Acórdão nº 0818115 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução04 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 8115/08-1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal colectivo) nº 972/07.4JAPRT, que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, foi proferida, em 25/11/2008, a seguinte decisão judicial: "Nos presentes autos foi deferida a intervenção do Tribunal de Júri.

Contudo, e nesta data, entendemos ser de apreciar, de forma mais concreta, a possibilidade de intervenção do Tribunal de Júri aos casos de crimes de tráfico de estupefacientes.

Nos termos do artigo 13º, n.º 1 e 2 do C. Penal: "1 - Compete ao tribunal do júri julgar os processos que, tendo a intervenção do júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, respeitarem a crimes previstos no título iii e no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal e na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário.

2 - Compete ainda ao tribunal do júri julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal singular e tendo a intervenção do júri sido requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 8 anos de prisão."*Sobre o Tribunal de Júri prescreve o artigo 207º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, na redacção dada pela Lei 1/97, de 20 de Setembro, que "O júri, nos casos e com a composição que a lei fixar, intervém no julgamento dos crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada, designadamente quando a acusação ou a defesa o requeiram." No caso dos autos está em causa um crime de tráfico de estupefacientes.

Ora determina o artigo 51º, n.º 1 do DL 15/93, de 2 de Janeiro, na redacção dada pela Declaração de Rectificação 20/93, de 20 de Fevereiro, que "para efeitos do disposto no Código de Processo Penal, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 1.º do mesmo Código, consideram-se equiparadas a casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada as condutas que integrem os crimes previstos nos artigos 21.º a 24.º e 28.º deste diploma.

Na redacção actual do Código de Processo Penal a alínea m) do artigo 1º define a criminalidade altamente organizada como «as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento." À data da entrada em vigor do DL 15/93, era a seguinte a redacção do n.º 2 do artigo 1º do CPP: "Para efeitos do disposto no presente Código, apenas podem considerar-se como casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada as condutas que:

  1. Integrarem os crimes previstos nos artigos 287.º, 288.º ou 289.º do Código Penal; ou b) Dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos."*Sabemos que têm sido vários os processos relacionados com crimes de tráfico de estupefacientes onde tem sido requerida, e deferida, a intervenção do Tribunal de Júri.

    É certo que surgiram, por vezes, dúvidas sobre a possibilidade de intervenção do Tribunal de Júri em julgamentos em que estavam em causa aquele tipo de crimes, precisamente atento o disposto no artigo 207º, n.º 1 da CRP e a definição que a chamada "Lei da Droga" fazia dos crimes de tráfico de estupefacientes como sendo de "criminalidade altamente violenta".

    Se a dúvida se podia levantar já antes da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, que veio alterar o Código de Processo Penal, a mesma manteve-se e reforçou-se após a nova redacção deste diploma.

    Perante essa dúvida parece-nos que a posição da nossa jurisprudência era aquela que retiramos do acórdão do STJ de 4 de Março de 2004, em www.dgsi.pt, segundo o qual: "O Código de Processo Penal, tendo sofrido uma reforma generalizada através da Lei n.º 59/98, de 25/8, continuou a não excluir da competência do júri qualquer tipo de crime, apesar de a primeira restrição (relativa aos crimes de terrorismo) já constar do texto constitucional saído da revisão de 1989.

    Nos termos do art. 13.º deste último diploma legal, a competência do tribunal de júri, fixada de acordo com a ideia central resultante da lei fundamental - julgamento dos crimes graves -, estende-se aos crimes contra a paz e a humanidade (Título III do Livro II do Código Penal) ou contra a segurança do Estado (Capítulo I do Título V do Livro II do mesmo diploma legal) e àqueles que respeitem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a oito anos de prisão.

    Mas é claro que o Código de Processo Penal tem de ser complementado com a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) que, pela 1ª vez após as referidas revisões constitucionais, veio estabelecer no seu art. 111.º: «compete ao tribunal de júri julgar os processos a que se refere o art. 13.º do Código de Processo Penal, salvo se tiverem por objecto crimes de terrorismo ou se referirem a criminalidade altamente organizada».

    Ora, o art. 1.º n.º 2 do CPP estabelece que: «Para efeitos do disposto no presente Código, apenas podem considerar-se como casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada as condutas que: a) - Integrarem os crimes previstos nos artigos 299.º, 300.º ou 301.º do Código Penal; ou b) - Dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e sejam puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos».

    A lei, como se vê, não nos dá uma definição de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada. Em relação aos primeiros, ainda se pode dizer que, remetendo especificamente para os artigos 299.º, 300.º e 301.º do CP, que prevêem os crimes de associação criminosa, organizações terroristas e terrorismo, o diploma adjectivo apenas quis referenciar na categoria de «terrorismo» os factos típicos descritos naqueles tipos legais de crime. Porém, em relação aos restantes, o CPP limitou-se a indicar, através de várias características: bem jurídico protegido (vida, integridade física, liberdade), intencionalidade da conduta (dolosamente dirigida contra qualquer daqueles bens)) e pena abstractamente aplicável (superior a cinco anos) o círculo onde poderão recortar-se as figuras da criminalidade violenta ou altamente organizada. Mas não quer dizer que todos os crimes de homicídio, ofensas à integridade física ou contra a liberdade sejam automaticamente de classificar como criminalidade violenta ou altamente organizada. É necessário analisar cada situação concreta. Daí que a lei não diga peremptoriamente: «São de considerar», mas, antes: «apenas podem considerar-se...». Podem e não devem. É que, além do mais, não faria qualquer sentido considerar como criminalidade violenta e altamente organizada qualquer crime de ofensas à integridade física, ainda que punível com pena superior a cinco anos, ou mesmo qualquer crime de homicídio. Desde logo, para efeitos do Código de Processo Penal, que são designadamente aqueles em que a lei adjectiva fala expressamente de terrorismo, criminalidade violenta e altamente organizada: os artigos 143.º n.º 4 (comunicações antes do primeiro interrogatório (o M:º P.º pode determinar que o detido não comunique com pessoa alguma, salvo o defensor), 174.º n.º 4 (revistas e buscas, em que também pode ser dispensada a exigência de ordem ou autorização de autoridade judiciária) e 177.º n.º 2 (as buscas domiciliárias também podem ser ordenadas pelo M:º P.º ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal).

    Como sustenta o M.º P.º neste Supremo, no seu bem elaborado parecer, os referidos conceitos são «conceitos abertos» e não faria sentido que fossem rígidos, sob pena de se chegar a situações absurdas, e mais: indiscriminadamente restritivas de direitos e garantias fundamentais, pois os acima referidos efeitos do CPP traduzem-se, como vimos, em cerceamento excepcional de direitos, liberdades e garantias.

    Neste contexto, quando a Constituição exclui da competência do tribunal de júri os crimes de terrorismo e de criminalidade altamente organizada, remetendo para a lei ordinária o que deve considerar-se como tal, ou se refere a situações caracterizadamente de terrorismo (artigos 299.º, 300.º e 301.º do CP) ou a crimes dolosos contra a vida, a integridade física e a liberdade das pessoas, puníveis com pena superior a cinco anos de prisão, em que o teor altamente organizado do crime tem que resultar de uma organização criminosa complexa semelhante à que releva para efeitos de associação criminosa, terrorismo e organização terrorista.

    De contrário, o próprio texto constitucional encerraria uma contradição insanável, pois, ao atribuir à competência do tribunal do júri o julgamento dos crimes graves, estaria ao mesmo tempo a esvaziar de sentido tal competência, subtraindo-lhe o julgamento dos crimes de homicídio, ofensas à integridade física graves e crimes graves contra a liberdade das pessoas. E, por outro lado, se a lei ordinária restringisse a tal ponto a competência do tribunal de júri, seria inconstitucional, por não respeitar os princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade, tratando-se como se trata aqui de direitos fundamentais, pois a instituição do tribunal de júri prende-se com o princípio democrático, sendo uma das concretizações da participação popular na administração da justiça.

    Com efeito JORGE MIRANDA inclui nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático no tocante a organização judiciária a constitucionalização do júri - «princípio democrático, não apenas por a justiça ser administrada em nome do povo, mas sobretudo por ser constitucionalizado o júri...» (Constituição e Democracia - Livraria Petrony, 1976, p. 308 e ss.) Por seu turno, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora 1991, depois de salientarem que há...

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