Acórdão nº 5706/08.3TAVNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução29 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: ANULADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 385 - FLS 10.

Área Temática: .

Sumário: Nos casos de suspensão provisória do processo, o juiz de instrução não avalia os indícios do inquérito com vista a apurar a intensidade do grau de culpa e a conformidade das injunções e deveres de conduta determinados pelo Ministério Público – apenas intervém para verificar se há questões que contendem com direitos fundamentais do arguido.

Reclamações: Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 5706/08.3TAVNG-A.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 9 de Setembro de 2009, o seguinte Acórdão I - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal singular) n.º 5706/08.3TAVNG-A, do ..º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal da Comarca da Maia, em que é arguido B………., o Ministério Público, findo o inquérito, decidiu-se pela suspensão provisória do processo nos seguintes termos [fls. 113-115]: «I – Do inquérito resultaram indiciados os seguintes factos: O arguido B………. no sai 14 de Janeiro de 2008, na qualidade de vendedor da firma ofendida “C………., Lda.” entregou uma viatura a um cliente, que tinha consigo celebrado um contrato de compra e venda de viatura, em contrapartida recebeu dele, além de uma retoma e um cheque no valor de 40.000€, a quantia em dinheiro de 12.800€. Estes valores eram destinados à firma ofendida e correspondiam ai preço da viatura vendida.

O arguido estava obrigado a entregar aquela quantia em dinheiro à firma ofendida e não o fez, tendo-se apropriado da mesma e gasto em proveito próprio.

Em Fevereiro de 2008 o arguido, após muita insistência por parte da ofendida e após processo disciplinar, com despedimento, acabou por entregar o dinheiro em falta à sua legítima dona, a ofendida "C………., Lda". Actualmente encontra-se pois totalmente liquidada a quantia em falta.

O arguido sabia que actuava sem autorização e contra a vontade da sua legítima dona, a firma "C………., Lda".

Agiu voluntária e conscientemente com o conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por Lei, Pelo exposto, constituiu-se o arguido autor material na prática de um crime de Abuso de Confiança previsto e punido pelo art. 205º, n.º 1 e n.º 4 do Código Penal.

O arguido tem antecedentes criminais mas nunca foi julgado nem condenado por crimes da mesma natureza do dos autos e nunca lhe foi aplicado o instituto, da suspensão Provisória do Processo, conformo se pode constatar do print do SIMP junto aos autos.

O crime indiciado é punível com pena de prisão até cinco anos ou, multa até 600 dias.

A culpa não é elevada e apesar de o facto praticado ser censurável, o certo é que a conduta quotidiana do mesmo arguido é conforme o direito e às regras de convivência social, e já ressarciu a ofendida.

Antevê-se assim que as exigências de prevenção no caso concreto serão garantidas tão-somente pela aplicação de uma injunção, sendo pertinente a aplicação do Instituto da suspensão provisória do processo pelo prazo de 4 meses.

A injunção adequada, atenta a condição sócio-económica do arguido e uma vez que se desconhece qualquer actividade, será o pagamento da quantia de 250€, à Instituição de solidariedade social “D………." pelo que assim, se colmatará as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, ou seja, conseguir-se-á a plena integração do arguido na sociedade e a manutenção da confiança na comunidade e vigência da norma infringida, evitando-se, além disso, a futura prática de crimes similares.

Por tudo o exposto, entendeu o Ministério Público ser oportuno optar pela decisão da suspensão provisória do processo, prevista no art. 281º e 282º do Código de Processo Penal.

Deste modo, propôs-se ao arguido a sua anuência relativamente a esta suspensão, acompanhada pelas sobreditas injunções, com as quais aceitou (cfr. fls. 90 e 98).

Conclua uma vez mais os autos à Mmª JIC com vista a obter a sua concordância.

(…)» 2. A Exma. Juíza de instrução proferiu, então, o seguinte despacho de não concordância com a suspensão provisória do processo [fls. 120-125]: «A Digna Magistrada do Ministério Público com os fundamentos constantes de fls. 113 e ss decidiu-se pela suspensão provisória do processo quanto ao arguido B………. e pró factos que consubstanciam a prática pelo arguido de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo art.º 205.º, n.º 1 e 4, al. A), punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

* Cumpre apreciar e decidir.

Do instituto da suspensão provisória do processo Dispõe o art. 281° do Código do Processo Penal que: 1 - Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguintes pressupostos: a) Concordância do arguido e do assistente; b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza; d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento; e) Ausência de um grau de culpa elevado; e e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.

* Analisado o supra referido regime legal, constata-se que possibilidade de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo depende da verificação, cumulativa, dos requisitos previstos no art. 281.°, n.° 1, do Código de Processo Penal: - O crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão; - Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; - Não haver lugar a medida de segurança de internamento; - Ausência de um grau de culpa elevado; - Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; - Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir; - Concordância do arguido e do assistente; - Concordância do Juiz de Instrução.

Uma vez verificados os referidos pressupostos, podem ser oponíveis ao arguido as injunções e regras de conduta previstas no art. 281.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.

Constitui a suspensão provisória do processo uma figura mitigada ou próxima do princípio da oportunidade, estando subjacente à ideia de flexibilidade da perseguição penal estadual quando esteja em causa uma criminalidade menor que fazem com que não se sinta ou exija, tanto do ponto de vista da prevenção geral como especial, a aplicação de uma pena ao arguido (cfr., neste sentido, Peter Hunerfeld, A Pequena Criminalidade e o Processo Penal, Revista de Direito e Economia, ano IV, n.° 1, Janeiro/Junho 1978 e Mário Torres, O Princípio da Oportunidade no Exercício da Acção Penal, Revista do Ministério Público, Jornadas de Processo Penal, cadernos 2).

É sabido que o instituto da suspensão provisória do processo, previsto nos art.s 281º e 282° do Código de Processo Penal, é uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual e da “oportunidade”, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal.

Sempre que possível, deve evitar-se sujeitar o arguido a julgamento, pelo facto de o mesmo poder ter efeitos socialmente estigmatizantes, não obstante a presunção de inocência de que beneficia no julgamento, nos termos do disposto no art. 32°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, a eventual aplicação de uma pena de prisão pode ainda ter efeitos criminógenos e, por isso mesmo, contrários aos que se pretende atingir — interiorização do desvalor da conduta e subsequente preparação para a ressocialização.

Há ainda que ponderar a importância deste instituto, pelo papel que desempenha na pacificação social, privilegiando soluções de consenso em detrimento de um aprofundamento da conflituosidade social, sem que simultaneamente a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas seja abalada ou sem que os bens jurídicos - penais deixem de ser tutelados.

Nos termos supra enunciados, é da competência do M°P°, oficiosamente, ou a requerimento da vítima, desencadear os mecanismos necessários à aplicação do Instituto de suspensão provisória do processo, cabendo ao Juiz de instrução, ‘fiscalizar o juízo de oportunidade e a adequação da iniciativa protagonizada pelo M° P°, devendo a sua posição ter como referência valorações político-criminais substantivas que lhe impõem a obediência a critérios objectivos que permitam obter a solução mais justa e apropriada ao caso concreto” (Fernando Pinto Torrão, in “A relevância Político Criminal da Suspensão Provisória do Processo”, pág. 276). Apesar do instituto da suspensão provisória do processo assentar no principio da oportunidade, impõe-se que se tenha presente um dos princípios basilares do direito penal – o da legalidade - daí que o principio da oportunidade não pode deixar de estar condicionado aos requisitos e pressupostos enunciados no art. 281° n.° 1 do C.P.P.

Também a concordância do Juiz não pode deixar de estar vinculada pelo princípio da legalidade, daí que a sua decisão deva obedecer aos requisitos exigidos por lei e o juiz indique e fundamente os motivos da sua não concordância.

* Como resulta dos autos, mormente da antecedente douta promoção, mostra-se claramente indiciada a prática pelo arguido B………. de factos que consubstanciam a prática pelo arguido de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo art° 205°, n° 1 e 4°, al. a), punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

O referido tipo legal de crime é punível, em abstracto, com pena prisão até 5 anos ou multa até...

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