Acórdão nº 597/00.5TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. VASQUES OSÓRIO
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 250º CP Sumário: 1. No crime de violação da obrigação de alimentos o que é essencial reter e que confere dignidade penal à conduta, permitindo ultrapassar o princípio da intervenção mínima, é o desvalor resultante da colocação em perigo de direitos fundamentais do alimentando.

  1. O simples incumprimento da obrigação alimentar, em si mesmo, apenas tem conteúdo económico ou seja, é uma dívida civil.

  2. Por isso, a colocação em perigo das necessidades fundamentais do alimentando é o elemento fulcral do tipo em questão.

  3. Não é pelo facto de alguém se substituir ao obrigado não cumpridor na satisfação das necessidades dos alimentandos que deixa de ter existido o perigo exigido pelo tipo, não sendo necessário que o progenitor guardião ou qualquer outro terceiro se abstenha de intervir, aguardando a verificação do dano para então, se poder concluir pela verificação do perigo típico.

  4. Este ocorre logo com o incumprimento da decisão provisória, Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido J..., divorciado, empregado de comércio, residente em Ranha de Baixo, Pombal, a quem era imputada a prática, em autoria material e concurso real, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art. 348º, nºs 1 e 2 do C. Penal com referência ao art. 391º do C. Processo Civil, de um crime de falsificação de estado civil, p. e p. pelo art. 248º do C. Penal, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, b) e 3 do C. Penal e de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo art. 250º, nº 1 do C. Penal.

    A assistente M… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 25.700, acrescida de juros legais desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento.

    Por acórdão de 26 de Janeiro de 2009, foi o arguido absolvido da prática dos imputados crimes de falsificação de estado civil e de violação da obrigação de alimentos, e condenado, pela prática do imputado crime de desobediência qualificada, na redacção anterior à da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, na pena de 140 dias de multa, pela prática do imputado crime de falsificação de documento, na mesma redacção, na pena de 120 dias de multa, e em cúmulo, na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 10 perfazendo a multa global de € 2.000.

    Foi ainda o arguido absolvido do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

    * Inconformada com o acórdão dele recorre a assistente, formulando no termo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem: “ (…).

    1. O presente recurso versa a impugnação de matéria de facto e de direito, compreendida nos poderes de cognição do tribunal ad quem e restringe-se à parte da decisão que absolveu o arguido J… da prática do crime de violação da obrigação de alimentos por que tinha sido pronunciado e ainda da absolvição do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante cível, pugnando-se pela sua revogação.

    2. Procedendo-se a julgamento, concluiu o Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial de Pombal pela verificação de todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo com excepção de que, com a omissão da obrigação do arguido, ter sido posta em perigo a satisfação, sem o auxílio de terceiros, das necessidades fundamentais dos titulares do direito a alimentos.

    3. A recorrente não se conforma com este entendimento por a instância ter feito incorrecta apreciação critica dos factos submetidos a julgamento – ultrapassando, largamente, os seus incontornáveis poderes de livre convicção – e também por deficiente interpretação da norma jurídica violada (até em termos meramente conceituais) do que viria a resultar uma decisão pouco clara, desadequada e injusta.

      Na realidade, 4ª. Decorre do corpo do artº 250º do Cód. Penal que o legislador não teve o propósito de incriminar toda e qualquer omissão do dever de alimentos mas apenas aquelas que, pela sua gravidade, ponham em perigo (perigo concreto) as necessidades fundamentais do alimentando. Todavia, nesta indagação, não deve ser-se particularmente exigente, aceitando-se a sua verificação sempre que a omissão comprometa ou afecte, ainda que em grau não elevado, a satisfação dessas necessidades.

    4. A expressão "legalmente obrigado"constante do mesmo normativo, compreende não só aqueles que tenham sido condenados a pagar alimentos em resultado de uma sentença com trânsito em julgado mas também os que estejam vinculados à prestação de alimentos apenas por força da lei civil. Porém, quando existe uma condenação, haverá forçosamente um credor de alimentos necessitado e, por maioria de razão, se essa condenação tiver sido precedida de outra provisória – o que encerra um juízo de premência sobre a necessidade de satisfação dessa prestação – maior será, naturalmente, o perigo de insatisfação em caso de omissão.

    5. Em termos conceituais, o ilícito por que o arguido foi pronunciado é um crime de perigo concreto, ou seja, o perigo é, ele próprio, um elemento do tipo, sendo necessária a sua verificação concreta para se poder dizer que ocorreu o crime. Os crimes de perigo serão, assim, também crimes de resultado, mas não de resultado de dano, mas de resultado de perigo. É a situação de perigo para um concreto bem jurídico que constitui o resultado da acção criminosa, sendo indiferente se, no caso, inexistiu dano.

      E não será pelo facto de alguém se substituir ao obrigado pela satisfação das necessidades dos menores que deixa de ter existido (ou até de ainda subsistir) o perigo para a sua alimentação, saúde, habitação, educação e instrução. Muito menos será necessário que o progenitor guardião ou quaisquer outros terceiros se abstenham de intervir, aguardando pela ocorrência do dano, para só então se poder concluir pela efectiva existência de perigo para a satisfação das necessidades básicas dos menores.

    6. O perigo cria-se no momento em que a prestação de alimentos foi omitida, uma vez que só o seu cumprimento pontual permite ao progenitor que tem a guarda programar com eficácia a satisfação dessas necessidades, perigo que será maior ou menor de acordo com as disponibilidades reais do progenitor guardião. Nem será certamente necessária a intervenção de terceiros ou desmedidos sacrifícios do progenitor a quem está acometida a guarda do menor, no sentido de obstaculizar à produção do dano, para só então se poder concluir que existe perigo de insatisfação das necessidades básicas dos alimentandos.

    7. No caso em apreciação, o perigo de insatisfação das necessidades fundamentais dos menores X... e K... ocorreu a partir de 25/09/2000, data do vencimento da obrigação alimentar que o arguido foi condenado a satisfazer, decorrente da decisão provisória proferida no mencionado processo de regulação do exercício do poder paternal, só não tendo ocorrido dano substancial para os menores pela intervenção da avó materna que ajudou a recorrente financeiramente e com géneros alimentares, do tio paterno, que pagou ao sobrinho as explicações de matemática e, em última análise da própria mãe que foi forçada, a partir de Março de 2003, a ter duas ocupações, que lhe tiram (e tiram), no mínimo, 13 horas por dia, para proporcionar aos menores uma vida apenas normal.

    8. Aliás, ressalvado o respeito devido, a sujeição da recorrente a um horário de trabalho desumano e absurdo, com renúncia a qualquer qualidade de vida e à companhia e acompanhamento de seus filhos – ela que, anteriormente ostentava um trem de vida médio-alto – não pode deixar de fazer presumir a iminência de insatisfação das necessidades básicas de seus filhos, o que legitimaria, na falta de outras provas definitivas – o que nem sequer é o caso – o recurso à prova por presunção, claramente admitida no processo penal, onde são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do CPP) que teria permitido ao tribunal a quo de um conjunto de factos conhecidos – todos os que obtiveram resposta positiva – afirmar um facto desconhecido.

    9. O Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial de Pombal não concluiu pela ocorrência de perigo de insatisfação das necessidades básicas dos menores X... e K... por ter feito errónea apreciação da prova, chegando mesmo a contrariar as regras da lógica e da experiência e a retirar relevância probatória de alguns dos factos apreciados, cometendo, neste particular, erro de julgamento.

      Efectivamente, 11ª. reportando-se o início da omissão do arguido ao ano de 2000 e tendo a audiência de discussão e julgamento ocorrido apenas nos princípios de 2009, havia que apreciar esses factos atendendo à sua cronologia. Não foi o que aconteceu, fundamentando a decisão recorrida a sua tese mediante o acolhimento de um conjunto de situações fácticas que sendo embora em grande parte verdadeiras, porque desenquadradas do seu tempo real, importam conclusões distorcidas e menos verdadeiras.

    10. Atentemos, com recurso aos factos que o tribunal a quo considerou provados, a sucessão cronológica das situações apreciadas na decisão sob recurso: - no decurso do ano 2000, a ora recorrente propôs acção de divórcio litigioso contra o ora recorrido, vindo esse divórcio a ser convertido em divórcio por mútuo consentimento no dia 02/04/2002 (item 21 de factos provados); - durante o período dessa pendência processual, os seus sujeitos processuais estiveram separados de facto (item 22); - por sentença de 02/05/2002, foi ora recorrido condenado a pagar a título de alimentos para seus filhos menores a importância mensal de Esc. 50.000$00, respeitando Esc. 25.000$00 a cada filho (item 14, 11 parte); - essa pensão alimentar, embora de montante inferior (Esc. 20.000$00 para cada filho) era devida desde 25/09/2000, em...

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