Acórdão nº 2389/03.0TBPRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução19 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA EM PARTE.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 323 - FLS. 17.

Área Temática: .

Sumário: I- Em matéria de acidentes de viação, a jurisprudência tem considerado que, normalmente, a culpa emerge da violação de regras legais que disciplinam o trânsito rodoviário, presumindo-se (presunção juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infracção daquelas normas, dá causa a acidente.

II- Em caso de atropelamento de peão por veículo conduzido pelo dono, não resultando dos factos provados que o condutor tivesse infringido alguma norma legal ou algum dever normal de diligência que fosse causal do atropelamento, e também não se provando a culpa do peão, é o dono do veículo que responde pelos danos causados ao peão, a título de “risco inerente à utilização do veículo”, nos termos do art. 503.°, n.° 1, do Código Civil..

III- Na obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo lesado compreendem-se as quantias gastas com o tratamento e a cura das lesões corporais sofridas, designadamente as quantias pagas ao hospital, nas deslocações ao hospital e na compra de medicamentos, ainda que tais quantias tenham sido então adiantadas pelos pais do lesado, que, à data, era menor.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Relator: Guerra Banha Adjuntos: Anabela Dias da Silva e Maria do Carmo Domingues Proc. n.º 2389/03.0TBPRD.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 21-05-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B……………., residente no Bairro ………., em Paredes, instaurou, no Tribunal Judicial da mesma comarca, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra: 1) C……………, residente em …………, ….., Paredes, e 2) o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na Avenida ……., em Lisboa.

Pediu a condenação do primeiro réu a pagar-lhe a quantia de € 40.999,57, e a do segundo réu, solidariamente com o primeiro, a pagar-lhe a quantia de € 40.700,29, tudo acrescido de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que totalizam o montante pedido, em consequência de ter sido atropelada, em 01-09-1995, pelo velocípede com a matrícula 2-PRD-..-.., conduzido pelo 1.º réu e propriedade deste, a quem imputa a culpa exclusiva pelo referido atropelamento, justificando a demanda do 2.º réu no facto de o 1.º réu não ter, àquela data, seguro válido que pudesse cobrir este risco.

Os dois réus contestaram a acção. O réu C………….. impugnou os factos relativos às circunstâncias em que se deu o atropelamento, de que apresentou uma versão diferente da descrita pela autora, em que imputa a esta a culpa exclusiva pela ocorrência. O réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL invocou, por excepção, a prescrição do direito da autora, e por impugnação alegou que, em face de averiguações a que procedeu quando o acidente lhe foi participado em 1996, concluiu que o atropelamento deu-se em circunstâncias diferentes das descritas pela autora e por culpa exclusiva desta. Ambos concluindo pela improcedência da acção e a absolvição dos réus do pedido.

A autora ainda replicou à matéria da excepção, no sentido da não verificação da alegada prescrição do seu direito.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a fls. 360-385, que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: 1) condenar os réus, solidariamente entre si, a pagar à autora a quantia de € 24.200,72, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento; 2) condenar ainda o réu C…………. a pagar à autora a quantia de € 299,28, também acrescida de juros de mora, à mesma taxa, contados desde a data da citação até integral pagamento.

  1. Desta sentença recorreram a autora (fls. 399) e os dois réus (fls. 390 e 395).

    Admitidos os três recursos como apelações (fls. 403), cada um dos recorrentes apresentou as respectivas alegações, que constam a fls. 415-420, 426-437 e 458-476.

    2.1. A autora formulou as seguintes conclusões (fls. 435-437): 1.º A M.ma Juiz julgou incorrectamente a matéria constante nos quesitos 3.º e 4.º da base instrutória.

    1. De facto o depoimento da testemunha D………….. que presenciou o acidente a muito curta distância apontam para o sentido inverso do decido quanto a esses factos que deveriam ter sido dados como provados.

    2. A aludida testemunha, única presencial e credível, malgrado a sua juventude à data da ocorrência, guardou de um forma impressiva e muito clara a memória da ocorrência que descreveu no essencial de forma convicta e pormenorizada.

    3. São disso evidências as suas declarações supra transcritas em texto na alegação e que poderão ser percepcionadas no CD de gravação aos minutos 00:18:32, 00:33:00 e 00:35:15 5º. Errou pois a M.ma Juiz ao não considerar esses factos na sua fundamentação de um forma especificada, violando por omissão de prudência o princípio de livre apreciação da prova consagrado no art. 655.º do C.P.C.

    4. Na sequência do erro de decisão sobre a matéria de facto, não analisou a M.ma Juiz a dinâmica do acidente cuja culpa em termos integrais e exclusivos só poderá e deverá ser assacada ao Réu C…………….

    5. Já que não previu devendo e podendo fazê-lo a saída de pessoas do edifício adoptando conduta que prevenisse um acidente com pessoas que dele saíssem.

    6. Violou assim o disposto nos arts. 483.º e 496.º do Código Civil 9º. Sem prescindir do ponto antecedente, errou também a M.ma Juiz ao considerar que a menor, pelo simples facto de ser menor, contribuiu para o risco inerente à responsabilidade objectiva em 30%, desrespeitando por erro de interpretação o disposto no art. 503.º n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

    7. Errou ainda a M.ma Juiz ao considerar que a autora não pode peticionar reparação de danos que sofreu porquanto os mesmos, constituídos em encargos durante a sua menoridade, foram suportados pelos seus pais.

    8. Violou o disposto nos art. 562.º, 563.º, 1878.º e 1879.º do Código Civil.

      2.2. O réu C………….. formulou as seguintes conclusões (fls. 419-420):

      1. Da matéria de facto dada como provada, designadamente os pontos 8 a 13, é manifesto que nenhuma censura ético-jurídica pode, fundadamente, ser feita à conduta do Recorrente, pois dos factos assentes não se vislumbra que outro comportamento concreto o Recorrente devesse ter adoptado para evitar o acidente.

      2. Foi a Recorrida que com a sua conduta negligente, descuidada e inadvertida, deu origem ao acidente de viação que a vitimou, pelo que o Tribunal deveria ter concluído pela culpa única e exclusiva da Recorrida.

      3. Com a sua conduta, violou a Recorrida as disposições constantes dos Artigos 40.º, n.º 1, alínea a ), e n.º 4 do Código da Estrada em vigor à data do acidente, que se referem ao dever de prudência dos peões quando transitam e fazem o atravessamento na via pública.

      4. Os condutores de veículos automóveis não têm de prever a imprevidência alheia, nem ao Recorrente era razoavelmente previsível que a Recorrida, na altura menor, saísse inesperadamente para a via pública, de trás de um pilar do Centro de Catequese.

      5. A censura ético-jurídica ou culpa só recai sobre o acto da Recorrida, porque empreendido nas referidas circunstâncias, pelo que deve ser considerada a exclusiva causadora do evento infortunístico em causa. Ora, f) Ao contrário do que faz a sentença recorrida, a interpretação conjugada do disposto nos artigos 505.º e 570.º, n.º 1, ambos do Código Civil, não permite a conclusão de haver concurso entre a culpa exclusiva do lesado e a responsabilidade pelo risco de circulação do titular da direcção efectiva do ciclomotor.

      6. Finalmente, sendo a Recorrida menor à data do sinistro, da matéria dada como provada, resulta ter sido por parte dos seus representantes legais – os pais – omitido o dever de vigilância a que estavam obrigados, com violação do artigo 491.º do Código Civil.

      7. Pelo que, inexiste qualquer obrigação do Recorrente em indemnizar a Recorrida.

      2.3. O réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL formulou as conclusões seguintes (fls. 470-476): 1º- O acidente dos autos consistiu no atropelamento de uma criança quando esta vinha a sair do Centro de Catequese e o velocípede embateu nesta com a sua parte lateral direita, derrubando-a.

    9. - Ora, face ao que se provou quanto às condutas do condutor do velocípede e da atropelada, é apodíctico concluir-se — e neste ponto concorda-se com a bondade da decisão proferida pela M.ma Juíza do Tribunal de 1.ª instância — que nenhuma culpa pode ser assacada ao condutor do velocípede na produção do acidente.

    10. - Com efeito, quando o condutor do veículo se encontrava a passar em frente ao Centro de Catequese deparou-se com um peão, e este surgiu-lhe a pouca distância, de forma súbita, repentina e inesperada (encoberta pelo pilar do edifício). A imprevisibilidade do surgimento do peão resulta, ainda, do facto do peão ter surgido a correr, conforme foi corroborado pela testemunha E…………. — cujo depoimento foi ouvido na sessão de julgamento do dia 12 de Maio de 2008 e se encontra revistado em CD e que ora se dá inteiramente por reproduzido para os devidos e legais efeitos.

    11. - Além de que do referido depoimento, em conjugação com o croqui da GNR junta ao processo se constata que o peão foi colhido acerca de 60 cms da berma direita, atento o sentido de marcha do velocípede.

    12. - Daí que não se aceite que a M.ma Juíza do Tribunal a quo venha dizer para fundamentar a sua decisão que “… não se apurou se a A. saiu a totalidade dos degraus, tendo já ambos os pés assentes na rua, ou se ainda se encontravam em movimento, por exemplo, com pelo menos um pé na estrada e outro ainda no degrau ou no ar, ou até com o pé com que deu o impulso para a frente ainda no ar em direcção à rua e o pé que ficou para trás colocado no degrau”.

    13. - Reapreciada a prova produzida pela testemunha acima referida e bem assim da testemunha D…………. — cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 12 de Maio de 2008 e se encontra registado em CD —...

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