Acórdão nº 343/05.7TAVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução27 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 343/05.7TAVNF.P1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. Nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº ..../07.1TBVNG, a correr termos no .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foi proferida, em 14/10/2008, sentença (fls. 738 a 750), constando do dispositivo o seguinte: Pelo exposto, julgo a acção penal provada e, em consequência:

  1. Condeno o arguido B.........., como co-autor material de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artº 107º, nº 1 e 105º, nº 1 da Lei nº 15/2001, de 05/06, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00 €, perfazendo a multa de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros).

  2. Condeno o arguido C.........., como co-autor material de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artº 107º, nº 1 e 105º, nº 1 da Lei nº 15/2001, de 05/06, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00 €, perfazendo a multa de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros).

  3. Condeno a sociedade D.........., Lda, pela prática de um crime de crime de abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. p. artº 107º, nº 1, 105º, nº 1, 7º, nº 1 do RGIT, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 25,00 € (vinte e cinco euros), perfazendo a multa de 7.500 € (sete mil e quinhentos euros).

  4. São os arguidos são responsáveis pelo pagamento das custas do processo, com 5 UC de taxa de justiça, acrescida de 1%, nos termos do artº 13º, nº 3 do Decreto-Lei nº 423/91, de 30/10 e 1/4 de procuradoria.

  5. Julgo o pedido de indemnização civil provado e, em consequência, condeno os demandados D.........., Lda, B.......... e C.......... a pagar ao demandante a quantia de 59.264,62 € (cinquenta e nove mil duzentos e sessenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados nos termos do Decreto-Lei nº 73/99, de 16/03, até integral pagamento.

Custas cíveis a cargo dos demandados.

Boletins ao registo criminal.

Deposite.

(...)*2. Não se conformando com essa sentença, os arguidos D.........., Ldª, B.......... e C.......... conjuntamente interpuseram recurso (fls.791 a 808), formulando as seguintes conclusões: "1- Os recorrentes pretendem, com a interposição do presente recurso e além da alteração do sentido da douta sentença condenatória, impugnar e alterar a douta decisão proferida sobre a matéria de facto, o que é viável face à prova gravada.

2- Os recorrentes põem em causa o julgamento dos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos provados elencados na douta sentença recorrida, uma vez que nunca os arguidos admitiram que procederam a qualquer desconto ou retenção nos salários pagos aos trabalhadores da sociedade arguida, nem muito menos admitiram a obtenção de qualquer benefício para a sua representada, conforme se pode constatar através da audição dos seus depoimentos, «tendo os mesmos sido gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste tribunal» (vd. Acta de fls. 725 a 727), em que apenas e só é reconhecido que o valor da dívida da sociedade arguida à Segurança Social corresponde ao montante invocado no douto despacho de acusação, mas nada mais do que isso.

3- Compulsado o depoimento da testemunha de acusação E.........., Inspector da Segurança Social, apenas confirmou o teor da folha de férias, nada podendo comprovar quanto à aludida apropriação ilícita, conforme também consta do respectivo depoimento, «tendo os mesmos sido gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste tribunal» (vd. Acta de fls. 726).

4- É manifesto que a douta decisão sobre a matéria de facto que levou à prolação da douta sentença recorrida assenta em prova que não existe, tendo os depoimentos prestados em audiência e já referidos sido indevida e erradamente apreciados e valorados, no sentido de sustentar a acusação, apesar de, na verdade, não permitirem essa sustentação, face ao que já se disse e está gravado e que impõe decisão totalmente diversa da proferida.

5- Não estando provada a retenção (e consequente apropriação) cuja autoria é atribuída aos arguidos, tudo o mais cai pela base.

6- Conforme resulta de uma audição atenta da prova gravada, todos disseram que a sociedade arguida não dispunha dos meios financeiros para efectuar o pagamento dos impostos em falta, apenas tendo meios para efectuar o pagamento dos salários líquidos (ou seja sem qualquer retenção), tanto mais que os próprios arguidos não conseguem receber da empresa a respectiva remuneração (vd. nº 8 dos factos provados).

7- Não havendo dinheiro, não pode haver as consequentes retenção e apropriação, com as inevitáveis implicações no sentido da absolvição dos arguidos.

8- A instauração e prosseguimento do presente procedimento criminal são manifestamente inconstitucionais.

9- O Estado tem adoptado uma prática lamentável de subsidiar empresas públicas ou de capitais públicos para que estas «cumpram» os seus deveres para com a Segurança Social e as Finanças, como, a título de exemplo, têm sido os casos da TAP, da RTP e da ParqueExpo, atribuindo a tais empresas «ajudas» de dezenas ou centenas de milhões de euros para que estas cumpram as dívidas fiscais e evitem assim que os seus representantes legais sejam objecto dos correspondentes procedimentos criminais.

10- Mas, o Estado continua a perseguir criminalmente os gestores privados que não cumprem tais obrigações.

11- É, pois, o Estado a acentuar o carácter irreversivelmente inconstitucional de processos como o dos presentes autos, violando de forma intolerável os princípios da legalidade e da igualdade (consagrados nos arts. 12 e 13 da CRP) dos cidadãos perante a Lei e perante os Tribunais, uma vez que distingue e trata de forma inaceitavelmente dispare os gestores consoante são privados ou públicos.

12- Desta forma, concluem os recorrentes pela inconstitucionalidade quer das disposições legais ao abrigo das quais se pretende punir os arguidos quer da actuação do Estado e da Segurança Social no âmbito dos presentes autos e sempre pela sua absolvição.

13- Por outro lado, o pseudo-fundamento dos presentes autos configura uma prisão por dívidas, há muito afastada do nosso ordenamento jurídico e também ela claramente inconstitucional, uma vez que, está implicitamente consignada nos artigos 27 e 28 da Constituição de 1976 a proibição da prisão por dívidas.

14- Os recorrentes não podem subscrever o entendimento constante da douta sentença que se limita a transcrever, quase na íntegra, a douta acusação, que parte de elementos meramente formais, para, sem proceder à sua confirmação e comprovação efectivas com a realidade dos factos, fazer imputações aos arguidos que não têm qualquer correspondência com a realidade e não resultam da prova efectuada nos autos.

15- A afirmação feita na douta sentença recorrida (de que os arguidos procederam a descontos nos salários dos trabalhadores que se encontravam ao seu serviço) não encontra qualquer reflexo na realidade factual.

16- O que sucedeu efectivamente e resulta da prova efectuada nos autos foi a D.........., Ldª não ter meios financeiros disponíveis para cumprir todas as suas obrigações (inclusive para as retribuições dos próprios arguidos - vd. nº 8 dos factos provados), tendo optado, considerando as circunstâncias concretas, por efectuar o pagamento atempado e integral dos salários dos seus trabalhadores, em detrimento da retenção dos valores correspondentes às contribuições respectivas, para a qual (retenção) não tinha disponível o correspondente meio de pagamento.

17- A retenção aparentemente operada foi meramente contabilística, constante das folhas de férias entregues nos serviços da Segurança Social, não tendo havido, ab initio, qualquer dedução/retenção efectiva dos montantes das contribuições devidas, pelo que falta, desta forma, um elemento essencial, constitutivo do tipo legal do crime imputado aos arguidos - a dedução do valor em causa e a sua subsequente e consequente apropriação.

18- Ora, não tendo deduzido efectivamente tais montantes, a sociedade não os cobrou, e consequentemente não puderam os arguidos apropriar-se de uma coisa, in casu dinheiro, que nunca chegou a entrar na sua esfera jurídica, e que, por esse facto, nunca puderam dispor de tal numerário, o que se mostra, além de tudo o mais, decisivo para que aos arguidos não possam ser imputados os crimes dos autos.

19- Resulta da prova efectuada nos autos que nunca os arguidos se apropriaram do que quer que seja quanto às contribuições devidas à Segurança Social, nem tal suposta apropriação teria sido possível, em face da inexistência de meios de pagamento suficientes para que os arguidos tivessem operado de modo efectivo (e não meramente formal e contabilístico) às retenções que lhe eram impostas por lei.

20- Não tendo havido essa retenção efectiva nem a subsequente apropriação, impõe-se concluir que os arguidos estão a ser indevidamente objecto de procedimento criminal.

21- Assim, não está verificada a apropriação supostamente ilícita imputada aos arguidos.

22- Impõe-se também concluir também pela inexistência de outro elemento essencial para que o tipo legal de crime de abuso de confiança se verifique: o dolo.

23- Em momento algum, os arguidos tiveram intenção de se apropriar, nem efectivamente se apropriaram, do numerário correspondente aos valores das contribuições que deveriam ter sido deduzidas nos salários dos trabalhadores.

24- Resulta também comprovado nos autos que nunca os arguidos quiseram apropriar-se de tal numerário, sendo que, mesmo se se admitisse que este existia na disponibilidade financeira da empresa (o que não se concede, nem concebe), o mesmo teria sido aplicado na satisfação de muitas necessidades de tesouraria que a empresa, desde há largos anos...

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