Acórdão nº 1856/08.4PBMTS de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução18 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 1856/08.4PBMTS)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. Recebido o auto de notícia por detenção nº 1856/08.4PBMTS e, apresentado ao Ministério Público do Tribunal de Matosinhos, para efeitos do art. 382 nº 1 do CPP (segundo carimbo de distribuição de fls. 2), veio este Magistrado, em 10/11/2008, ao abrigo do disposto nos artigos 384, 281 e 282 do CPP, suscitar judicialmente a suspensão provisória do processo (fls. 12 e 13), nos seguintes termos: "Indiciam os autos que: 1- No dia 9 de Novembro de 2008, pelas 7 horas e 33 minutos, B.......... (id. a fls. 2) conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-..-FD, pela Rua .........., em Matosinhos; 2- Submetido, na sequência dessa condução, a exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo aparelho Drager, modelo 7110 MKIII, o arguido apresentou uma taxa de 2,30 g/l de álcool no sangue; 3- O arguido agiu de forma livre e consciente, sabendo que se encontrava sob a influência de álcool e que nesse estado não podia conduzir o referido veículo, mas apesar disso não se absteve de empreender a sua conduta; 4- Conhecia a proibição e punição das suas condutas; 5- O arguido não tem antecedentes criminais, nunca beneficiou da suspensão provisória do processo, mostra-se arrependido e consciente da gravidade da sua conduta.

*Os factos indiciados integram um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos arts. 292, nº 1 e 69, nº 1-a) do Código Penal, que é punível com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias e com inibição de conduzir de 3 meses a três anos.

Atendendo ao circunstancialismo descrito entendemos que a culpa do arguido assume carácter diminuto. O arguido conduziu o veículo num pequeno percurso, não provocou qualquer acidente e não tem antecedentes criminais.

O arguido não tem antecedentes criminais, nunca beneficiou da suspensão provisória do processo, confessou os factos que lhe são imputados, demonstra arrependimento sincero e está consciente da gravidade da sua conduta.

A intervenção das instâncias formais de controlo já será motivo suficiente para o fazer repensar na necessidade de: não conduzir se estiver sob a influência de álcool, como aliás, resulta da recente lei de política criminal.

É de prever que o cumprimento pelo arguido de injunções adequadas seja suficiente para satisfazer as exigências de prevenção que o caso exige e este concordou com a suspensão provisória do processo, por um período de 6 meses e com as seguintes injunções: a) Proceder ao pagamento da quantia de 240 € a favor da C.........., em 6 prestações mensais de 40 € cada, durante o período da suspensão e mediante documentação do seu pagamento nos autos, até ao dia 8 de cada mês; b) não praticar, durante o período da suspensão do processo qualquer crime doloso, nomeadamente no domínio estradal; c) Frequentar o curso sobre condução segura dinamizado pela prevenção rodoviária portuguesa, suportando os respectivos custos, que ascende a 200 €; d) Não conduzir veículos por um período de 30 dias seguidos, devendo para o efeito entregar a carta de condução (automóvel e motorizada) neste tribunal, no prazo de 10 dias contados da notificação da concordância com a suspensão provisória do processo.

Em conformidade, nos termos dos artigos 384, 281 e 282 do Código de Processo Penal, havendo concordância do Mº Juiz, os autos podem ser suspensos provisoriamente mediante a imposição ao arguido das injunções acima referidas.

Para esse efeito, nos termos do art. 384 do Código de Processo Penal, remeta os autos ao Mº Juiz, desde já se promovendo a suspensão provisória do processo nos termos acima referidos.

*Extraía certidão do auto de notícia e remeta à entidade administrativa competente para o processamento das contra-ordenações ali referidas.

(...)"*2. Os autos foram distribuídos ao .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, como Processo Sumário (carimbo de fls. 2) e, em face do requerimento do Ministério Público acima transcrito, o Sr. Juiz proferiu, em 10/11/2008, a seguinte decisão (fls. 14): "Pelas razões que agora enuncio, não concordo com a proposta de suspensão provisória do processo.

O arguido B.......... vem indiciado do cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por ter conduzido, na via pública, veículo automóvel com uma apurada TAS de 2,30 g/l.

Sabia que se encontrava sob a influência do álcool e que nesse estado não podia conduzir o referido veículo, mas apesar disso, não se absteve de o fazer. Conhecia a proibição da sua conduta.

O arguido não tem antecedentes criminais, mostra-se arrependido e consciente da gravidade da sua conduta.

Aceitou as injunções propostas pelo Digno Magistrado do MºPº e que são a entrega da quantia de 240 euros à C.......... em 6 prestações mensais, a frequência do curso de prevenção segura, ministrado pela Prevenção Rodoviária e a não condução de veículos motorizados pelo período de 30 dias.

Ora, se é certo que abstractamente estão reunidas as condições para que o presente processo fosse provisoriamente suspenso, a verdade é que no nosso entendimento, não só os factos indiciados não são reveladores de um grau de culpa não elevado, como o cumprimento das injunções propostas, no caso, não responde suficientemente às exigências de prevenção que se fazem sentir (art. 281º als. e) e f) "a contrario").

É que por um lado, entendemos que a condução de veículo automóvel com a consideravelmente elevada TAS de 2,30 g/l é reveladora de um grau de culpa algo elevado, que obsta, por si só, ao decretamento da suspensão provisória do processo.

Por outro lado, e como é do conhecimento comum, a condução de veículo em estado de embriaguez constitui uma das conhecidas e identificadas causas da elevada sinistralidade rodoviária nas estradas portuguesas, à qual se impõem uma especialmente enérgica reacção.

E é, além do mais, através da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, associada à pena principal aplicada que, as mais das vezes, as exigências de prevenção geral encontram satisfação.

Assim, entendemos que as injunções propostas não respondem, de forma suficiente, às exigências de prevenção que no caso, e pelas razões expostas, se fazem sentir, pelo que, nos termos previstos nos arts. 384 e 281, todos do CPP, não concordo com a suspensão provisória do processo nos presentes autos.

Notifique e remeta os autos aos serviços do Ministério Público.

(...)" Ainda, por despacho proferido no mesmo dia (fls. 15), foi ordenada a distribuição e autuação como Processo Sumário e, bem assim, que os autos aguardassem a eventual interposição de recurso.

*3. Inconformado com a decisão que não concordou com a suspensão provisória do processo, o Ministério Público dela interpôs recurso (fls. 17 a 25), apresentando as seguintes conclusões: "1. O consentimento judicial à suspensão provisória do processo justifica-se pela necessidade de evitar a aplicação de injunções ou regras de conduta arbitrárias ou desproporcionadas; 2. Num processo de estrutura acusatória, o poder judicial está, sob pena de perder à sua imparcialidade e de «agir em causa própria», vinculado pelo pedido do Ministério Público/assistente; 3. Assim, ao discordar da suspensão provisória do processo por entender que, em concreto, a culpa do arguido é elevada e as injunções e regras de conduta são insuficientes, a Mª Juíza excedeu os seus poderes, substituiu-se ao Ministério Público e violou o princípio do acusatório, consagrado no artigo 32º, nº 5, da CRP; 4. A referida decisão violou, ainda, os artigos 11º e 12º da Lei nº 51/2007, de 31 de Agosto (que definiu os objectivos, prioridades e orientações de política-criminal para o biénio de 2007-2009) que preconizam a aplicação da suspensão provisória do processo ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas; 5. Ainda que, porventura, assim não seja, sempre se dirá que, no caso concreto, nem a culpa do arguido é elevada, nem as injunções e regras de conduta propostas são insuficientes para satisfazer as necessidades preventivas; 6. Por isso mesmo, a discordância judicial com a suspensão provisória do processo viola o disposto nos artigos 384º e 281º do Código de Processo Penal; 7. Assim, a referida decisão deverá ser revogada e substituída por outra que concorde com a suspensão provisória do processo."*4. Notificado o arguido na pessoa do seu defensor oficioso, nada disse.

*5. Nesta Relação, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 32 a 36), concluindo pelo provimento do recurso.

*6. Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

*II- FUNDAMENTAÇÃO Face ao teor das conclusões do recurso (art. 412 nº 1 do CPP), incumbe a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre as seguintes questões: 1ª - Apurar se, quando discordou da suspensão provisória do processo, invocando que a culpa do arguido era elevada e que as injunções e regras de conduta propostas eram insuficientes, o Sr. Juiz a quo excedeu os seus poderes e violou o princípio do acusatório; 2ª - Subsidiariamente, averiguar se a decisão sob recurso viola o disposto nos artigos 384 e 281 do CPP, por fazer uma errada avaliação do caso concreto (sustenta o recorrente que nem a culpa do arguido é elevada, nem as injunções e regras de conduta propostas são insuficientes para satisfazer as necessidades de prevenção).

Passemos então a apreciar as questões colocadas no recurso aqui em apreço.

  1. Questão Invoca o recorrente que, o Sr. Juiz a quo, ao discordar da suspensão provisória do processo, sustentando que a culpa do arguido era elevada e que as injunções e regras de conduta propostas eram insuficientes, excedeu os seus poderes e violou o princípio do acusatório.

    Para tanto, alega, que perante o despacho do Ministério Público a determinar a suspensão provisória do processo, com a imposição de injunções e regras de conduta...

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