, nº 1 do CP; 34- Na verdade, o acto material consistente no apoderar-se de qualquer coisa, vg dinheiro, não é o mesmo que a apropriação dessa coisa; 35- Apropriar-se, como é sabido, significa fazer a coisa sua, integrá-la no seu património, tornar-se o seu proprietário, e mais: que tal se revele por actos concludentes (cfr. Comentário Conimbricense do CP, Parte Especial, II, 104); 36- Não é, sem dúvida, o que decorre da factualidade assente; 37- O montante resultante da venda dos imóveis em questão foi, de forma faseada, entregue ao assistente, por indicação deste, sendo que o remanescente não foi apropriado pelos arguidos nem integrado no seu património; 38- O demais, ou seja, o remanescente, foi utilizado em benefício do bem-estar e prestação de cuidados de saúde primários com a mãe do assistente; 39- O que exclui, à partida, a existência do elemento essencial à perfeição típica do crime de abuso de confiança, a apropriação; 40- Para efeitos de preenchimento do crime de abuso de confiança, a intenção de restituir exclui o dolo de apropriação; 41- Constando da matéria de facto provada que a arguida não procedeu ao depósito da quantia de €46.052,93, a que estava obrigada, mantendo em seu poder tal quantia e integrando-a no seu património e que, apesar de interpelada apenas depositou na conta do assistente de parte da quantia devida, que os arguidos tinham consciência de que deviam entregar o remanescente do dinheiro resultante da venda dos prédios do assistente, bem como que...

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