Acórdão nº 1389/04.8TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução01 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Legislação Nacional: ARTIGOS 334.º; 813.º; 1039, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL Sumário: 1. Em acção de despejo fundada na falta de pagamento da renda, cabe ao arrendatário a prova do pagamento; 2. A falta de pagamento da renda só determina a resolução do arrendamento se o arrendatário estiver em mora; 3. Se a renda dever ser paga no domicílio do arrendatário, o que sucede sempre que não seja estabelecido contratualmente outro local, presume-se, em caso de falta de pagamento, a mora do senhorio.

  1. A nulidade da sentença, ainda que não arguida, não obsta ao conhecimento de mérito pela Relação.

  2. Incorre em abuso do direito o senhorio que cria condições para a resolução do contrato de arrendamento e, depois, pede a resolução do contrato com base nas condições que criou.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A...., casada, residente ….. Viseu, intentou acção declarativa, com forma de processo sumário, contra B...., com sede na Rua Alexandre Herculano, n.º 83, Viseu, e contra Ramiro Duarte Carvalho, residente em …. Viseu, alegando, em resumo, que: Por escritura de partilhas por óbito de C...., com quem foi casada, foi-lhe adjudicado o usufruto vitalício da uma casa de habitação com rés do chão e 1.º andar, sita ……, Viseu, inscrita na matriz urbana sob o artigo 1213.

    Em data imprecisa de 1995, ao que supõe, o seu falecido marido, por contrato de arrendamento verbal, cedeu a utilização do rés-do-chão da dita casa à ré B...., mediante a renda mensal de 3.250$00, com a finalidade de aí ser instalado um posto de recepção de leite, renda que, no ano de 1996, era de 3.370$00.

    O locado está licenciado, apenas, para habitação, o que acarreta a nulidade do contrato de arrendamento, o mesmo sucedendo, aliás, com a circunstância de o contrato não ter sido celebrado por escrito; por outro lado, desde o óbito do seu finado marido, ocorrido em 06.03.1997, que a arrendatária não paga a renda estabelecida; acresce que não é visto no local movimento algum de pessoas ou veículos relacionados com a ré B...., nem conhecida qualquer actividade desta conexionada com o comércio de leite. De resto, é o réu D....que abre e fecha as portas do local, que é visto neste e que aí se movimenta como se fosse o titular do contrato de arrendamento, desconhecendo a autora qualquer cessão onerosa ou gratuita da posição da ré B...., até porque lhe não foi comunicada a cedência do gozo e, consequentemente, não deu autorização à cedência a quem quer que seja. O réu Ramiro deixa, por vezes, detritos e sujidade na propriedade da autora e, numa atitude de afrontamento, permite que dejectos das vacas conspurquem a entrada da sua habitação; para além disso, passou, com habitualidade, a deslocar-se ao local a horas tardias da noite, onde faz barulhos que incomodam a autora e perturbam o descanso de quem reside na habitação; perante tal, pressionou-o para entregar livre e devoluto o espaço ocupado e deu conta à CM de Viseu e às entidades sanitárias e económicas das condições de funcionamento da actividade desenvolvida no referido rés-do-chão, até porque constatou que, apesar do seu ex-marido ter falecido em 1997, alguém, abusando do nome dele, tentou legalizar o espaço para tal actividade posteriormente ao óbito, vindo o Ministério da Agricultura a encerrar o local como posto de recepção de leite; não obstante, o réu Ramiro continua a deslocar-se ao local e a manter em funcionamento uma máquina que é fonte de barulhos e incómodos para a autora.

    Um espaço idêntico ao ocupado é susceptível de proporcionar uma renda mensal de € 50,00, montante esse de que deve ser compensada pela ocupação que vem sendo feita desde, pelo menos, o início de 1997 até efectiva entrega.

    Concluiu pelo pedido de declaração de nulidade do contrato de arrendamento ou, subsidiariamente, pelo da sua resolução, sempre com a correspectiva condenação dos réus na entrega do espaço, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como pelo pedido de condenação solidária dos réus no pagamento de uma importância mensal de € 50,00, desde 1997 e até efectiva entrega do espaço.

    Regularmente citados, os réus contestaram por excepção e por impugnação, tendo, ainda, a ré B.... deduzido pedido reconvencional.

    Excepcionando, sustentaram a ilegitimidade do réu Ramiro e da autora, aquele por não ter subscrito o contrato de arrendamento e esta por estar desacompanhada dos demais herdeiros de C...., tendo acrescentado, ainda, que a exigência de licença de utilização só entrou em vigor um ano depois da celebração do contrato em causa.

    Por impugnação, negaram alguns dos factos alegados pela autora e declararam ignorar, sem obrigação de conhecer, outros.

    Especificadamente, declarou o réu Ramiro que deposita leite no arrendado, na qualidade de produtor de leite, como outros produtores já o fizeram, que não conspurca o local, que a autora cortou o fornecimento de água como forma de inviabilizar a utilização do locado e que não ocorreu o seu encerramento, mas, tão-só, a suspensão do levantamento do leite, por acto culposo daquela.

    Disse, por sua vez, a ré B.... o seguinte: no arrendado está instalado um posto de recepção de leite, em virtude de contrato de arrendamento celebrado em 1 de Janeiro de 1991; as rendas mensais, sucessivamente actualizadas, sempre foram atempadamente pagas; é falso estar o local licenciado, apenas, para habitação; para instalação do posto de recepção de leite, foram feitos melhoramentos no locado, que descreve; depois da morte do marido da autora, por sugestão desta, foi acordado o pagamento semestral da renda, por forma a evitar transtornos do seu pagamento mensal, pelo que a alegada constituição em mora procede de culpa sua, uma vez que se recusou a receber a renda; a autora, unilateralmente, em 31 de Março de 2003, cortou o abastecimento de água, inutilizando o arrendado, contra o estipulado na cláusula oitava do contrato de arrendamento e apresentou uma queixa de salubridade que levou a Divisão de Intervenção Veterinária de Viseu a suspender o levantamento de leite até estar regularizado o abastecimento; a partir do corte da água, a autora recusou receber as rendas; mesmo depois da recusa da A. em receber as rendas, a ré continuou a proceder ao seu pagamento, mediante o respectivo depósito na CGD, para além de que efectuou o pagamento de todas as rendas em atraso nos termos e para os efeitos dos artigos 1041º e 1048º do Código Civil.

    Reconvindo, mas, apenas, para o caso de não serem julgadas procedentes as excepções deduzidas e improcedente a acção, alegou a ré B.... que levou a cabo no arrendado as obras necessárias ao normal desempenho da sua actividade, que orçaram em Esc. 1.617.000$00, e que, por causa do corte do abastecimento de água abusivamente levado a cabo pela autora, que provocou a suspensão do depósito e recolha de leite no arrendado, se viu obrigada a proceder à recolha de leite noutro local, distante mais de 15Km daquele, desde 1 de Abril de 2003, calculando em € 12.750,00 os prejuízos advenientes das deslocações diárias e das distâncias percorridas.

    Terminaram pela procedência das excepções deduzidas e pela improcedência da acção.

    Para o caso de assim se não entender, pugnou a ré B.... pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação da autora no pagamento da importância de € 20.815,56, acrescida de juros comerciais moratórios vencidos e vincendos à taxa legal.

    A autora apresentou articulado de resposta, onde rebateu as excepções deduzidas e impugnou os factos alegados em sede de reconvenção, cuja improcedência peticionou.

    Admitido o pedido reconvencional e ordenada a conversão da forma processual de sumária para ordinária, por via do novo valor da acção, foi convocada audiência preliminar, que não surtiu efeitos práticos, mormente em termos de conciliação.

    Na data designada para a audiência, foi apresentado pela ré B.... articulado superveniente, onde alegou que, depois de notificada para a diligência, a autora vedou o acesso ao locado, fechando à chave o respectivo portão, sendo que no interior daquele funciona em permanência equipamento de refrigeração, propriedade da ré, o qual tem de ser vigiado permanentemente e carece de manutenção, sob pena de irreparáveis danos para o mesmo, cujo custo, em novo, foi de € 2.500,00, acrescentando, ainda, que a suspensão da recolha de leite apenas aconteceu por acto culposo da autora, por ter efectuado unilateralmente o corte de água, tanto mais que a licença sanitária tem validade até 31 de Dezembro de 2004.

    Retorquiu a autora, dizendo que não realizou qualquer acto que impedisse o acessos ao locado e que o equipamento de refrigeração só teria de funcionar se houvesse leite, o que não acontece, pelo que o funcionamento do equipamento se destina, unicamente, a provocar barulhos que se repercutem na sua habitação dia e noite e perturbam o seu normal descanso; quanto ao corte da água, contrapôs que o mesmo já havia sido alegado, não havendo, por conseguinte, nesta parte, superveniência que justifique a repetição, tudo sem prejuízo de não terem sido observados os prazos do artigo 506º, n.º 3, do C.P.C.

    Subsequentemente, foi elaborado despacho de saneamento e selecção da matéria de facto, onde foram apreciadas as excepções de ilegitimidade activa e passiva suscitadas – improcedendo a primeira e procedendo a segunda, com a consequente absolvição do réu Ramiro da instância –, declaradas, no mais, a validade e a regularidade da lide e fixadas, sem reclamação, a matéria de facto assente e a que constitui a base instrutória.

    No início da audiência de julgamento, foi apresentado outro articulado superveniente, agora por parte da autora, que alegou estar o local encerrado há mais de um ano e requereu a resolução do contrato de arrendamento com base nessa circunstância.

    Depois da resposta da ré, que afirmou dever-se o encerramento a acto da autora, ou seja, ao corte do abastecimento de água, foi o articulado admitido e a selecção da matéria de facto...

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