Acórdão nº 265/06.4TBGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Legislação Nacional: ARTIGOS 483.º, N.º 1; 562.º; 563.º. 799.9, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL Sumário: 1. É de natureza contratual a responsabilidade civil de advogado, derivada do incumprimento do mandato judicial; 2. Incumpre o mandato judicial o advogado que, assumindo o encargo de patrocinar o cliente em processo de reclamação de créditos, não apresenta alegações relativamente a recurso que interpôs da sentença que julgou a reclamação improcedente, não obstante esta não ter sido contestada; 3. Na responsabilidade contratual, há culpa presumida do incumpridor; 4. Os pressupostos da responsabilidade contratual não diferem dos da responsabilidade extracontratual.

  1. O dano resultante da perda culposa de acção judicial, por culpa do mandatário, corresponde ao ganho que o mandante presumivelmente teria na acção.

  2. Não havendo elementos para quantificar o dano, haverá que relegar o seu apuramento para posterior liquidação Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A...., B...., C...., D...., E...., F...., G...., H...., I....e J...., desempregadas, as sete primeiras e a décima residentes em …., a oitava em ….., …., e a nona em …., …, intentaram acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra K...., …, com domicílio profissional na Rua ….., e contra L...., com sede em ….., alegando, em resumo, que: Eram trabalhadoras da Empresa M...., que foi declarada falida em processo que corre seus termos no Tribunal Judicial de Gouveia (processo n.º 108/2000).

    O réu é advogado e presta serviços de consultoria jurídica no ….., no qual estavam filiadas.

    Por assim ser, constituíram o réu seu mandatário, com vista à dedução de reclamação de créditos no referido processo, o que ele fez.

    Os seus créditos, no montante global de € 129.529,90, e, bem assim, os de outros trabalhadores, não vieram a ser reconhecidos na sentença proferida.

    Os restantes trabalhadores, patrocinados por outro ilustre causídico, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra e obtiveram ganho de causa.

    Também o réu interpôs recurso, mas não apresentou alegações, não obstante as instruções das autoras nesse sentido, pelo que o recurso foi julgado deserto e aquelas viram, em definitivo, gorada a possibilidade de receber os respectivos créditos.

    Tal situação criou nelas frustração, angústia e depressões nervosas sérias, que se repercutem na sua vida e na sua saúde.

    A ré garantiu o pagamento do valor dos danos derivados do exercício da profissão de advogado, até ao limite de, pelo menos, € 100.000,00, mediante contrato de seguro de grupo oportunamente celebrado.

    Sob a invocação de violação, pelo réu, dos seus deveres profissionais, pediram a condenação de ambos réus no pagamento das importâncias de € 129.529,90 e de € 20.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

    O réu contestou, sustentando, em síntese, não se verificar o dever de indemnizar, porque as autoras não eram trabalhadoras da M...., mas sim de duas outras empresas, contra as quais, de resto, apresentaram reclamação de créditos.

    A decisão de não apresentar alegações de recurso na reclamação deduzida contra M…. foi tomada de forma consciente, para evitar a condenação das ora autoras por litigância de má fé, as quais, aliás, nem sequer lhe deram instruções para recorrer.

    Como quer que seja, as autoras não sofreram os danos que alegam.

    Concluiu pela sua absolvição do pedido e pela condenação das autoras em multa e indemnização, por litigarem de má fé, já que omitiram informação essencial ao Tribunal.

    A ré seguradora contestou, também, dizendo que a apólice tem como limite de indemnização o capital de € 100.000,00 por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado, descontada a franquia de € 1.500,00, a cargo do segurado, que ignora os factos e que, de toda a maneira, as autoras não alegaram matéria que consubstancie os pressupostos da responsabilidade civil do réu pessoa singular.

    As autoras replicaram, reafirmando o entendimento plasmado na petição inicial e pedindo, ainda, a condenação do réu como litigante de má-fé.

    O réu respondeu à réplica para contraditar o pedido da sua condenação como litigante de má fé e para impugnar um documento junto com aquela peça.

    No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da instância.

    A selecção da matéria de facto não foi objecto de reclamação.

    Efectuado o julgamento e dadas as respostas aos pontos de facto da base instrutória, que não mereceram reparo, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

    Inconformadas, as autoras interpuseram recurso tendente à substituição da sentença por outra que condene os réus nos pedidos formulados, alegaram e formularam 29 conclusões, facilmente redutíveis a, apenas, cinco: 1) O recorrido celebrou com as recorrentes um contrato de mandato forense com vista à dedução e acompanhamento de reclamação de créditos em processo de falência; 2) Na execução de tal contrato, estava obrigado a praticar todos os actos inerentes à tramitação dos processos, mormente o de alegar em recurso interposto, a menos que as mandantes o instruíssem em sentido contrário; 3) O réu interpôs recurso da decisão que não reconheceu os créditos das ora recorrentes, mas não alegou, apesar de não receber instruções nesse sentido; 4) Incumpriu, portanto, o contrato de mandato, com o que causou dano às recorrentes, que, por via disso, deixaram de ver reconhecidos os seus créditos, que, de resto, nem sequer haviam sido contestados, e de os receber; 5) Foram violados os artigos 36.º e 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, 799.º e 1161.º, alínea c), do Código Civil e 92.º, n.º 2 e 95.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados.

    Só a ré seguradora contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença apelada, sob a argumentação de que o contrato de mandato não foi incumprido, mas, antes, executado de acordo com o que é a autonomia técnica do advogado, que, no caso, entendeu que a sustentação do recurso faria incorrer as mandantes em litigância de má fé, uma vez que não eram trabalhadoras da falida e não detinham, por conseguinte, quaisquer créditos sobre a mesma.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    Presentes as conclusões da alegação das recorrentes, está em causa uma única questão: a de saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil profissional de advogado.

    1. São os seguintes os factos dados por provados na sentença apelada: 1. As autoras são filiadas no N....– alínea B) da matéria de facto assente.

  3. O réu é advogado e presta serviços de consultadoria jurídica no referido sindicato – alínea C) da matéria de facto assente.

  4. As autoras constituíram o réu seu mandatário judicial – alínea D) da matéria de facto assente.

  5. A ré é seguradora da apólice que se designa por DP/01018/06/X – alínea V) da matéria de facto assente.

  6. Nos termos da referida apólice a ré cobre a responsabilidade decorrente de actos ou omissões culposos no exercício da profissão de todos os advogados portugueses com inscrição válida e em vigor na Ordem dos Advogados – alínea X) da matéria de facto assente.

  7. A referida apólice teve o seu início de vigência em 1 de Janeiro de 2006 e vigora por 12 meses, renováveis, retroagindo a 1 de Janeiro de 2002 – alínea Z) da matéria de facto assente.

  8. E tem como limite de indemnização o capital de € 100.000,00, por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado, descontada a franquia de € 1.500,00 a cargo do segurado – alínea AA) da matéria de facto assente.

  9. No ano de 1996 foram constituídas duas empresas: a O....e a P...., a partir das secções de tinturaria, fiação e cardação da M.... – resposta ao ponto 14.º da base instrutória.

  10. Foi da O....que as autoras B...., D....e E....passaram a receber salários, recebendo e assinando os correspondentes recibos, a descontar para a segurança social e IRS; e, foi da P....que as autoras G...., F...., I…, A…, C…. e J… passaram a receber salários, recebendo e assinando os correspondentes recibos, a descontar para a Segurança Social e IRS (resposta ao ponto 18.º da base instrutória.

  11. As autoras passaram a estar integradas nos quadros de pessoal dessas empresas e deixaram de constar dos quadros de pessoal da M.... & M...., S.A. – resposta ao ponto 19.º da base instrutória.

  12. Quando faltavam, as autoras entregavam as justificações nessas empresas – resposta ao ponto 21.º da base instrutória.

  13. Foi por essas empresas que as autoras foram despedidas por cartas de 5 de Abril de 2002 – resposta ao ponto 22.º da base instrutória.

  14. Após o despedimento, as autoras entregaram na segurança social o modelo 346 (em que identificavam como entidade patronal as referidas O.... e P....) e as cartas de despedimento que tinham recebido – resposta ao ponto 23º da base instrutória.

  15. Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia um processo de falência sob o n.º 108/2000, no âmbito da qual foi declarada falida a sociedade comercial “Têxtil M...., S.A.” – alínea A) da matéria de facto assente.

  16. Na qualidade de advogado e mandatário das autoras, o réu subscreveu as reclamações de créditos de cada uma das autoras, no âmbito do processo referido em 14 e entregou-as no tribunal – alínea E) da matéria de facto assente.

  17. Os créditos reclamados pelas autoras são os seguintes: A.... – € 15.340,29; B….. – € 13.753,29; C.... – € 10.913,29; D.... – € 13.753,29; E.... – € 13.748,29; F.... – € 13.938,29; G.... – € 6.076,29; H…. – € 13.410,29; I....– € 13.410,29; J.... – € 15.726,29 – alínea U) da matéria de facto assente.

  18. No âmbito das acções que correram termos no Tribunal de Trabalho da Guarda e a que se reportam as certidões de fls. 332 a 391 dos autos, as autoras com excepção da autora G...., compareceram no dia da audiência de partes e foi decretada contra a O.... e contra a P.... a suspensão dos...

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