Acórdão nº 758/07.6TBOHP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelDR. ARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução03 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra "A...", intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra B... e C... , já todos identificados nos autos, pedindo a condenação, solidária, dos réus a pagarem-lhe a quantia de 6.883,90 €, de capital em dívida, acrescida da de 320,13 €, de juros de mora vencidos até à data da propositura da acção, a de 12,81 € de imposto de selo sobre estes juros e ainda os juros de mora vincendos, sobre o capital, à taxa anual de 14,49%, desde 07 de Dezembro de 2007 e até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Para tanto, alegou que, no exercício da sua actividade comercial, em 27 de Julho de 2004, emprestou ao 1.º réu, a quantia de 9.544,20 €, para aquisição de um veículo automóvel, com juros à taxa nominal de 10,49%, ao ano, acrescida de uma indemnização correspondente à taxa de juro ajustada, acrescida de 4%, a ser reembolsada em 72 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Setembro de 2004 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, no montante mensal de 184,70 €.

Foi acordado que a falta de pagamento de uma das prestações implicava o vencimento das demais, mas não obstante, o 1.º réu não pagou a 36.ª e seg.s, vencida, a primeira, em 10 de Agosto de 2007, o que confere ao autor o recebimento das quantias peticionadas, por assim contratado.

Alega que a responsabilidade do ora 2.º réu, advém da sua qualidade de fiador do 1.º réu.

Contestando, o 1.º réu, aceitou a existência do contrato celebrado entre si e o autor, mas alegou a excepção de não cumprimento do contrato, com o fundamento em que, na execução daquele contrato, o autor e a vendedora tratariam de toda a documentação necessária à formalização do negócio e inerente à transferência da propriedade sobre tal veículo, para o adquirente, o que não se veio a verificar, já que não lhe foi entregue o livrete nem o título de registo de propriedade, do que alertou a vendedora, que não resolveu a situação, alegando que o autor lhos não tinha enviado, tendo vindo, posteriormente, a apurar que a propriedade do veículo que adquiriu se encontrava registada a favor de uma terceira entidade bancária e cedido em regime de locação financeira a uma outra pessoa, em função do que deixou de pagar as prestações acordadas, por não poder utilizar o veículo, pugnando pela improcedência da acção.

Deduziu pedido reconvencional contra o autor pedindo a condenação deste a pagar-lhe as quantias correspondentes ao que lhe havia pago e requereu a intervenção provocada da vendedora, o que tudo foi liminarmente indeferido, cf. despacho de fl.s 58, já transitado em julgado.

Respondendo, no início da audiência, o autor, alegou que se limitou a enviar à vendedora, com a qual não tem qualquer contrato de exclusividade, os impressos para a formalização do negócio, depois de acordados os respectivos termos, tendo, ainda, exigido, que fosse estabelecida a seu favor a reserva de propriedade e não obstante figurar na declaração de venda como vendedor, o certo é que nunca o adquire nem o vende, limitando-se a sua acção a financiar a aquisição, por parte do comprador.

Mais alega que não procedeu ao registo da aquisição a favor do ora 1.º réu, porque a vendedora, não obstante lhe ter enviado o título de propriedade e o livrete do veículo, nunca lhe enviou a rescisão do contrato de locação financeira que se encontrava registada sobre o dito veículo, o que era imprescindível para a feitura do registo de reserva de propriedade a seu favor e da aquisição a favor do comprador, do que lhe deu conhecimento e face ao que conclui que a não realização dos aludidos registos não lhe pode ser imputada.

Mais alega que a acção sempre teria de proceder porque a obrigação de entregar os documentos do veículo não constitui prestação correspectiva ou recíproca da obrigação do réu de lhe pagar as prestações para reembolso do crédito que lhe concedeu, o que somado ao facto, já referido, de não ter contrato de exclusividade com a vendedora, implica que não se verificam os pressupostos para operar a pretendida excepção de não cumprimento do contrato, por parte do 1.º réu.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, tendo-se procedido à gravação dos depoimentos nela prestados.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 130 a 149, na qual se procedeu ao saneamento dos autos, se fixou a matéria de facto dada como provada e respectiva motivação, se aplicou o direito e se decidiu pela improcedência da presente acção, com a consequente absolvição dos réus do pedido, ficando as custas a cargo do autor.

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso o autor, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 105), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1. O contrato dos autos foi incumprido pelo 1.º réu ora recorrido nos autos. Porque incumpriu o contrato devia e - deve - o mesmo ser condenado no pedido formulado na acção.

  1. Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, a pretensa falta de recebimento dos documentos do veículo, não constitui nem poderia constituir fundamento para o não cumprimento - excepção de não cumprimento - pelo 1.º réu, ora recorrido, do contrato de mútuo que celebrou com o autor, ora recorrente.

  2. É que a obrigação de entregar o veículo automóvel dos autos em condições e com a documentação necessária para a realização dos respectivos registos, não constitui prestação correspectiva, correlativa ou recíproca da obrigação do 1.º réu, ora recorrido, em pagar ao autor, ora recorrente, as prestações acordadas no contrato de mútuo do autos.

  3. A obrigação do 1.º réu de pagar ao autor as prestações em débito constitui prestação correspectiva ou recíproca da obrigação do autor lhe conceder financiamento, prestação, essa, que o autor cumpriu inteiramente.

  4. O autor não incumpriu pois com as suas obrigações, pelo contrário, cumpriu inteiramente com aquilo a que se obrigou com o 1.º réu, ou seja, emprestou-lhe a dita quantia de 9.544,20 € com vista à aquisição por ele do veículo identificado no contrato dos autos, ao contrário do que se pretende.

  5. Não se verificam pois os pressupostos da excepção de não cumprimento relativamente às prestações do contrato de mútuo dos autos. O recorrente nada vendeu ao recorrido. Concedeu-lhe um empréstimo.

  6. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 428.º CC já que a excepção invocada pelo recorrido não é correspectiva ou correlativa do contrato de mútuo dos autos.

  7. Ao contrário do que se pretende na sentença recorrida a constituição da reserva de propriedade foi solicitada pelo autor a título de mera garantia e acordada entre o fornecedor do veículo dos autos e o 1.º réu, o qual assinou o documento necessário à sua constituição.

  8. A não indicação no contrato de crédito que tenha por objecto financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações do acordo de reserva de propriedade gera quando muito a inexigibilidade da dita reserva de propriedade.

    10.º. Deve, consequentemente, julgar-se procedente o recurso e substituir-se a sentença recorrida por acórdão que julgue a acção procedente e provada, desta forma se fazendo correcta interpretação da prova produzida e da matéria de facto que se deve considerar provada nos autos e, assim, se fazendo Justiça.

    Contra-alegando, o recorrido, pugna pela manutenção da decisão em análise, apoiando-se nos fundamentos na mesma invocados.

    Colhidos os vistos legais, há que decidir.

    Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir: A) Saber se o réu pode, ou não, socorrer-se da excepção de não cumprimento do contrato e; B) Eficácia da cláusula de reserva de propriedade estabelecida a favor do autor.

    São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida: 1.

    No decurso do mês de Julho de 2004, o réuB... contactou a sociedade comercial "D...

    ", com sede em X...Oliveira do Hospital, no sentido de proceder à aquisição de um automóvel ligeiro.

  9. Em todos os contactos havidos com a dita sociedade o réuB... contactou com o gerente da mesma, G....

  10. Este apresentou-lhe um veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca RENAULT, modelo CLIO 1.2, 16V, série TECHROA, com a matrícula 00-00-RX.

  11. A propriedade do veículo está registada na C.R. de Automóveis, desde 05/03/2003 e até ao presente, a favor da sociedade "E...

    ", sendo objecto de locação financeira da qual é locatário F...

    .

  12. O réu B... ficou interessado na aquisição do veículo e acordou o preço com o referido G...

    .

  13. Dado que o réu B... não dispunha do montante necessário para a compra, o referido G... - em representação da sociedade de que era gerente -propôs ao réu B... a obtenção de financiamento junto da autora.

  14. Informou-o de que todos os contactos e diligências com a autora seriam efectuados pela sociedade do dito G....

  15. Assim, sem intervenção do réu B..., foi apresentada ao réuB... a proposta de crédito já integralmente preenchida que este se limitou a...

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