Acórdão nº 37/05.3TASEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução17 de Junho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Relatório [1] Nos presentes autos do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, com o NUIP nº 37/05.3TASEI, inconformados com o despacho de 04/02/2009 que decidiu rejeitar a acusação deduzida contra os arguidos, por manifestamente infundada, o Ministério Público e o assistente Centro Distrital de Segurança Social do Instituto de Segurança Social IP interpuseram recurso.

[2] O Ministério Público extraiu da motivação as seguintes conclusões: - O Orçamento de Estado para 2009, aprovado pela Lei n° 64-A/2008, de 31.12, introduziu alterações ao Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n°. 15/2001, de 5 de Junho, no que concerne ao crime de abuso de confiança fiscal, que passou a ser punível apenas quando o valor de cada declaração (mensal ou trimestral no I.V.A.) for superior a 7.500 €; todavia, no que concerne ao crime de abuso de confiança à Segurança Social não se operou nenhuma alteração; - Tal resulta, desde logo, do art°. 113° da Lei n°.: 64-A/2009, de 31.12, sob a epígrafe "Alteração ao Regime Geral das Infracções Tributárias", o qual estabelece que " Os artigos 18.°, 25. °, 98. °, 105. °, 109º e 114º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n. ° 15/2001, de 5 de Junho, passam a ter a seguinte redacção:....", não se prevendo, assim, nenhuma alteração para os crimes contra a Segurança Social; - Embora haja um certo paralelismo entre aqueles dois crimes na descrição dos seus elementos típicos, o certo é que são distintos os bens jurídicos protegidos pelos citados tipos legais, pois nos crimes contra a Administração Fiscal, os valores tutelados são os inerentes ao regular e efectivo funcionamento do sistema fiscal e de política social estabelecidos pelo Estado - cfr. art°s. 103° e 104° da Constituição da República Portuguesa, ao passo que nos crimes contra a Segurança Social o bem jurídico tutelado é o património dela, ou seja a tutela do respectivo erário, assente na satisfação dos créditos contributivos de que a Segurança Social é titular, sendo que este delito é um crime específico próprio, exigindo-se que o agente seja uma entidade empregadora.

- Além disso, aqueles crimes têm um enquadramento sistemático distinto, o que se compreende pela diferente natureza dos tributos em causa, surgindo aqueles em dois capítulos diferentes do R.G.I.T., sendo que as remissões que aí são efectuadas para o regime punitivo fiscal visam apenas uma remissão para as respectivas penas aplicáveis; bem como só assim se entenda que as alterações que vêm surgindo com as sucessivas leis do Orçamento tenham vindo a separar os regimes, numa tentativa de assegurar e regular o imprescindível financiamento do sistema público da Segurança Social, conferindo-lhe um regime mais gravoso e uma maior eficácia à protecção dos interesses subjacentes.

- Não há qualquer remissão para o art°. 105° do R.G.I.T. em termos de dever ser atendido o valor aí previsto (ou outro) para efeitos do preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, o que se compreende face a tratarem-se de diferentes tributos e ao facto de não serão muitas, actualmente, as empresas que, mensalmente, entregarão declaração referentes a contribuições devidas à Segurança Social que, em cada uma delas, seja excedido o valor de 7500 Euros.

- Caso se entendesse que para se verificar o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social seria necessário que o pagamento não efectuado teria de ser, por cada declaração apresentada/ a apresentar, superior a 7500 Euros, tal equivaleria a um convite a que os respectivos obrigados não procedessem ao pagamento dessas quantias ou, pelo menos o fizessem apenas na parte em que excedesse os 7500 Euros, gerando situações de desigualdade entre as empresas que ultrapassem e as que não ultrapassem tais montantes por declaração, bem assim como, e no que diz respeito a estas últimas, entre aquelas que, ainda assim, cumprissem as suas obrigações contributivas e aquelas que não o fizessem.

- Além disso, tal entendimento significaria uma desresponsabilização em toda a linha dos comportamentos que tivessem por objecto declarações retidas até 7.500 Euros, pois enquanto a não entrega das prestações tributárias iguais ou inferiores a 7500 Euros integra, agora, a contra-ordenação prevista pelo art°. 114° do R.G.I.T., no caso da não entrega das quotizações deduzidas à Segurança Social, tal conduta deixaria, por falta de previsão legal correspondente, de ser objecto de qualquer sanção, o que, certamente, não terá sido pretendido pelo legislador, já que contraria as linhas orientadoras do próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2009.

- De acordo com este Relatório está previsto que a receita de contribuições para 2009 atinja o montante de 13.865,93 milhões de euros, com um crescimento implícito de 5,6%, estabelecendo se como medida e linha estratégica garantir as bases de um sistema público e universal de Segurança Social sustentável, referindo-se ali, expressamente, que esta sustentabilidade passa "também pela melhoria da eficácia na cobrança das contribuições, através do Plano de Combate à Fraude e Evasão Contributiva e Prestacional ... " e não se perceberiam estas expectativas se ao mesmo tempo se estabelecesse um regime que apenas sancionaria as entidades empregadoras e seus representantes se os montantes descontados e não entregues fossem, por declaração mensal, superiores a 7500 Euros - valor declarativo que não é frequentemente atingido, por declaração, no nosso país.

- Também, no sentido de não ter havido intenção do legislador de fazer uma equiparação entre as situações respeitantes a impostos e a contribuições relativas à Segurança Social, temos os tipos legais referentes às fraudes, pois no que concerne à fraude contra a segurança social, a mesma é apenas punível se a vantagem patrimonial ilegítima for de valor superior a 7500,00€, em contrapartida a fraude fiscal só é punida se a vantagem ilegítima for de valor igual ou superior a 15000,00€, pelo que seria uma incoerência sistemática admitir a identidade entre o art. 105°, n.° 1, e o art. 107°, n.° 1, ambos do R.G.I.T., no que respeita ao valor de 7.500 €.

- O legislador deu sinais nítidos de que pretendia que queria uma maior responsabilização (penal) das entidades empregadoras e seus representantes que não entregassem as quotizações deduzidas à Segurança Social, quer ao afastar a possibilidade de verificação de qualquer contra-ordenação mas, antes, a integração de crime, bem como ao eliminar a possibilidade de extinção de responsabilidade criminal no caso de pagamento de prestação inferior a 2.000 Euros, nos termos anteriormente fixados pelo art°. 105°, n°6, do R.G.I.T..

- O recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21/01/2009, proferido no Processo n°.: 342/04.6TAAVR, disponível em www.dgsi.pt, acabou por aplicar o art°. 107° do R.G.I.T. sem atender ao valor mínimo previsto no art°. 105°, n°1, do R.G.I.T., tendo sido proferida decisão condenatória pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social quando foi dado como provado que a prestação mais elevada em falta era de 1.572,57 Euros.

- Assim, a conduta imputada aos arguidos continua a constituir a prática de crime (contra a Segurança Social) p. e p. pelo art°. 107°, n°1, do R.G.I.T., pelo que a Acusação Pública não poderia ser rejeitada por manifestamente infundada.

Consideramos, assim, que o Mm Juiz a quo não efectuou a interpretação mais correcta da ratio legis dos normativos legais e dos princípios aplicáveis a esta situação, violando o preceituado nos arts.2° n°2 do C.Penal; 311°, nos. 1, 2 e 3 do C.P.Penal e 107°, n°1, do R.G.I.T., pelo que deverá o despacho proferido pelo Mm° Julgador a fls.329 a 335 ser revogado, por violador do disposto nos supra citados preceitos legais e substituído por outro que receba a acusação pública deduzida e designe data para audiência de discussão e julgamento, seguindo-se os ulteriores termos até final.

[3] Por seu turno, o assistente formulou as seguintes conclusões: 1° No âmbito deste processo, os Arguidos estão acusados por um crime continuado de abuso de confiança à segurança social, previsto e punido pela conjugação do disposto nos arts 30°, 2 e 79° do CP, em conjugação com os arts 30, a), 6°, 1, 7°, 1 e 107°, em conjugação com o art° 105°, 4, todos do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001, de 5/06.

  1. A Lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, veio dar nova redacção ao artigo 105° do Regime Geral das Infracções Tributárias, restringindo o crime de abuso de confiança fiscal aos casos em que a prestação não entregue á administração tributária é de valor superior e € 7500 e revogou o disposto no n°6 do referido artigo.

  2. Manteve inalterável o artigo 107° do Regime Geral das Infracções tributárias, relativo ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, que define os seus elementos, remetendo, apenas, nos n°s 1 e 2, para efeitos punição, condições de punibilidade e extinção da responsabilidade, para o artigo 105°.

  3. Os crimes tributários estão divididos no RGIT em quatro capítulos: Capítulo 1: crimes tributários comuns; Capítulo II: crimes aduaneiros; Capítulo III: crimes fiscais (artligos 103° a 105°) ;Capítulo IV: crimes contra a segurança social (artigos 106° e 107°).Estes tipos de crimes não se confundem entre si, tendo o legislador previsto e regulado independentemente cada um deles, sendo que as disposições específicas de cada um não se aplicam aos demais, salvo quando a lei expressamente o disser.

  4. São crimes distintos e que tutelam bens jurídicos distintos: no crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido no artigo 105° o normal funcionamento e interesses do sistema fiscal — a arrecadação de receitas e prossecução dos objectivos da justiça distributiva, no crime de abuso de confiança a relação de confiança, colaboração, lealdade e transparência das entidades empregadoras para com Segurança social a relação de confiança.

  5. É certo...

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