Acórdão nº 142/07.1PAMGR-B.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução01 de Abril de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

10 I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da comarca da Marinha Grande corre termos o inquérito nº 142/07.1PAMGR, em que são arguidos, além de outros, …, casado, operário da construção civil, nascido a 12 de Dezembro de 1957 na Praia, Cabo Verde, …, solteira, empregada de limpeza, nascida a 15 de Março de 1968 em São Salvador, Cabo Verde, e …, solteira, estudante, nascida a 29 de Maio de 1988 na Praia, Cabo Verde.

Existindo nos autos indícios de terem os arguidos, e outros, em co-autoria, praticado um crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, aos dois primeiros foram aplicadas as medidas de coacção de termo de identidade e residência e prisão preventiva, e à terceira arguida foram aplicadas as medidas de coacção de termo de identidade e residência e obrigação de apresentação diária no OPC da área da sua residência.

No dia 11 de Setembro de 2008 a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que os autos são já compostos por mais de 3260 folhas, têm quinze arguidos constituídos sete dos quais sujeitos a prisão preventiva, têm vários processos apensados sendo ainda previsível a apensação de mais alguns em ordem à dedução de acusação pela prática de um único crime de tráfico, e decorrem várias diligências com vista à determinação das relações entre os arguidos e à inquirição de testemunhas que lhes tenham adquirido produtos, promoveu que, nos termos do art. 215º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, fossem qualificados de especial complexidade.

Os arguidos B..., A... e H..., alegando a existência de seis arguidos privados da liberdade desde 12 de Maio de 2008, o início da investigação em Fevereiro de 2007, com a realização desde então de intercepções telefónicas, vigilâncias, detenções e inquirições de testemunhas, nada mais há a investigar e não se vê que a actuação dos arguidos revele carácter altamente organizado, concluíram pela não qualificação do processo como de especial complexidade.

Por despacho de 24 de Outubro de 2008, foram os autos qualificados como de excepcional complexidade e, em consequência, determinado que a duração máxima dos prazos de prisão preventiva bem como de outras medidas de coacção passassem a ser os previstos nos arts. 215º, nº 3 e 218º, do C. Processo Penal.

Inconformados com o decidido, os arguidos B..., A... e H... recorreram deste despacho, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

  1. Na nova redacção da Lei Processual Penal, revogado o artigo 54º supra citado, a especial complexidade só pode ser declarada durante a 1ª instância e ouvidos os arguidos, artigo 215º nº 4 do C. P. P.

  2. Refere o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/0112005 que: 3.

    A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo. considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.

  3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o numero de intervenientes processuais, a deslocação de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais. ou a intensidade de utilização dos meios.

  4. No mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/05/2005 6. "A gravidade das consequências que decorrem para os arguidos da declaração de especial complexidade do procedimento. a que se refere o nº 3 do artigo 215º do C.P.P.,(…) impõe que ela só ocorra nos termos restritos, precisos e de natureza extraordinária, que aquela norma prevê.

  5. Não há fundamento para tal declaração num processo: - com cinco arguidos e vinte testemunhas indiciadas pela acusação - em que o enunciado dos factos constante da acusação não é muito longo, nem apresenta complexidade fora do normal em casos semelhantes; (…)" (fim de citação) 8. Ora, no caso dos autos, existem 6 arguidos, privados da LIBERDADE desde 12 de Maio de 2008.

  6. Existem, nos autos, intercepções telefónicas os telemóveis dos arguidos.

  7. Existem, vigilâncias e detenções.

  8. Na verdade, à data da detenção dos arguidos, já tinha decorrido mais de um ano (a investigação inicia-se em Fevereiro do ano 2007) de recolha de indícios da prática de ilícitos.

  9. Há mais de um ano que se compilaram depoimentos de testemunhas e intercepções telefónicas acompanhadas de vigilâncias que culminaram nas detenções e apreensões.

  10. Que mais haverá a investigar? 14. Decorridos 4 meses das suas detenções, não haverão mais intercepções telefónicas, vigilâncias, detenções e apreensões aos arguidos porque a estes nada mais poderá ser investigado.

  11. Aliás, a investigação, de tão exaustiva e completa que foi, esgotou em si mesmo, todas as diligências probatórias/indiciárias finalizando na operação policial de onde resultou a detenção dos arguidos.

  12. Nem se diga que existe "especial complexidade" por, no caso dos autos, o crime em apreço ser tráfico de estupefacientes, e este estar equiparado a crimes altamente organizados. O novo artigo 215º nº 3 refere, nomeadamente, como caso de "especial complexidade" o carácter altamente organizado dos agentes no cometimento do ilícito.

  13. Ora o nº 2 do artigo 215º do C.P.P., tanto na antiga como na nova redacção, exige. para o aumento dos prazos de prisão preventiva em relação ao nº 1 do mesmo disposto, que estejamos perante casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada.

  14. Ao que parece então, a criminalidade altamente organizada tanto pode se revestir de especial complexidade (artigo 215º nº 3 do C.P.P.) como no (artº 215º nº 2 do C.P.P.).

  15. Qual ou quais actuações dos arguidos revelam carácter altamente organizado? 20. É LEGÍTIMO À DEFESA PERGUNTAR, O QUE FOI FEITO NESTES ÚLTIMOS 4 MESES.

  16. No processo da 4ª Vara Criminal de Lisboa, que correu termos sob o nuipc 24/06.4 TELSB, também de crime de tráfico de droga, com mais de 100 quilos de cocaína apreendidos, com inúmeras vigilâncias, inúmeras intercepções telefónicas, com 6 arguidos de 3 nacionalidades e respectivas línguas diferentes, NÃO FOI DECLARADA ESPECIAL COMPLEXIDADE, entendendo-se por apenas alguma complexidade, própria do crime, mas em bom rigor, sem que tenha exigido, tanto aos órgão de policia judiciária, bem como às autoridades Judiciárias, um esforço complementar pelo tamanho físico do processo ou pelo esquema organizado utilizado pelos agentes no cometimento do crime em causa.

  17. Refere ainda o Meritíssimo Juiz, no seu douto despacho, que há que distinguir a noção de "carácter altamente organizado" com a noção de "criminalidade altamente organizada".

  18. Refere assim que: "Diferentemente, o carácter altamente organizado do crime", reporta-se ao concreto "modus operandi" seguido pelo arguido, que só será merecedor de tal qualificação quando se revele a tal ponto sofisticado ou elaborado, em termos de tornar mais sensivelmente mais difícil do que é usual a prova dos factos e da identidade dos seus agentes.

    " (fim de citação).

  19. Ainda que a "especial complexidade" deva ser determinada em função do processo em si, há que deixar referido a simplicidade da investigação que nestes casos (leia-se tráfico de droga) se tomou até corriqueiro, ex: escutas telefónicas, vigilâncias, escutas telefónicas e mais vigilâncias … 25. Não nos parece que possa o caso concreto ser revestido de especial complexidade, por definitivamente não a ter.

  20. Assim deverá ser retirado ao processo a especial complexidade.

    Violaram-se: • Artigo 215º nº 3 do C.P.P., por se ter decretado a especial complexidade no processo pelo carácter altamente organizado sem que houvesse fundamentos para tal.

    • Artigo 215º nº 2 do C.P.P., por ser este o artigo correctamente a aplicar devendo o prazo máximo de inquérito ser 6 meses e sem especial complexidade.

    Nestes termos deve o presente recurso obter provimento, por provado, retirando-se ao processo o carácter de especial complexidade com todas as suas consequências legais.

    (…)”.

    Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da sua contramotivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

  21. A propósito do art. 215º, nº. 3, do Código de processo Penal, ainda em vigor, refere-se no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/1/2005 (in www.dgsi.pt) que: "a noção de “excepcional complexidade” do artigo 215º, nº. 3, do Código de Processo Penal está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz no essencial, em avaliação prudencial sobre factos; a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e...

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