Acórdão nº 1131/01.5TASTS de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 1131/01.5TASTS Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório No processo comum com intervenção de tribunal colectivo com nº 1131/01.5TASTS no qual, e para além de outros, havia sido condenado o arguido B.........., devidamente identificado nos autos, pela prática, nomeadamente, de um crime (continuado) de abuso de confiança em relação à Segurança Social, foi proferido despacho que indeferiu a reabertura da audiência para dar cumprimento ao disposto na al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, mas ordenou a notificação daquele arguido, ao abrigo dessa norma, para, em 30 dias, proceder ao pagamento à segurança social das contribuições em dívida que haviam sido mencionadas na acusação, bem como dos respectivos juros e eventual coima, e comprovar nos autos tal pagamento.

O arguido veio arguir a nulidade desse despacho por entender que a notificação ordenada não pode substituir a que a norma em referência impõe e que tem de ser efectuada pela administração fiscal.

Essa nulidade veio a ser indeferida por despacho que considerou que a omissão da notificação do contribuinte faltoso não configura o vício invocado, além de não resultar do normativo em questão que tal notificação incumba, pelo menos em exclusivo, a uma entidade administrativa.

Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o arguido, pretendendo a sua revogação e substituição por outro que julgue procedente a nulidade arguida e, consequentemente, nula a notificação que lhe foi efectuada, para o que apresentou as seguintes conclusões: Conclusões: A. Em 15 de Setembro de 2008, o arguido requereu, a reabertura da audiência de julgamento no âmbito do processo supra epigrafado, para que unicamente lhe pudesse ser aplicado artigo 105 n° 4 do RGIT, uma vez que se tratava de um regime mais favorável.

  1. Em l de Outubro de 2008, por despacho de fls.... o Meretissimo tribunal "a quo", entendeu não ser necessária a reabertura de tal audiência, aplicando no entanto o regime mais favorável, do artigo 105 n°4 do RGIT, conforme o arguido tinha peticionado.

  2. O Mmo. Tribunal "a quo" indeferiu a nulidade suscitada, fundamentando, com o argumento de que é irrelevante que entidade é que notifica o arguido nos termos e para os efeitos do artigo 105. n° 4 al. b) do RGIT.

  3. No Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ, de 9 de Abril de 2008, o Ex.mo Procurador Adjunto refere que tal ónus de notificação impende sobre a Administração Fiscal.

  4. Tal posição parece ser perfilhada pelos Ex.mos Senhores Juízes da Relação de Coimbra, que para tanto usam o seguinte argumento "...após intimação da Administração..." F. Os próprios Digníssimos Juízes Conselheiros do STJ, referem em tal douto Ac. "Pretendeu-se alcançar tal objectivo fazendo surgir para a Administração Fiscal, a obrigação de notificar o contribuinte em mora..." G. Com tal entendimento, o Mmo. Tribunal "a quo" violou o Ac. Uniformizador de Jurisprudência supra citado, sendo assim manifestamente ilegal.

  5. Mas não só I. Tal despacho viola ainda o imperativo constitucional do Principio da Separação de Poderes, plasmado no artigo 2° da CRP.

  6. Isto porque K. o Tribunal é um Órgão de soberania que se insere no poder judicial, dotado nomeadamente de independência L. Não se inserindo assim no poder administrativo, nem estando vinculado a este M. Ao ordenar a notificação o Tribunal extravasou as suas competências, "misturando-se com o Poder administrativo, nomeadamente com a Administração Fiscal.

  7. Pondo com tal actuação em causa o preceituado no artigo 2, 182, 202 e 203 da C.R.P O. A nulidade invocada pelo arguido, não é uma nulidade processual penal.

  8. Não se insere nos artigos 118, 119, e 120, do C.P.P. por tal motivo.

  9. Trata-se de uma nulidade geral, uma vez que o acto praticado pelo Tribunal "a quo" não se insere no âmbito do processo penal.

  10. E assim invocável a todo o tempo.

Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência do recurso, concluindo como segue: 1- O arguido, inconformado com o douto despacho de fls. 675 a 678 dele vem interpor o recurso de fls. 638 a 643, 2- Nele defende que a notificação referida no art. 105.°, n.° 4 do RGIT cabe à administração fiscal e não ao tribunal, tendo sido violado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, de 9 de Abril de 2008, atenta separação de poderes entre os diversos órgãos do Estado, pelo que, embora tal não constitua uma nulidade processual, constitui uma nulidade geral, uma vez que o acto praticado pelo Tribunal "a quo" não se insere no âmbito do processo penal.

3- Em contrário do defendido peio recorrente, o recurso deverá subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, conforme o disposto nos arts. 406.°, n.° 2; 407.°, n,° 1, al. b) e 408.°, a contrario, todos do CPP, pois a situação não se enquadra na previsão do art 408.°, n.° 2, al. c) deste diploma legal, na medida em que no despacho recorrido não foi determinado o cumprimento da pena de prisão.

4- Concorda-se com o referido pelo recorrente quando afirma que a nulidade invocada não é uma nulidade processual penal.

5- De facto, atentando-se no art. 118.° do CPP, temos que as nulidades processuais penais estão sujeitas ao princípio da legalidade, o que significa que apenas as como tal cominadas pelas normas processuais assim devem ser consideradas, não se divisando que a invocada nulidade conste do acervo das nulidades.

6- A invocada nulidade constituiria, na perspectiva do recorrente, a nulidade geral, conceito este que o recorrente não explicita.

7- Ora, tal nulidade inexiste no nosso ordenamento jurídico, antes, dado o teor das conclusões do recurso, se aventando a possibilidade de o recorrente pretender invocar a incompetência material do tribunal para a prática da notificação.

8- Porém, caso seja esta a perspectiva do recorrente, nem assim lhe assistirá razão.

9- De facto, crê-se que a referência no n.° 4 do supra referido art. 105,° da notificação pela administração fiscal se deve apenas a uma menos rigorosa técnica legislativa, na medida em que os procedimentos que implicam tal notificação não respeitam apenas a processos que corram seus termos nos serviços tributários, antes também os que correm seus termos ma segurança social.

10- De qualquer das formas, não se pode olvidar que qualquer uma dessas instituições, designadamente a administração fiscal, quando pratica o acto de notificação, o faz nos termos de competência delegada pelo Ministério Público, conforme decorre do disposto nos arts. 40.°, 41,° e 43.° do RGIT.

11- Porque assim, se a prática do acto pode ser levada a cabo pelo órgão delegado, manifestamente, que o pode ser também pelo órgão delegante e ad maiorem pelo tribunal, como sucedeu no caso em apreço.

12- Neste sentido, ou seja, de que a notificação em causa pode ser efectuada pelo tribunal, vejam-se os Acs. do STJ, de 30/10/07; 20/12/07 e 21/02/07, in www.dgsij.pt, bases de dados do ITIJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

13- Nem se diga que a decisão recorrida não respeitou a decisão do invocado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, nem deixou de decidir em conformidade com a também referida pelo recorrente, porquanto, atentando-se no conteúdo daquela, verifica-se que a questão submetida à apreciação do tribunal ad quem não foi objecto de decisão no invocado aresto, antes a referência à notificação pela administração fiscal é meramente incidental.

14- Nesta conformidade, porque manifestamente improcedente, deve o recurso ser rejeitado, tal como o impõe o art. 420.°, n.° 1, al. a) do CPP.

O recurso foi admitido, tendo sido sustentado tabelarmente o despacho recorrido.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto suscitou, como questão prévia, a ilegitimidade do recorrente por entender que a decisão recorrida não se enquadra na previsão da al. b) do nº 1 do art. 401º do C.P.P., não devendo, por isso, ser conhecido o recurso. Para a eventualidade de se entender diversamente, foi de parecer que o recurso não deve proceder, subscrevendo a resposta do MºPº na 1ª instância.

Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o recorrente apresentado resposta, na qual, além de reiterar o entendimento de que a nulidade invocada deve ser conhecida, na medida em que, a nível material, a notificação feita pelo tribunal, pelo extravaso das competências deste, lhe é prejudicial, veio suscitar outra questão, provocada pelo facto de, entretanto, ter entrado em vigor a Lei nº 64-A/2009, em concreto a da descriminalização da conduta por que foi condenado.

No respeito pelo princípio do contraditório, foi concedida ao Exmº PGA oportunidade para se pronunciar acerca dessa questão superveniente suscitada pelo recorrente, tendo o mesmo defendido a não descriminalização da conduta em causa com fundamento na não aplicação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social da alteração introduzida ao nº 1 do art. 105º do RGIT, em virtude de se estar perante crimes autónomos.

Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.

Cumpre decidir.

  1. Fundamentação Revestem-se de interesse para a decisão do...

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