Acórdão nº 955/08.7TBLSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelJOSÉ FERRAZ
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO - LIVRO 809 - FLS 175.

Área Temática: .

Sumário: I – O direito de regresso concedido ao segurador pelo art. 19º, al. c) do DL nº 522/85, de 31.12 (com tendencial correspondência no vigente art. 27º, nº1, al. c) do DL nº 291/07, de 21.08), quando o condutor lesante age sob o efeito do álcool, demanda a prova, por aquela, da relação de causalidade.

II – Não provada essa relação de causalidade, após sujeição a prova, não é legítimo extraí-la, por presunção de outros factos.

III – Nem seria bastante para afirmar essa causalidade apenas o facto do lesante conduzir com 0,72 g/l no sangue Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1) – B………. – COMPANHIA DE SEGUROS. S.A., instaurou acção de condenação contra C………., residente no ………., ………., Penafiel, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 6.875,95, acrescida dos juros vencidos de € 623,17 e dos vincendos, à taxa legal.

Alega que, em consequência de acidente de viação, cuja responsabilidade coube exclusivamente ao réu, condutor do veículo ..-..-DC, teve de indemnizar os lesados, por a responsabilidade pela reparação dos danos causados a terceiros com a circulação do DC estar a coberto de contrato de seguro celebrado entre a autora e o réu e este conduzir sob a influência do álcool determinante do acidente.

O Réu contestou, apresentando, parcialmente, uma diferente versão do acidente descrito pela autora, que o outro veículo interveniente no acidente circulava a velocidade excessiva, a que ficou a dever-se o acidente.

Proferido despacho saneador e dispensada a fixação da base instrutória, teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

Decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o réu do pedido.

2) – Inconformada com a sentença, recorre a autora.

Alegando, formula as doutas conclusões que se seguem: “1. Como se alcança da leitura da douta sentença, o ora Recorrido conduzia sob a influência do álcool, porquanto à data do acidente era portador de uma TAS de 0,72 g/litro no sangue; 2. Ao que acrescem as demais circunstâncias, provadas nos autos, em que ocorreu o acidente de viação, acidente este causa primeira da obrigação de indemnizar da aqui Recorrente e também causa do direito de regresso que a mesma legitimamente veio exercer; 3. Além de ter ficado provado que o ora Recorrido foi culpado na produção do acidente, ficou igualmente provado, nomeadamente, que aquele tinha as suas capacidades de concentração e destreza afectadas e diminuídas pelo álcool que ingerira antes do acidente; 4. O acidente de viação ocorreu sem qualquer outra causa exterior que não a do Réu conduzir sob a influência do álcool; 5. Resta saber se, face à factualidade provada, a aqui Recorrente tem ou não direito de regresso; 6. Salvo o devido respeito por melhor opinião, atentas as circunstâncias em que ocorreu o presente sinistro, tal não se poderá dissociar da TAS de 0,72 g/litro no sangue de que o Recorrido era portador; 7. Com efeito, atentas as circunstâncias em que ocorreu o acidente, e tendo presente que o mesmo ocorreu estando o R. sob a influência de álcool no sangue e por isso, como também ficou provado em audiência de julgamento tinha, naquela data, as suas capacidades de concentração, destreza afectadas pelo álcool que havia ingerido antes do acidente e que tais bebidas alcoólicas lhe diminuíram as capacidades para conduzir, não atribuir esta factualidade a qualidade de causa do acidente em questão, é no mínimo um raciocínio irreflectido.

  1. Os factos dados como provados, têm de ser apreciados numa perspectiva dinâmica, de forma a serem ligados com a coerência necessária e assim poderem ser subsumidos ao direito aplicável; 9. Ora, atentas as circunstâncias em que ocorreu o acidente e as próprias características do local, nomeadamente, local de boa visibilidade e onde o piso além de se encontrar em bom estado de conservação, estava seco, e sabendo o Tribunal “a quo” que o R. conduzia com as capacidades necessárias à condução manifestamente afectadas e diminuídas, dada a taxa de alcoolémia de que era portador, deveria ter considerado que, nestas circunstâncias, agindo o condutor sob a influência de álcool no sangue, o acidente acima descrito foi causado, senão exclusivamente, pelo menos em parte pelo álcool.

  2. Perante toda a factualidade provada, e como se extraí da leitura da sentença, nenhuma outra causa exterior provocou o comportamento altamente imprudente e irreflectido do Recorrido, escamotear desta realidade a TAS de que o Recorrido era portador, é na realidade fazer letra morta da Lei respeitante a esta matéria; 11. O que a ser assim, pode-se afirmar que não há acidente de viação que tenha como causa a influência do álcool no sangue uma vez que, sistemática e reiteradamente, a distracção, o cansaço ou o descuido aparecem como causas justificativas; 12. A exigência da prova do nexo causal e o comportamento culposo do condutor só poderá ser satisfeita através da consideração de que é altíssima a probabilidade de ocorrência de certos riscos decorrentes da condução sob os efeitos de uma taxa de alcoolémia elevada, como é o caso dos autos para, a partir daí, se presumir a existência daquele nexo casal; 13. De outro modo é de todo impossível essa prova, pois não há maneira de averiguar, factualmente, se o comportamento seria outro caso o condutor estivesse sóbrio; 14. A prova do nexo constitui verdadeiramente uma “prova diabólica”; 15. Veio o Ac. do S.T.J., de 4 de Novembro de 2004 (Revista nº3456-04-2), esclarecer que para o cumprimento do dever de provar a causalidade adequada, bastará “…a demonstração de que o álcool, no caso de acidente com culpa do condutor, afectou as suas capacidades de condução”; 16. A Recorrente cumpriu o ónus de prova que lhe cabia (e que lhe é humanamente possível provar) de que o Recorrido, portador de uma taxa de alcoolémia de 0,72 g/litro no sangue, à data do acidente, tinhas as suas capacidades para conduzir afectadas e diminuídas; 17. Ora, ao não ser este o juízo de valor presente na Douta Sentença, o Tribunal “a quo” literalmente não deu qualquer relevância à prova produzida não só sobre a taxa de alcoolémia de 0,72 g/litro de que o Recorrido era portador e, mais grave, ao facto de ter ficado provado que com esta TAS o R. tinha as capacidades fundamentais para a condução, afectadas e diminuídas; 18. Assim, a Recorrente, de acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência sobre esta matéria, cumpriu o ónus da prova que lhe competia e carreou para os autos todos os elementos possíveis e necessários à prova da efectiva influência do álcool na produção do acidente; 19. Acresce que, a jurisprudência uniformizada não possui eficácia vinculativa, fora do caso concreto, apenas estabelecendo um precedente judicial qualificado, de natureza meramente persuasória; 20. Por outro lado, a questão de ser ou não necessária a prova do nexo de causalidade entre a verificação do acidente e a condução sob a influência de álcool no sangue, nunca foi de entendimento pacífico na nossa Jurisprudência, pelo que houve a necessidade e urgência em vir clarificar e interpretar a norma constante do art. 19º, al. c) do Decreto-Lei nº522/85, de 31 de Dezembro; 21. Assim, face à redacção da al. c) do nº1 do art. 27º do actual Decreto-Lei nº291/2007, de 21 de Agosto, que revogou o aludido D.L. nº522/85, para que a seguradora tenha direito de regresso apenas se exige que o condutor tenha dado causa ao acidente e que conduza com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente...

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