Acórdão nº 440/06.1TBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. ARTUR DIAS
Data da Resolução03 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE Legislação Nacional: ARTºS 428º, § 1º, DO CÓDIGO COMERCIAL; DEC. LEI 522/85, DE 31/01.

Sumário: I – O artº 2º, nº 1, do D.L. nº 522/85, de 31/01, estabelece que a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a referida obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, o adquirente ou o locatário.

II – Mas, de acordo com o artº 1º, nº 1, desse diploma, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade, nos termos do dito diploma.

III – E o nº 2 do artº 2º preceitua que se qualquer outra pessoa (que não os sujeitos da obrigação de segurar) celebrar, relativamente a um veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no referido diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.

IV – Por sua vez, o artº 14º estatui que, para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas nesse diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior (alienação de veículo), ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro.

V – A interpretação conjugada destes preceitos legais permite concluir que, face à relevância social da protecção do lesado e valores subjacentes ao regime do seguro obrigatório, nomeadamente quanto à inoponibilidade das excepções contratuais gerais nele não previstas, não repugna aceitar a derrogação da norma do § 1º do artº 428º do Código Comercial pelas do D.L. nº 522/85, nomeadamente nos seus artºs 2º e 8º, nº 1, enquanto enformadoras dum regime especial quanto ao regime da nulidade do seguro por falta de interesse na coisa segurada.

VI – É consensual que a privação do proprietário do uso da sua viatura se traduz num acto ilícito, porque violador do direito de propriedade, já que impede o dono de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição da coisa que lhe pertence, nos termos do artº 1305º do C. Civ..

VII – Porém, a mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

RELATÓRIO A....., casado, reformado, residente em Rua do Canelão, n° 1, Prazeres, Aljubarrota, concelho de Alcobaça, intentou acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra Companhia de Seguros B..., Fundo de Garantia Automóvel, com sede em Avenida da República, n.º 59, 4°, 1050-189 Lisboa, C... e D..., pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe, na medida das suas responsabilidades, a quantia de € 20.343,21 Euros, discriminada da seguinte forma: A) - € 4.180,05, relativo ao valor da reparação do veículo de matrícula 13-85-RA; B) - € 416,66, relativo ao valor dispendido nas deslocações de Alcobaça para Santarém, para a frequência do curso de formação profissional; C) - € 625,00, relativo ao valor despendido no arrendamento de um quarto em Santarém; D) - €. 241,50, relativo ao valor devido pelo parqueamento do veículo, até à data da propositura da acção; E) - € 13.020,00, relativo à indemnização pela privação do uso do veículo, desde a data do acidente até à data em que for disponibilizado o valor suficiente para a reparação; F) - € 360,00, relativos aos 12 dias necessários para a sua reparação; G) - € 1375,00, relativo à indemnização pela desvalorização do veiculo; H) - O valor devido pelo parqueamento do veículo (€ 1,50 por dia), desde a data da propositura da acção até à data em que os RR. colocarem à disposição do A. os montantes supra referidos; I) - O valor devido à indemnização pela privação do uso do veiculo, desde a data da propositura da acção até à data em que os RR. colocarem à disposição do A os montantes supra referidos J) - Juros legais vincendos, a partir da citação, até efectivo pagamento sobre todas as quantias peticionadas.

Para tanto, o A. alegou, em síntese, que no dia 2 de Dezembro de 2004, pelas 20,30 horas, no sítio de Ponte Jardim, localidade de Alcobaça, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 13-85-RA, propriedade do A., conduzido pelo seu filho E... e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula SI-40-93, cuja propriedade se encontra registada em nome de C..., que o conduzia; que, pelas razões que descreve, a culpa pela ocorrência do acidente recai totalmente sobre o condutor do SI; que sofreu os danos que discrimina, relativamente aos quais pretende ser indemnizado; que a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação ocorridos na condução do SI foi transferida para a R. Companhia de seguros B..., mas que esta, no decurso das negociações para a resolução do assunto, após ter procedido à vistoria do RA, declinou a responsabilidade, alegando inexistir seguro válido para a viatura SI, conduzida pelo R. C...; e que, por esse motivo, intentou também a acção contra o Fundo de Garantia Automóvel, o condutor e D..., titular do seguro e alegado comprador do SI.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou impugnado a factualidade descrita na petição inicial, chamando a atenção para a triplicação do pedido relativo à paralisação do veículo, para o seu direito de sub-rogação e, no que respeite a danos materiais, para a dedução da franquia.

A Companhia de Seguros B... contestou por excepção, defendendo que, pelos motivos que expõe, na data do acidente o veículo SI-40-93 não era objecto de qualquer seguro válido e eficaz. Contestou também por impugnação, alegando desconhecer, sem obrigação de saber, a factualidade plasmada na petição inicial e acrescentando que o condutor do SI exercia a condução sob influência do álcool, o que foi decisivo para a ocorrência do sinistro.

O A. respondeu, pugnando pela improcedência das excepções arguidas, rectificando alguns artigos da petição inicial e alterando, em consonância, o pedido.

Admitida a alteração referida, saneada, condensada e instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 297 a 302 decidindo a matéria de facto controvertida.

Foi depois emitida a sentença de fls. 306 a 358, julgando parcialmente procedente a acção intentada por A... e...

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