Acórdão nº 1293/08.0TBPFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução29 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 325 - FLS 225.

Área Temática: .

Sumário: I - Os tribunais de trabalho, face ao disposto no art. 85°, c) da L.O.F.T.J., têm competência abstracta para conhecer das acções deduzidas por trabalhador (ou, em caso de morte deste, pelos seus familiares) contra entidade patronal (ou representante desta), a fim de obter indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais ligados por nexo de causalidade adequada a acidente de trabalho quando este tenha sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultante de falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

II - Na apreciação da competência concreta do tribunal para determinada causa concreta relevam os termos em que a acção foi proposta – o seu pedido e causa de pedir.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIO Recorrentes: B………. e C………..

Recorridos: D………. e esposa, E………., e F………., Ldª.

Tribunal Judicial de Paredes – .º Juízo Cível.

*Intentaram as recorrentes (a primeira em seu nome e em representação da segunda, sua filha menor) acção declarativa sob a forma de processo ordinário alegando como fundamento da sua pretensão de tutela jurisdicional que o seu marido e pai, respectivamente, foi desde o ano de 1991 e até à data da morte, em 29/09/2005, trabalhador da ré sociedade, desempenhando as tarefas correspondentes à sua categoria de encarregado geral, segundo as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal (a segunda ré, de que são sócios gerentes e legais representantes os primeiros réus), auferindo, à data de Setembro de 2005, a remuneração média mensal de 1.250,00€, sempre desempenhado as suas funções com zelo, empenho, assiduidade e diligência. Descrevem depois as autoras evento do qual viria a resultar para o seu marido e pai lesões que, directa e adequadamente, lhe causaram a morte, evento ocorrido quando desempenhava a sua actividade profissional, por conta e ordem da sua entidade patronal, nas instalações fabris desta e no seu horário de trabalho, cuja ocorrência imputam à preterição, por parte da entidade patronal e seus legais representantes, de normas regulamentares relativas à segurança no trabalho – a operação a que o seu marido e pai procedia (manutenção e limpeza de um silo) não obedecia a qualquer plano de segurança prévio, não tendo os réus identificado os sérios riscos da operação, não dotando o trabalhador de equipamento de protecção individual adequado (uso de máscara, capacete, luvas, cintos, óculos de segurança, cordas, aparelho medidor de concentração de gases e botija de oxigénio ou mecanismo de ventilação forçada) e não implementando os meios de protecção colectiva (designadamente, escadas fixas como guarda corpos e protecção lateral impeditiva de queda em altura). Continuam alegando que o evento descrito não constitui apenas um acidente de trabalho, pois tem a agravante resultante da sua causa se ter ficado a dever à violação grosseira das mais elementares regras da segurança no trabalho, violando os réus o previsto no DL 50/2005, de 25/02 e arts. 295º e ss. do C.T., enquadrando o comportamento crime punível pelo art. 152º, nºs 4 e 5 do C.P.. Alegam depois as autoras os danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos e ligados ao evento por nexo de causalidade adequada.

Com estes fundamentos pedem a condenação da ré[1] a pagar-lhes indemnizações que quantificam (à recorrente B………., a quantia de 219.200,00€ - duzentos e dezanove mil e duzentos euros - a título de indemnização por danos morais e materiais; à recorrente C………., a quantia de 113.300,00€ - cento e treze mil e trezentos euros - a título de indemnização por danos morais e materiais; a ambas as recorrentes, a título de danos morais pela perda do direito à vida e das dores sofridas pelo seu marido e pai, a quantia de 70.000,00€ - setenta mil euros -, quantias estas acrescidas de juros à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Contestaram os réus, invocando a incompetência material do tribunal, alegando para tanto que traduzindo-se a causa de pedir invocada num acidente de trabalho, a competência para a apreciação e decisão da causa é dos tribunais de trabalho, face ao disposto na L.O.F.T.J. (art. 85º, c) da Lei 3/99, de 13/01), sendo certo que a Lei dos Acidentes de Trabalho prevê os casos de especial reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho resultante de culpa da entidade patronal ou dos seus legais representantes ou mesmo da falta de observância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho.

Replicaram as autoras, defendendo a improcedência da invocada excepção, alegando que a pretensão deduzida assenta na responsabilidade civil aquiliana, não se circunscrevendo a causa de pedir alegada ao acidente de trabalho, já que abrange a responsabilidade civil fundada na prática, pelos réus, de facto ilícito que as autoras entendem ser merecedor de censura criminal.

Terminados os articulados, a Mmª. Juiz a quo julgou procedente a arguida excepção de incompetência material do tribunal judicial da comarca de Paredes e, em consequência, absolveu os réus da instância, por entender serem ‘os tribunais de trabalho os competentes, em razão da matéria, para conhecer da indemnização por danos que sejam consequência de acidente de trabalho devido a culpa da entidade patronal ou seu representante, ou que resultem da falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho’.

Não se conformando com tal decisão, dela interpuseram recurso as autoras, pugnando pelo prosseguimento dos autos, terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- A sentença que julgou verificada a excepção de incompetência material do Tribunal Judicial de Paredes e absolveu os réus da instância é recorrível; 2ª- Entendem as recorrentes que a sentença recorrida fez incorrecta aplicação e interpretação das regras previstas nos artigos 18º, nº 2 da Lei 100/97 e artigos 483º e 562º, ambos do C.C.; 3ª- A causa de pedir da acção que as recorrentes fizeram distribuir assenta na responsabilidade civil extracontratual, que impende sobre a entidade patronal e seus gerentes, porque responsáveis pela prática de um acto ilícito, que devia merecer censura criminal, tendo apenas merecido censura a nível de contra-ordenacional; 4ª- Esta seria uma acção que, por força do princípio da adesão, deveria correr junta com o procedimento criminal e que por força do despacho de arquivamento corre em separado; 5ª- A faculdade das autoras recorrerem aos tribunais cíveis, da forma como o fizeram, encontra-se expressamente prevista no nº 2 do art. 18º do citado diploma; 6ª- Interpretar esta regra de outra forma seria esvaziar a sua aplicabilidade e o seu efeito útil; 7ª- Ao contrário do que se encontra vertido na sentença recorrida, a acção de indemnização pelos danos quantificados pelas autoras, decorrentes de acidente de trabalho provocado pela violação de regras de segurança, não se encontra especialmente prevista na Lei dos Acidentes de Trabalho, antes configura, nos termos do disposto nos artigos 483º e 562º do C.C., uma vulgar acção de responsabilidade aquiliana; 8ª- Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de Maio de 2008, publicado in www.dgsi.pt; 9ª- Não parece por isso às recorrentes que a competência para julgar esta acção caiba aos tribunais de trabalho nem sequer que esta prerrogativa caiba nas alíneas c) e o) do art. 85º da L.O.F.T.J.; 10ª- Com efeito, como já se deixou dito, a causa de pedir nesta acção não pode ser confundida ou caracterizada como acidente de trabalho; 11ª- Note-se que um acidente de viação pode, por exemplo, ser em si mesmo uma acção por responsabilidade aquiliana e um processo especial por acidente de trabalho; 12ª- Bem assim um acidente mortal ocorrido num local de trabalho, por originar por originar procedimento criminal e um processo especial de acidente de trabalho; 13ª- O tribunal de trabalho da mesma forma que não tem competência para conhecer dos crimes de violação de regras de segurança, também não terá para conhecer da acção de indemnização em que a causa de pedir é o facto ilícito resultante da violação daquelas regras; 14ª- E nem se diga que na alínea o) do invocado artigo 85º da L.O.F.T.J. se estabelece a competência para o caso dos autos, dado que, para que isso ocorresse, haveria necessidade do pedido da presente estar cumulado com outro para o qual o tribunal fosse já directamente competente, o que não é manifestamente o caso.

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

*Objecto do recurso A questão a decidir (atenta a delimitação decorrente das conclusões das alegações apresentadas pelas recorrentes - artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do C.P.C.) consiste na determinação do tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da causa – pretensão indemnizatória por danos patrimoniais e não patrimoniais cuja invocada causa radica em acidente de trabalho que vitimou mortalmente o marido e pai das autoras e que estas alegam ter-se ficado a dever a actuação negligente (e por isso susceptível de configurar crime) da entidade patronal e seus legais representantes (os demandados), por falta de observância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* FUNDAMENTAÇÃOFundamentação de facto 1º- As autoras intentaram no Tribunal Judicial de Paredes[2] acção ordinária alegando (no que à economia do presente recurso importa): - a primeira autora era casada, em primeiras núpcias de ambos, com G………., sendo a segunda autora, nascida em 13/01/2001, filha de ambos, - o G………. faleceu no dia 29/09/2005, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, sucedendo-lhe as autoras como únicas e universais herdeiras, - o G………. foi, até ao dia 29/09/2005, trabalhador por conta da segunda ré, tendo sido...

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