Acórdão nº 15273/02.6TDLSB.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelCOELHO VIEIRA
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: ALTERADA A INCRIMINAÇÃO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 388 - FLS. 267.

Área Temática: .

Sumário: I- O conceito juspenal de ‘funcionário’, não abrange o funcionário bancário.

II- Inexiste qualquer relação de consumpção entre a burla informática e a falsificação: crimes distintos na sua materialidade, dependem de actos de vontade igualmente distintos.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo Nº 15273/02.6TDLSB.

Círculo Judicial de Vila Real - 2º Juízo Vila Real.

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Em processo comum e com intervenção de Tribunal Colectivo, o M. Público junto do T. J. de Vila Real acusou: B……….., nascida a 15 de Dezembro de 1969 em ….., Vila Real, titular do b. i. nº 9343…., filha de C……….. e D……………, residente na Rua ……….. nº…, 1º Esq. – Vila Real, por factos susceptíveis de integrarem, em co-autoria material, em concurso efectivo, de um crime de furto qualificado p. e p. nas disposições conjugadas dos Artºs. 203º nº 1 e 204º nº 2 al. a) do Código Penal, e de quatro crimes de falsificação de documento p. e p. no Art. 256º nº 1 al. a) do mesmo diploma.

1.2 – O assistente/lesado E………….. (Portugal) S. A. deduziu pedido cível a fls. 772 contra a arguida peticionando o pagamento de €525.295, 34 acrescido de juros de mora vencidos desde a queixa, no montante de €104.310,70, bem como os vincendos.

O Lesado F……….. deduziu pedido cível a fls. 795 no montante de €17.684,56, bem como indemnização pelo dano moral não especificado.

1.3 - A arguida apresentou contestação escrita a fls. 919 e 920, oferecendo o merecimento dos autos na parte crime e impugnando o montante peticionado no pedido cível.

Relativamente ainda ao pedido cível de F……………. invoca a falta de constituição de mandatário, por o advogado subscritor nãos e encontrar inscrito na Ordem dos Advogados.

1.4. - Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, há a questão do mandato do demandante cível a ser apreciado na análise jurídica, não havendo outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa (cfr. Artº 368º, nº 1, do C.P.P.).

XXXNa sequência da audiência de discussão e julgamento foi proferido ACÓRDÃO, dele constando o seguinte:- IV – Dispositivo.

Por todo o exposto, sem necessidade de mais considerações, o Tribunal Colectivo delibera

  1. Condenar a arguida B………….., pela prática, em autoria material e concurso real, de: - um crime de furto qualificado p. p pelo artº 203º, nº 1, 204º, nº 2, a), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - um crime de falsificação de documento, sob a forma continuada, p. p. pelos artº 30º, nº 1, 256º, nº 4, com referência ao artº 256º, nº 3 e 256º, nº 1, a), do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, considerando os factos e a personalidade da arguida, nos termos acima expendidos, condena-se a arguida na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

b) Absolver a arguida dos restantes crimes de que vinha acusada.

c) Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pelo E………….. (Portugal) S. A. e condenar a demandada/arguida a pagar a quantia de €525.295,34 (quinhentos e vinte e cinco mil duzentos e noventa e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora cíveis sobre tal montante contados desde a notificação do pedido até integral pagamento.

d) Julgar improcedente o remanescente do pedido cível deduzido pelo E………… (Portugal) S. A. e dele absolver a demandanda.

e) Absolver da instância a demandada do pedido deduzido pelo demandante F....................

f) Condenar a arguida em 8 (oito) UCs de taxa de justiça e nas custas do processo, procuradoria, bem como na quantia equivalente a 1% (um) por cento da taxa de justiça, nos termos do artº 13º, nº 3, do D. Lei 423/91, de 30 de Outubro.

Custas cíveis do pedido cível deduzido pelo E…………. (Portugal) S. A. por este e pela demandada na proporção do vencimento e decaimento.

Boletim à D. S. I. C..

Notifique e deposite nos termos dos artºs. 372º, nºs. 4 e 5 e 373º, nº 2, do C.P.P..

Vila Real, 19.11.08.

XXXInconformados com o decidido, vieram interpor recurso:- - O Digno Magistrado do MP; - A arguida, B…………...

Ambos os recursos vêm motivados, deles constando as conclusões da motivação, as quais não se transcrevem integralmente, sem que tal, todavia, as desvirtue.

Assim:- CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO DO MP:- 1 – O conceito de funcionário para efeitos penais está estabelecido no art. 386º, do C. Penal.

2 – Sendo a arguida empregada duma instituição bancária privada que no exercício destas funções procede a falsificações de documentos não pode ser considerada funcionária para efeito da lei penal, maxime, a previsão do nº 4 do art. 256º, do C. Penal.

3 – O Tribunal “a quo”, ao ter condenado a arguida pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 4, com referência ao art. 256º, nº 3 e 256º, nº 1, al. a), todos do C. Penal, no pressuposto de que aquela era funcionária, errou, s.m.o., na aplicação do direito.

4 – Deverá, assim, ser alterada a qualificação jurídica referente ao crime de falsificação de documento cometido pela arguida e subsumi-la à previsão do art. 256º ns. 1, al. a) e 3, do CP, condenando-a por este crime.

5 – A pena referente a tal condenação deverá ser fixada em 2 anos de prisão que terá reflexos na pena única derivada do cúmulo jurídico com a outra pena parcelar, em que foi condenada, propondo-se a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

6 – Foram violados por erro de interpretação, os arts. 256º nº 4 e 386º, do C. Penal.

XXXCONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO DA ARGUIDA:- 1 – Do texto da decisão recorrida, da prova produzida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente que a arguida, pese embora ter praticado os crimes pelos quais foi condenada, deveria apenas ter sido condenada em pena de prisão de 3 anos e 6 meses pela prática do crime de furto qualificado, a qual deve ser suspensa por igual período de tempo.

2 – A condenação da arguida apenas pela prática de um crime de furto qualificado deve-se ao facto de no caso estarmos perante verdadeira consumpção, sendo certo que a norma que melhor protege o bem jurídico em causa é a do art. 204º, do C. Penal, a qual consome a norma exposta no art. 256º - falsificação de documento.

3 – A manter-se a condenação da arguida pela prática dos dois crimes, deve o Acórdão ser revogado na parte em que condenou a arguido pelo furto qualificado na pena de 4 anos de prisão, reduzindo-se a mesma à pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

4 – E a pena de 2 anos e seis meses de prisão pelo crime de falsificação deve ser reduzida à pena não superior a 1 ano e 3 meses de prisão.

5 – Devendo daí resultar uma pena única, em cúmulo jurídico que não ultrapasse 3 anos e 6 meses de prisão, com suspensão da execução da pena por igual período.

6 – Caso assim se não entenda, sempre a pena única objecto de condenação ( 5 anos ) deve ser suspensa na sua execução por igual período.

XXXO Digno Magistrado do MP veio responder ao recurso, defendendo a improcedência do mesmo, mas com a importante ressalva quanto à medida da pena no que respeita ao crime de falsificação e consequente reformulação do cúmulo jurídico, em consonância aliás com as posições defendidas acima, na sua posição de Recorrente.

XXXNesta Relação, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, por via do qual em suma, defende que conquanto se possa e deva entender que os factos se subsumem ao crime de burla informática ( em vez de furto ) do art. 221º, do C. Penal, inexiste no caso qualquer relação de consumpção, mas antes concurso real de crimes; no entanto pugna por condenação em pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, mas condicionada ao pagamento, pela arguida, da quantia de 100.000 euros, no prazo de 1 ano, como condição de suspensão.

Cumprido que se mostra o disposto no art. 417º nº 2, do CPP, verifica-se que a arguida veio responder, não se opondo à qualificação jurídica de factos por crime de burla informática e concordando com a posição do Ilustre PGA quanto à medida da pena de prisão e sua suspensão, mas divergindo quanto à condição proposta, alegando dificuldades sócio económicas.

XXXCOLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:- Do Acórdão recorrido consta a seguinte:- II - Fundamentação.

2.1. - Motivação de Facto.

2.1.1. - Factos provados 1) A arguida é funcionária bancária, tendo exercido funções na agência de Vila Real do E………….S.A. desde 1992 até, pelo menos, ao final de 2002.

2) Nessa sua qualidade foi-lhe confiada a gestão de uma carteira de clientes relativamente alargada, composta por várias dezenas de pessoas, entre as quais aquelas a que se reportam as fichas de assinaturas constantes do doc.1 de fls.245, pessoas estas que aqui se dão por identificadas.

3) Sucede que, como muitos desses clientes eram emigrantes e, em muitos casos, sem mais habilitações literárias do que as necessárias para escrever o próprio nome ou pouco mais, e como ao longo do tempo tivesse ganho a confiança de muitos deles, a certa altura, por volta do ano de 2000, a arguida, achando que aí poderia estar uma boa oportunidade para enriquecer à custa alheia, decidiu que daí para a frente aproveitaria essas circunstâncias com a finalidade de fazer seu o dinheiro que esses clientes tinham no E……….. .

4) Para esse efeito projectou proceder de uma das seguintes formas, conforme a ocasião propiciasse: 5) Ou daria a assinar aos clientes do E……….. documentos em branco que depois preencheria e utilizaria a seu bel-prazer, ou assinaria e preencheria ela própria esses documentos, ou ainda dar-lhes-ia a assinar os documentos depois de os ter preenchido mas sem lhes explicar o respectivo teor ou explicando-lhes um teor diverso do real ou ainda criando ou aproveitando um momento ou circunstância em que esses clientes achassem estar a subscrever outro tipo de declarações para os...

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