Acórdão nº 0818031 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelVASCO FREITAS
Data da Resolução18 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 8031/08-1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I RELATÓRIO No .º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, em processo comum e com intervenção de tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B.........., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, no qual se decidiu condená-lo pela prática de um crime de uso de notação técnica falsificada p. e p. pelo artº 258º nº 1 al.s b) e d) e nº 2 do Cod. Penal na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 7,50, perfazendo o montante global de € 750,00.

O arguido foi ainda absolvido do pedido de indemnização civil que contra ele fora deduzida por C..........

Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação, e requerendo a sua absolvição para o que formulou as seguintes conclusões: "1ª. - O art°. 255°. al. b) do Código Penal, define o conceito de "notação técnica", para os efeitos penais que agora interessam: "a notação de um valor, de um peso ou de uma medida, de um estado ou do decurso de um acontecimento, feita através de aparelho técnico que actua, total ou parcialmente, de forma automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas os seus resultados e se destina à prova de facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua realização quer posteriormente".

  1. - No caso sub júdice, de uso de um automóvel com alteração do totalizador de quilómetros por um terceiro, de entre todos os requisitos indicados nesta norma, falta o de o conta-quilómetros de um automóvel se destinar à prova de "facto juridicamente relevante".

  2. - Efectivamente, "facto juridicamente relevante" é aquele que, por si só, tem relevância para o direito, por a lei lhe atribuir efeitos ou utilidades. É o caso, no veículo automóvel, dos números de matrícula, da carroçaria ou do motor. A todos estes elementos a lei atribui a virtualidade de permitirem a identificação do veículo.

  3. - Na falsificação de notação técnica, o que está em causa é a função probatória relativamente a facto juridicamente relevante, considerando-se que, o número de quilómetros já percorridos por um automóvel nenhuma relevância tem para o direito.

  4. - Não há norma que puna o facto de um veículo automóvel circular com o conta-quilómetros avariado ou indicando um número diferente dos quilómetros efectivamente percorridos.

  5. - Se em abstracto, nada impedia que o legislador desse relevância jurídica às indicações deste aparelho, por exemplo, fixando o chamado "imposto de circulação" em função dos quilómetros percorridos em vez de, como faz, do ano de registo e da cilindrada, seria evidente a relevância jurídica da notação técnica em causa. Aliás, que se saiba, não é sequer obrigatório que os automóveis estejam equipados com conta-quilómetros.

  6. - Assim sendo, a alteração do totalizador do conta-quilómetros de um veículo não integra a prática de um crime de falsificação de notação técnica, nem o uso de um veículo cujo conta-quilómetros foi alterado integra o crime de uso de notação técnica falsificada, p. e p. pelo art°. 258°. als. b) e d) do Código Penal.

  7. - Os factos não integram o crime por que foi o recorrente condenado, tendo o arguido/recorrente de ser absolvido deste crime.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser proferido acórdão que revogue a sentença recorrida e que absolva o arguido.

No entanto, Vossas Excelências decidindo, farão, aliás, como sempre, a mais inteira e sã JUSTIÇA!" *Na resposta, o MºPº na 1ª instância pronunciou-se no sentido da manutenção do acórdão recorrido, concluindo como segue: Da fundamentação do recurso apresentado pelo arguido resulta que este, no essencial, põe em causa que o totalizador de quilómetros de um veículo se destine à prova de um facto juridicamente relevante e, portanto, que preencha o mesmo o conceito de notação técnica ínsito no artigo 255.°, alínea b), do Código Penal, razão pela qual, em seu entender, a sua utilização depois de adulterado não consubstancia a prática do crime pelo qual o mesmo foi condenado.

Vejamos.

Em nosso entender, não resultarão grandes dúvidas que o totalizador de quilómetros de um veículo se destine à prova de um facto juridicamente relevante.

Pergunta-se: qual a razão de ser de virem os veículos equipados com tal mecanismo de contagem? Desde logo, o totalizador de quilómetros servirá para que o proprietário de um veículo tenha noção do seu desgaste/nível de utilização, por forma a que possa efectuar a sua manutenção de acordo com o preconizado pelo fabricante do veículo.

Ora, tal utilidade reveste-se de relevância jurídica na medida em que o proprietário do veículo, caso pretenda fazer valer a garantia deste em casos pela mesma abrangidos, terá que fazer prova, por um lado, que a quilometragem que o veículo tem não ultrapassa o limite previsto pelo âmbito dessa garantia e, por outro, que durante os quilómetros que com ele circulou foi efectuando a devida manutenção de acordo com os intervalos recomendados pelo fabricante, sendo que estes intervalos são calculados pelo número de quilómetros percorridos com o veículo ou pelo tempo entretanto decorrido desde a última operação de manutenção. O não cumprimento de tais premissas afastará a aplicação da garantia.

Depois, enquanto mecanismo que exibe o número total de quilómetros efectuados por um veículo, o totalizador permite aferir do seu desgaste/nível de utilização, o que, como é do conhecimento geral e resulta da experiência comum, é condicionante do valor de mercado do mesmo.

Aliás, tanto assim é que a venda intencional e consciente de um veículo com os quilómetros adulterados (para menos) consubstancia, na maioria das situações, a prática de um crime de burla, na medida em que o seu autor consegue, com a prática de tais factos, iludir terceiros acerca do real estado de um dado veículo e, deste modo, transaccioná-lo por um valor superior àquele que, de outro modo, conseguiria obter, causando nesse terceiro um prejuízo por regra no valor correspondente.

Entendemos, pois, pelas razões acima expostas, que não assiste razão no alegado pelo recorrente, em consequência do que não poderá o presente recurso deixar de ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo JUSTIÇA"*O recurso foi admitido.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, formulando o seguinte parecer: 1. A única questão que o recurso suscita tem que ver como o relevo jurídico-criminal da alteração do número de quilómetros de um veículo, por efeito da manipulação do totalizador do conta-quilómetros, em termos de se saber se alteração desse registo corporiza a falsificação de uma notação técnica, tal como vem acolhida no disposto no art. 255.°.

  1. Antes de mais, importa delimitar, com maior efectividade, as funções do contaquilómetros dos veículos, para se apurar do relevo jurídico-criminal da sua viciação quanto ao número de quilómetros percorridos.

  2. O conta-quilómetros dos veículos desempenha, essencialmente, duas funções, a saber: por um lado - talvez na sua principal função - serve para proporcionar a quem tripula o veículo informação sobre a velocidade instantânea, em ordem a observar os limites de velocidade que vigorem; por outro, na vertente do totalizador quilométrico, visa informar sobre o número de quilómetros percorridos, quer em termos parciais, quer na perspectiva dos quilómetros totais, informação esta que serve vários objectivos, como sejam: estabelecimento de distâncias, duração de viagens, média de consumos, observância dos períodos de manutenção, etc.

    Casos há em que o equipamento - com a associação de um outro - permite às autoridades de fiscalização do trânsito recolher numerosa informação, adequada a determinar a existência de infracções, como sejam as relativas a excessos de velocidade ou à inobservância dos tempos máximos de condução continuada e de descanso.

    Apenas em relação aos veículos para os quais é obrigatório este equipamento -DL n.º272/89, de 19 de Agosto - se encontram previstas especiais exigências, essencialmente a propósito das inspecções técnicas periódicas -cfr. DL n.º 554/99, de 16 de Dezembro, e seus anexos.

    A propósito deste tipo de equipamentos, decidiu-se no Ac. da Relação de Coimbra, de 15-10-2008, que "Integra o crime de falsificação de notação técnica, p.p. pelo nº 2 do artº 258°, por referencia à al. b) do Artº 255° todos do CP a adulteração do tacógrafo que passe a produzir registos viciados, mesmo que o veículo esteja parado", 4. Quanto à generalidade dos veículos, que não estão obrigatoriamente apetrechados com tacógrafo, o conta-quilómetros, enquanto totalizador-vertente que releva no caso do recurso - é um equipamento meramente informativo, desprovido de consagração legal nos vários diplomas que regulam os equipamentos que guarnecem os veículos.

    Se é certo que a informação que presta é importante para quem lide com o veículo, visto que fornece dados importantes para a sua conservação e manutenção, não vai o seu relevo muito para além disso.

    Na prática, mesmo para o estabelecimento do valor dos veículos, tem-se verificado um certo apego ao ano de fabrico e ao número de proprietários que teve, menosprezando-se, em certa medida, a quilometragem que já percorreu.

    As próprias normas e usos referentes à garantia prestada pelas marcas - matéria abordada na resposta do Ministério...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT