Acórdão nº 883/04.5GAVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO VALÉRIO
Data da Resolução01 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 591 - FLS 95.

Área Temática: .

Sumário: O facto de se ignorar se o meio usado era ou não uma arma real não tem relevo para o preenchimento do tipo legal de crime de coação porque neste tipo incriminador, ao contrário do que sucede, por exemplo, no crime de roubo agravado (art. 210º, 2 b) a n.º 1 e 2 do art. 204º do CP), a utilização de arma não é elemento da tipicidade. Ou seja, o crime de coação, na modalidade praticada (tentativa), consiste na ameaça da prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos (art. 154º). O que é importante é que o facto ameaçado, constituindo crime (seja usada arma ou não) seja idóneo a provocar medo na pessoa ameaçada.

Reclamações: Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO (Tribunal da Relação) Recurso e processo n.º 883/04.5GAVNF.P1 Em audiência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO 1- No ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, no processo comum singular acima referido, foram os arguidos baixo referidos julgados e condenados-absolvidos nos termos seguintes: - B……….

: - como co-autora material de um crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p.p. artº 22º, nº 2, al. a) e b), 23º, 26º, 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - como co-autora material de um crime de violação de domicílio, p. e p.p. artº 26º, 190º, nº 1 e 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. Pena esta suspensa na sua execução, por período igual ao da respectiva pena, subordinada à condição do pagamento, no prazo de 6 (seis meses), após o trânsito, do pagamento aos lesados das indemnizações em que vão condenados.

- C……….: - como co-autor material de um crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p.p. artº 22º, nº 2, al. a) e b), 23º, 26º, 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - como co-autor material de um crime de violação de domicílio, p. e p.p. artº 26º, 190.º, nº 1 e 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa de D………., na pena de 1 (um) ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - E……….: - como co-autor material de um crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p.p. artº 22º, nº 2, al. a) e b), 23º, 26º, 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão ; - como co-autor material de um crime de violação de domicílio, p. e p.p. artº 26º, 190º, nº 1 e 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. Pena esta suspensa na sua execução, por período igual ao da respectiva pena, subordinada à condição do pagamento, no prazo de 6 (seis meses), após o trânsito, do pagamento aos lesados das indemnizações em que vão condenados.

- Absolvidos os arguidos do crime de dano, p. e p.p. artº 212º, nº 1 do Código Penal, que lhes vem imputado.

- Absolvidos os arguidos B………. e E………., do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p.p. artº 143º, nº 1 do Código Penal, na pessoa da ofendida D………., que lhes vem imputado.

- Parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, condenando solidariamente os demandados, a pagarem aos demandantes a quantia de 1.968,27 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais, nos termos acima descriminados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido, até integral pagamento.

- Solidariamente os demandados a pagarem ao demandante F………. a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença, até integral pagamento; - Solidariamente os demandados a pagarem à demandante D………. a quantia de 500,00 € (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença, até integral pagamento; - O demandado C………. a pagar à demandante D………. a quantia de 600,00 € (seiscentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a data da sentença, até integral pagamento.

- Absolvendo os demandados na parte restante do peticionado.

2- Inconformado, recorreu o arguido C………., concluindo a sua motivação do seguinte modo: O tribunal "a quo" não logrou provar os pressuposto do crime de coacção agravada sob a forma tentada.

O comportamento do arguido não foi o necessário para coagir o ofendido a qualquer acção contra sua vontade. Desta forma, sendo a coação um crime de resultado, a não realização do comportamento exigido pelo coactor por parte do ofendido, emboca em não consumação do crime.

Não se concorda com a subsunção dos factos à tentativa de coacção. Nos termos do artigo 22 do CP, para existir tentativa da prática de um crime, têm que ser praticados actos de execução.

Ora, dos factos apurados em julgamento nenhum se enquadra nas definições de actos de execução. Quando muito, no caso dos autos, verificaram-se actos preparatórios, o que não legitimam a punição como tentativa. O ofendido nunca se sentiu constrangido a praticar qualquer acto, nomeadamente a entrega do dinheiro reclamado pelo arguido - que, efectivamente, não entregou -, nem foi condicionada a sua vontade, nem mesmo se sentiu inibido de chamar as autoridades, como, efectivamente o fez. Só haveria tentativa punível se o ofendido tivesse adoptado o comportamento que o arguido o queria coagir a praticar, mas aquele o praticou não por medo da coação, mas porque tal já correspondia à sua vontade antes da acção de constrangimento. Ora, o ofendido não tinha intenção de pagar qualquer dinheiro relativo a uma relação laboral existente entre aquele e o arguido (conf. ponto 1, 2 e 13 dos factos provados da douta Sentença recorrida), mesmo antes deste o ameaçar, o que efectivamente se veio a manter, mesmo depois da ameaça.

Muito menos existiu tentativa de coação agravada dado que o objecto que, alegadamente, o arguido possuía e que não se apurou o que era na realidade, não era meio idóneo a produzir o crime ameaçado. Desta forma, a existir tentativa, a mesma reveste carácter de tentativa impossível, dado que não se apurou qual o objecto utilizado para a ameaça e se o mesmo era susceptível de contribuir para a consumação do crime, logo a tentativa não é punível, à luz do artigo 23, n° 3 do CP.

Sem prescindir, sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido pela prática da tentativa de coação agravada é exagerada.

A condenação de uma pena privativa da liberdade de 2 anos, porá em risco a socialização (prevenção especial positiva) do arguido, e a sua reintegração na sociedade. Aliás resulta da sentença que o arguido revela motivação para alterar o seu padrão de vida. Como atenuante da pena existe, ainda, o facto do bem jurídico protegido pela norma não ter sido, efectivamente, lesado.

Nesta conformidade, a entender-se provado o crime de coação, a pena aplicada pelo Tribunal "a quo" deverá ser reduzida pelo Tribunal "ad quem", no respeito pelos fins das penas, estatuído no artigo 40.º do CP.

Quanto ao crime de violação de domicílio entende-se que o tipo de ilícito não se verificou nos autos.

Dos factos provados resulta que foi o ofendido quem abriu o portão que dá acesso ao logradouro da residência, logo consentiu na entrada do arguido na sua propriedade. Inexiste razão para concluir-se, como se concluiu, que os arguidos não ignoravam que não podiam penetrar na residência sem autorização, já que o portão de acesso à casa foi-lhes aberto pelo próprio proprietário. Ademais a única referência, em termos de matéria provada, a qualquer intimação por parte dos ofendidos para aquele abandonar o local foi o ponto 27 dos factos provados, momento em que o arguido, de pronto, abandonou. Nesta conformidade, não estão verificados os pressuposto objectivos do crime de violação de domicílio, ou no máximo, deverá criar no julgador, face à matéria provada, a duvida de se terem verificados ou não, pelo que o principio "in dúbio pró réu" deverá ser aplicado. Pelo exposto, deverá o arguido ser absolvido do crime de violação de domicílio por não provados factos estatuídos naquele ilícito-tipo, ou por aplicação do princípio "in dubio pró réu".

Sempre se dirá que o crime de violação de domicilio não deverá ser agravado por não verificação dos pressupostos do artigo 190.º, n° 3 do CP, dado que, embora cometido à noite, não foi provado em...

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