Acórdão nº 226/08.9GTCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2009
Magistrado Responsável | DR. JORGE GONÇALVES |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: UNANIMIDADE Legislação Nacional: ARTIGOS 77º E 78º CP Sumário: As regras do cúmulo jurídico de penas, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, são aplicáveis ao concurso de penas acessórias.
Decisão Texto Integral: I – Relatório 1.
No processo sumário n.º 226/08.9GTCBR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, o arguido B..., melhor identificado nos autos, foi condenado, por sentença de 30 de Julho de 2008 referente a factos de 26 de Julho do mesmo ano, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 € (seis euros), num total de €480,00 (quatrocentos e oitenta euros), bem como na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses.
O mesmo arguido, no âmbito do processo sumário n.º 441/08.5GAMLD, do Tribunal Judicial da Mealhada, foi condenado, por sentença de 24 de Julho de 2008, referente a factos de 16 de Julho do mesmo ano, transitada em julgado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de €5,00 € (cinco euros), num total de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros), bem como na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses.
No âmbito do processo sumário n.º 226/08.9GTCBR foi realizada a audiência a que alude o artigo 471.º, n.º1, do Código de Processo Penal, em ordem à realização do cúmulo jurídico.
Realizada a audiência, foi proferida sentença que condenou o arguido em cúmulo jurídico, na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), totalizando a quantia de € 880,00 (oitocentos e oitenta euros). Quanto às penas acessórias, foi decidido não haver lugar à realização de cúmulo jurídico, devendo o arguido cumprir 9 (nove) meses de proibição de conduzir veículos com motor, o que corresponde ao cúmulo material das penas acessórias aplicadas.
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Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
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As penas acessórias constituem verdadeiras penas, com a particularidade de estarem formalmente dependentes da pena principal e de serem material ou substancialmente condicionadas à existência de um conteúdo de ilícito que justifica a censura adicional ínsita na sua aplicação.
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As penas acessórias visam, por isso, garantir uma maior eficácia na punição do delinquente em específicos tipos criminais para os quais as penas de natureza detentiva ou pecuniária são insuficientes e só indirecta ou complementarmente, actuam ao nível da prevenção da perigosidade.
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Por isso, a medida concreta da pena acessória deverá ser encontrada em função dos mesmos critérios que o legislador prevê para a pena principal (cfr. arts. 40° e 71 ° do Código Penal).
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Diferença substancial que distingue a pena do art. 69° do Código Penal da medida de segurança do art. 101.º do mesmo Código, para a aplicação e determinação concreta da qual estão em causa apenas exigência relacionadas com a perigosidade do agente.
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A aplicação do sistema do cúmulo jurídico às penas acessórias é o que melhor se coaduna com os princípios da culpa, igualdade e proporcionalidade, exigido pelos princípios constitucionais e legais vigentes e aplicados na determinação concreta da medida da pena.
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A isso não obsta o teor literal dos arts. 77°, n.º 4 e 78°, n.º 3 do Código Penal, perfeitamente compatíveis com o sistema do cúmulo jurídico para as penas acessórias.
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Nem é questionado pelo sistema da acumulação material aplicado à sanção acessória de inibição de conduzir aplicada em sede de contra-ordenações estradais, por força do disposto no art. 134.º, n.º 3 do Código da Estrada, atenta a diferente natureza das infracções que aqui estão em causa, H) Sendo certo que a aplicação das regras do cúmulo jurídico, poderão, na prática, aproximar-se ou coincidir com a pena resultante do mero somatório das penas parcelares, o que afasta o argumento de que o sistema que defendemos resulta especial e injustificadamente vantajoso para o arguido.
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Com a solução que defendemos evita-se o risco de se atingir uma gravidade exponencial, com a aplicação de penas manifestamente desadequadas e excessivas, afastadas dos limites consentidos pela culpa.
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E afastamo-nos de critérios ou regras formais em favor de princípios de justiça material que não poderão deixar de conformar o Direito Penal moderno dos Estados civilizados, como o nosso.
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Pelo exposto, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, decidindo como decidiu, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto nos arts. 69.º, n. ° 1, 77.º e 78.º, todos do Código Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple o teor das alegações expendidas e conclusões apresentadas, assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA.
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Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 128 e seguintes, no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º1, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação 1.
Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, atento o teor das conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se deve ser efectuado cúmulo jurídico das duas penas acessórias de proibição de conduzir aplicadas ao abrigo do disposto no artigo 69.º do Código Penal.
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Da sentença recorrida Diz-se na sentença recorrida (transcrição parcial): «(…) Nos termos do artigo 77.º n.º 1, do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Ou seja, há que proceder ao cúmulo jurídico se o crime de que só agora se tenha tomado conhecimento haja sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em atenção, para efeito da pena conjunta, se dele se tivesse conhecimento. O momento decisivo da questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida e em que o tribunal poderia ter condenado numa pena conjunta não o do seu trânsito.
Segundo o n.º 2 do mesmo preceito legal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Ora, no caso vertente, constata-se que existe uma situação de concurso jurídico entre a pena aplicada neste processo e a pena aplicada ao arguido no processo sumário n.º 441/08.5GAMLD, do Tribunal Judicial da Mealhada, pois os crimes por cuja autoria o arguido foi julgado e condenado nesses processos foram todos praticados antes que transitasse em julgado a condenação por qualquer deles.
Com efeito, os factos por que o arguido foi condenado no referido processo sumário n.º 441/08.5GAMLD (ocorridos em 16.07.08) são anteriores à condenação proferida no âmbito destes autos, a qual também condenou o arguido por factos ocorridos em 30.07.08.
Assim, haverá que proceder ao cúmulo jurídico de das penas parcelares em que o arguido foi condenado nesses processos.
Na determinação da pena única a aplicar...
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