Acórdão nº 1839/06.9TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução14 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 17.3.2006 J...

intentou nas Varas Cíveis de Lisboa acção declarativa de condenação com processo ordinário contra K...

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Alegou, em síntese, que em 13 de Novembro de 2005 o Réu, na qualidade de presidente do XXX, no decurso de uma deslocação ao C..., proferiu um discurso em que fez afirmações ofensivas de jornalistas que "prometeu" identificar na televisão, em entrevista que tinha agendada na RTP Internacional. Tais afirmações, em que os ditos jornalistas eram apelidados de "jagunços", de "lixo", de "porcaria" e que eram pessoas sem valores de família, foram reproduzidas em diversos jornais desportivos nacionais. No dia 15 de Novembro de 2005 o Réu, em entrevista dada na RTP Internacional, referindo-se ao ora A., cujo nome mencionou, disse, entre outras coisas, que o A. era pago para dizer mal, nomeadamente com almoços, jantares e charutos. Tais declarações ofendem o A. na sua honra e consideração, sendo susceptíveis de causar descrédito e desconfiança junto do público. Pese embora a gravidade dos danos, o A. não pretende valorizá-los em termos pecuniários, pelo que requer a condenação do R. no pagamento de uma indemnização no valor simbólico de € 1,00.

O A. concluiu pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 1,00.

O Réu contestou, desmentindo as declarações que lhe são imputadas nos jornais e admitindo, relativamente às afirmações proferidas na televisão, apenas o que resultar da gravação de imagem e som da aludida entrevista. Considerou que as afirmações que lhe são atribuídas não podem ser julgadas ofensivas. Alegou que as declarações do Réu na entrevista em causa foram prestadas num contexto de resposta a diversas declarações do A. em artigos de sua autoria, que cita, essas sim lesivas da honra e consideração pessoal e profissional do Réu. Em reconvenção, e apenas para o caso de não ser absolvido do pedido, o Réu pediu que o A. fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais alegadamente causados por essas afirmações, a que atribui o valor de € 2 500,00, acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento. O Réu frisou que essa indemnização, cujo valor qualifica de simbólico, seria doada a uma instituição de caridade.

O A. respondeu à reconvenção, pugnando pela sua inadmissibilidade e bem assim pela sua improcedência, defendendo que os artigos que escreveu na imprensa não são ofensivos e não extravasam os limites do exercício legítimo da liberdade de expressão, de opinião e de imprensa.

O A. concluiu pela sua absolvição da instância reconvencional ou, caso assim não se entenda, pela sua absolvição do pedido.

A reconvenção foi admitida e o processo seguiu os seus termos.

Em 16.10.2008 foi proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente e consequentemente absolveu-se o A. do pedido e julgou-se prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: I. A sentença sob recurso viola o disposto nos artigos 70º, 483º e 484º do CC, uma vez que, relativamente ao recorrido, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, tendo este com as suas afirmações, injustificadamente, ofendido o recorrente na sua honra e consideração.

  1. A conduta do recorrido, ao conceder a entrevista em causa e ao proferir as declarações em causa (Facto Assente E. e ainda o Facto Provado 3, da Base Instrutória), consubstancia um acto voluntário do agente.

  2. E ilícito, tendo em conta o teor das declarações e o efeito dessas declarações na esfera jurídica do recorrente (facto provado 5. da Base Instrutória - "ao afirmar que o Autor é um opinador pago para dizer mal, o R. pretendeu afirmar que o A. não é isento e independente, que não pensa pela sua própria cabeça, que escreve aquilo que terceiros querem que ele escreva e que o mandam escrever.").

  3. Ao afirmar o que afirmou o recorrido pôs em causa a integridade e a credibilidade do recorrente, ofensivas dos seus direitos de personalidade, nomeadamente o seu bom nome e reputação.

  4. E nem se diga, como disse o tribunal a quo, que o recorrido agiu dentro dos limites da liberdade de expressão, porque se limitou a emitir um juízo de valor quanto à forma como o recorrente exerce a sua profissão, pois as afirmações do recorrido, extravasam manifestamente os limites da crítica legítima.

  5. A crítica objectiva é legítima "enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores." (Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e inviolabilidade Pessoal. Uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora, pg 233).

  6. Ora, o recorrido limitou-se a acusar genérica e levianamente o recorrente, sem qualquer ligação concreta a actos e prestações deste, atingindo-o indiscriminadamente na sua honra e dignidades pessoais.

  7. E nem se diga que a referência ao "caso do M" ou o facto de as declarações do recorrido terem surgido como resposta a declarações anteriores do recorrente, são suficientes para colocar a conduta do recorrido dentro dos limites da liberdade de expressão, pois só assim seria se permitissem enquadrar as referidas declarações dentro dos limites da crítica objectiva, o que não acontece.

  8. No que respeita ao pressuposto da culpa, dúvidas não podem existir de que o recorrido sabia o que estava a dizer e que o disse com intenção de ofender (facto provado 5. da Base Instrutória), pelo que estamos perante uma actuação voluntária e dolosa, na modalidade de dolo necessário, se não mesmo directo.

  9. Os últimos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual -dano e nexo de causalidade - resultam igualmente provados - Facto Provado 6. da Base Instrutória: "O A. sentiu-se vexado e revoltado ao ler as afirmações proferidas pelo R. na entrevista referida em E) e as afirmações imputadas ao R. que teriam sido proferidas no dia 13 de Novembro de 2005, durante um discurso proferido no almoço realizado na C do XXX em T." XI. O recorrente sentiu-se vexado e revoltado ao ler as afirmações proferidas pelo recorrido na entrevista supra identificada, sendo que tais danos são suficientemente graves para merecer a tutela do direito, nos termos do artigo 496º, n.º 1 do CC.

O apelante concluiu pedindo que a sentença recorrida seja revogada e o recorrido condenado nos termos peticionados.

O apelado contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. A discussão do caso em apreço tem especial actualidade e pertinência, porque nele se cuida de saber se devem ou não ser iguais os limites ao exercício do direito de opinião: 1.1. Quando exercido por opinion makers, como é o Autor e Recorrente - que o fazem constantemente, com recurso à tribuna privilegiada que são os media, à qual os demais cidadãos não têm acesso (pelo menos em termos minimamente equiparáveis) e sobretudo sem debate nem contraditório imediato.

1.2. E quando exercido pelos visados nessa opinião, como é o caso do Réu, Reconvinte e Recorrido - mesmo quando são figuras públicas, em resposta à opinião do opinion maker, para mais num tempo diferente, por via de regra sem a mesma mediatização, visibilidade, impacto e difusão junto do público.

Antes, porém, importa apreciar o seguinte: 2. Da inadmissibilidade do recurso: 2. O art° 678 n.° 1 do CPC, só permite recurso das decisões desfavoráveis ao recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal a quo.

Evidentemente, 3. Isso não ocorre neste caso - porque a indemnização peticionada pelo Recorrente foi de apenas € 1,00, sendo apenas nessa escassa medida que a decisão recorrida lhe foi desfavorável.

4. E não serve de argumento ao Recorrente dizer que os interesses que invocou são imateriais - porque, como bem fez questão de frisar o Tribunal a quo (fls. 415 a 417 da Sentença), isso não é verdade.

É que, 5. Para além do caso em apreço não ter cabimento na previsão do art.° 312º do CPC, ao escolher o regime da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização para exigir ao Recorrido uma satisfação, foi o próprio Recorrente a escolher uma via de reparação material e assim, foi ele próprio a materializar o assunto.

6. Como dito na douta Sentença recorrida, se o Recorrente queria uma satisfação não material devia ter participado criminalmente do Recorrido. Deste modo, 7. De acordo com o art.° 687º n.º 4 do CPC, deve o presente recurso ser julgado inadmissível, com todas as legais consequências.

Sem conceder: 3. Da improcedência dos fundamentos do recurso: Não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil.

3.1. Do pressuposto ilicitude: Como bem se considerou na douta Sentença (fls. 428 e 429), 8. Contrariamente ao que diz o Recorrente, na entrevista em causa o Recorrido não visou a pessoa daquele, mas sim os seus actos: as suas colunas de opinião, o modo como ele exerce a sua actividade, que (como se provou sob o n.° 5 dos factos provados na Sentença) o Recorrido não considera isento e sim condicionado por terceiros.

9. A argumentação do Recorrente é, também, tendenciosamente incongruente com a que usa em sua defesa, pois já considera visar a obra e não a pessoa nos seus artigos de opinião (n.°s 9 a 12 dos factos provados da Sentença), que incluem expressões, essas sim claramente dirigidas à pessoa, como, entre outras: personagem de farsa, alarvemente largou da boca para fora e não precisa de se esforçar muito com maneiras, coerência e medo do ridículo.

Além do mais, 10. O Recorrente não pode argumentar que o Recorrido não especificou casos concretos - por um lado, porque isso não é verdade, tanto assim que na entrevista foi, por exemplo, referido o caso M; e por outro, porque o Recorrido podia e quis, precisamente, criticar a actuação do Recorrente enquanto regra.

11. O Recorrente também não pode dizer que a crítica de falta de isenção, feita pelo Recorrido, é tão lesiva para um comentador ou...

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