Acórdão nº 186/05.8TAMDL de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução03 de Junho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 186-05.

T J Mirandela.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: Os assistentes apresentaram queixa contra B................, médica, assistente graduada de ginecologia e obstetrícia e directora de serviço no Hospital Distrital de .......... e C................., enfermeira especialista de saúde materna e infantil no mesmo hospital[1], imputando-lhes responsabilidade penal pelas lesões com que nasceu o seu filho D............. derivadas do parto.

Findo o inquérito o Ministério Público entendeu não estar suficientemente indiciada a prática de qualquer crime e determinou o arquivamento dos autos [fls. 307 a 338].

Inconformados, os assistentes requereram a abertura da instrução, alegando factos que, entendiam indiciar-se, e, com base nos quais entendiam verificar-se a prática, por parte de cada uma das arguidas B................. e C................., de [a]um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. no art. 148º, n º 3, do Código Penal, [b] um crime de omissão de auxílio, p. e p. no art. 200º, com referência aos arts. e 10º, do Código Penal, [c] um crime de violação da leges artis, p. e p. no art. 150º, n º 2, do Código Penal, e a prática, por parte da arguida B..............., de [d] um crime de recusa de médico, p. e p. no art. 284º, com referência ao art. 285º, do Código Penal.

Realizada a instrução, foi proferida decisão instrutória de não pronúncia das arguidas pela prática de qualquer dos crimes que lhes era imputado em sede de requerimento de abertura da instrução.

Inconformados recorrem os assistentes apresentando as seguintes conclusões: 1ª - A douta decisão recorrida considerou a inexistência de indícios conducentes à prática pela médica B.............. dos ilícitos criminais de recusa de médico, p. e p. nos artºs. 284º e 285º do CP; de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos, p. e p no art.º 150º, do Código Penal (violação de leges artis) e de omissão de auxilio, p. e p. pelo art.º 200º, Código Penal.

2ª - Ora, encontra-se demonstrado nos autos e foi invocado no art.º 7º do requerimento de instrução que, não obstante encontrar-se em regime de presença física no Hospital Distrital de ........., a Dr.ª B........... ausentou-se deste hospital pelo menos a partir das 17.00 horas desse dia, tendo-se deslocado para sua casa.

3ª - E que tendo em vista a sua presença na sala de partos, a Dr.ª B............ foi contactada por via telefónica, pelos menos por quatro vezes, para o seu telemóvel, com o número ..........632.

4ª - No primeiro desses quatro telefonemas, a Dr.ª B............ foi contactada pela Enfermeira C............., que lhe pediu insistentemente para aquela se deslocar ao hospital, tendo a Dr.ª B............ respondido que se estavam duas parteiras no Hospital que era para trabalhar porque também o ganhavam - cf. fls. 135, 141 e 269.

5ª - A Dr.ª B......... era a única obstetra de serviço no Hospital, encontrando-se, como se disse, em regime de presença física - ou seja com a obrigatoriedade de permanecer nas instalações do serviço do Hospital.

6ª - Quer o regime de presença física a que a mesma se encontrava contratualmente obrigada, quer as solicitações efectuadas á Dr.ª B........... para estar presente no parto (pelo menos em número de quatro - conforme referido supra - ou em número de seis, conforme relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde - cf. fls. 556 dos autos, ponto 2.3.2) impunham a sua presença, enquanto única médica obstetra de serviço e tendo em conta que é objectivamente necessária a presença de um obstetra durante o trabalho de parto, razão aliás justificativa para a manutenção daquela médica em regime de presença física.

7ª - Tal recusa em estar presente era objectivamente susceptível de causar perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física da assistente e seu filho - como de facto aconteceu e se demonstrou nos autos.

8ª - Como resulta sobejamente demonstrado nos autos - e reafirmado a fls. 802, douta decisão - a partir das 19.00 horas, a frequência cardíaca não era normal, existindo um número excessivo de contracções: ESTANDO A DRª. B........... PRESENTE NO SERVIÇO, a mera compulsa dos registos cardiotocográficos, a partir das 19.00 horas, teriam imposto como conduta normal e previsível uma redução/suspensão da oxitocina, uma vez que a manutenção desta situação por algumas horas poderia causar uma deficiente oxigenação do feto e tal poderia causar-lhe lesões como as que apresentou - cf. douta decisão recorrida, fls. 802.

9ª - Era exigível à Dr.ª B............ a presença no Hospital, seja por via do regime de presença física, seja por via das solicitações telefónicas efectuadas, sendo que a sua não presença lhe acarreta responsabilidade por omissão - cf. art.º 10º, Código Penal.

10ª - Pelo que, ao contrário da douta decisão recorrida, entende-se que existem, de facto, indícios suficientes susceptíveis de configurar a prática dos crimes de recusa de médico, p. e p. nos artºs 284º e 285º do CP; de ilícito de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos, p. e p. no art.º 150º, do CP (violação de leges artis) e omissão de auxilio, p. e p. pelo art.º 200º, CP, pelo que deveria a mesma ter sido pronunciada pela prática de tais crimes.

Acresce que 11ª - Os recorrentes consideram ainda existirem indícios suficientes da prática do ilícito de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos, p. e p. no art.º 150º, do CP (violação de leges artis) à enfermeira arguida C.................. 12ª - A douta decisão recorrida - cf. fls. 799, parte inicial - admite que ocorreu, de facto, a violação das leges artis, no exercício das suas funções de enfermeira especialista que realizava / acompanhava o parto.

13ª - Porém, e salvo o devido respeito, de forma paradoxal, a mesma douta decisão considerou que "Afigura-se-nos claro que a arguida C............ não previu minimamente que houvesse circunstancias que tornassem necessário reduzir / suspender a administração da oxitocina e/ou dessas circunstancias dar conhecimento à arguida B............., e que a sua não redução/suspensão ou não comunicação à arguida B............. pudesse colocar em grave perigo o corpo ou a saúde do D............. Na verdade, tudo lhe pareceu estar normal, no que às contracções e à frequência cardíaca diz respeito, não se justificando, no seu entender, nomeadamente, qualquer redução/suspensão da administração da oxitocina, o que sabia ter de fazer se as contracções fossem em número excessivo.

Assim, cremos que, também a prática do crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos, p. e p. no art.º 150º não se mostra indiciada. " 14ª - Ora, a não conformação com tal decisão decorre de fundamentação constante da mesma decisão - cf. fls. 799 -, donde resulta que: " Na verdade, perante a ocorrência de contracções para além do normal, e uma frequência cardíaca com algumas anomalias (perda de variabilidade e desacelerações discretas mas recorrentes), O QUE É CONFIRMADO CLARAMENTE PELOS MÉDICOS OBSTETRAS INQUIRIDOS, impunham as leges artis (...) que houvesse uma redução/suspensão da administração da oxitocina à parturiente, por forma a que diminuísse a frequência das contracções e o feto pudesse, em consequência, dispor de uma melhor oxigenação, e/ou fosse a médica obstetra informada das contracções excessivas e das anomalias cardíacas verificadas, para que pudesse tomas as medidas que entendesse por adequadas, sendo que a arguida C.............. assim não procedeu." 15ª - Resulta ainda da douta decisão recorrida - cf. fls. 802 -, " Quer a arguida, com os seus conhecimentos técnicos, enquanto enfermeira especialista na área em que estava a trabalhar, e com a sua já longa experiencia profissional, quer o "homem médio" ou a enfermeira média de assim quisermos, com os conhecimentos que a arguida C............. tem, colocadas naquelas circunstancias, deveriam ter-se apercebido da existência de um número excessivo de contracções e previsto que, na falta de redução/suspensão da administração da oxitocina, e na manutenção desta situação por algumas horas, tal poderia causar uma deficiente oxigenação do feto e tal poderia causar-lhe lesões como as que apresenta e, consequentemente, deveria ter reduzido/suspendido a administração da oxitocina ou comunicado tal factualidade à médica, para que esta pudesse decidir o que fazer".

16ª - Em face de tal entendimento, não pode deixar de considerar-se que a Enfermeira C............ violou um dever geral e objectivo de cuidado, consubstanciado no seguinte: atenta a sua qualificação e experiencia, o não se aperceber da existência de um número excessivo de contracções SÓ PODERIA TER OCORRIDO devido a incúria, a mera falta de consulta dos respectivos registos cardiotocográficos.

17ª - E só essa falta de acompanhamento devido do parto teria levado a que a mesma não tivesse percebido que havia circunstancias que tornavam necessário reduzir/suspender a administração da oxitocina e/ou dessas circunstancias dar conhecimento à arguida B.............

18ª - E que a mesma não tivesse percebido que a sua não redução/suspensão ou não comunicação à arguida B.............. pudesse colocar em grave perigo o corpo ou a saúde do D..............

Ocorre ainda que 19ª - Na avaliação desta ocorrência, a douta decisão não terá tido em conta a seguinte circunstancia: É que, nos termos dos Registos Clínicos do Hospital Distrital de ........... - cf. fls. 209, parte inicial, dos autos, resulta que "Ás 18 horas foi conduzida (a parturiente) ao Bloco Operatório para fazer epidural e recomeçou oxitocina, mas reagiu mal à oxitocina, fez uma bradicardia, suspendeu a oxitoxina durante mais ou menos 20 minutos e depois retomou " - cfr. Fls. 209, parte inicial.

20ª - Ou seja, pelas 18.00 horas, a Enfermeira C............... suspendeu a ministração de oxitocina, que DEPOIS FOI RETOMADA, DE FORMA INDEVIDA.

21ª - Circunstancia que motivou as lesões causadas ao D...............

22ª - Donde resulta que tal conjunto de actos e omissões configuram...

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