Acórdão nº 0817143 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 7143/08-1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº .../05.0TACPV, foi proferida sentença, em 11/6/2008 (fls. 417 a 444), constando do dispositivo o seguinte: "Por todo o exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente e decide-se:

  1. Condenar o arguido B.........., pela prática de um crime de difamação agravado, previsto e punível pelos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alínea a) e 184.º, todos do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz um total de € 1.100; b) Condenar o arguido B......... nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's - 513.º e 514.º, ambos, do Código de Processo Penal, acrescidas de 1% dessa taxa nos termos do art. 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30/10 e Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22/2, indo também condenado nos encargos e no mínimo de procuradoria - cfr. art. 524.º do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1; 85.º, n.º 1, al. b); 89.º, n.º 1, al. e) e 95.º, n.º 1, todos do Código das Custas Judiciais; c) Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado B.......... a pagar ao demandante C......... a indemnização, a título de danos não patrimoniais, de 1.500 (mil e quinhentos euros), absolvendo-se o mesmo do restante pedido.

  2. Condenar demandante e demandado nas custas cíveis, na proporção do decaimento - art. 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art. 523.º do Código de Processo Penal.

    (...)"*Não se conformando com a sentença, o arguido B......... interpôs recurso dessa decisão (fls. 448 a 465), formulando as seguintes conclusões: "I- Na sentença condenatória deu-se como provado que, ao escrever o referido no texto, o arguido quis ofender a dignidade pessoal e profissional do assistente (ponto 9), quis atingir a honra e consideração do ofendido, sobretudo e por causa do exercício da profissão deste (ponto 11) e que actuou deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto 12).

    II- Ora, salvo melhor opinião, estes três pontos não são verdadeiramente questões de facto, mas antes elementos integradores dos pressupostos subjectivos do crime, no caso, o dolo específico, o animus difamandi, sobre os quais, obviamente, não se produziu prova, pois nenhuma testemunha ouvida, mesmo as notificadas pela acusação foram capazes de falar de factos que revelassem ter havido intenção de atingir a honra do ofendido.

    III- Por outro lado, o arguido não agiu com dolo directo, pois nenhum elemento de prova foi produzido que permita concluir que o arguido tivesse consciência que estava a lesar a honra do ofendido e, mesmo assim, tivesse agido com intenção de o conseguir.

    IV- Também não está em causa a agravação resultante da alínea l) do artigo 132º do CP, já que o segmento seleccionado para incriminar o arguido, embora retirado de um texto todo de crítica à conduta de um presidente de assembleia municipal, não imputa ao ofendido qualquer facto respeitante ao exercício das suas funções de Presidente da Assembleia Municipal .........., ou por causa delas.

    V- Por sua vez, o assistente e o arguido são opositores na luta política e têm tido vários desentendimentos, no âmbito da actividade municipal que exercem (ponto 15), à data dos factos, aproximava-se a campanha eleitoral para as eleições autárquicas que se realizaram em Outubro de 2005 (ponto 24), o arguido era então membro da Assembleia Municipal e era também candidato a novo mandato, tendo sido eleito e mantendo-se então nas respectivas funções (ponto 25), o texto em causa insere-se, pois, nesse momento de balanço do trabalho desenvolvido e de campanha eleitoral para novas eleições, altura em que o arguido teve grande intervenção política (ponto 26) e que no seio da Assembleia Municipal havia vozes discordantes relativamente ao trabalho da Assembleia e do seu Presidente, ora assistente (ponto 27).

    VI- Não resulta do extracto do texto publicado pelo arguido que este ponha em causa a incapacidade do ofendido, mas antes que o crítica com ironia, pelas vantagens que retirou, retira ou pode retirar, como consequência da alegada incapacidade, na compra de veículos, no imposto municipal sobre veículos e no IRS.

    VII- Numa campanha eleitoral, especialmente autárquica, o combate político é elevado, existe agressividade na linguagem, o clima emocional propicia alguma linguagem mais agreste, agressiva e corrosiva, para com os adversários.

    VIII- O texto do arguido contém-se bem dentro dos limites do exercício do direito de crítica política e não visou rebaixar, ofender ou humilhar o visado.

    IX- Aliás, ao fazer a referida crítica, naquela fase da campanha eleitoral, o arguido agiu ainda convencido de que o seu texto podia contribuir para uma escolha mais conscienciosa dos seus concidadãos eleitores.

    X- Agiu, assim, o arguido por considerar que a crítica tinha um enorme interesse público e relevância política, especialmente tendo em conta o crescente clima de desconfiança e de suspeição em relação aos titulares de cargos políticos, à sua probidade e honestidade.

    XI- Exerceu o direito de liberdade de expressão crítica, consagrado no art. 37 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e na prossecução de um interesse legítimo.

    XII- Ao condenar o arguido, a douta sentença violou a referida norma constitucional bem como o art. 180 nº 2-a) do CP, impondo-se por isso a sua revogação." Termina pedindo o provimento do recurso, com a sua consequente absolvição quer da acção penal, quer do pedido cível nela enxertado.

    *O assistente, em requerimento que apresentou (fls. 491), declarou prescindir de apresentar resposta ao recurso.

    *O Ministério Público, na 1ª instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos (fls. 492 a 504).

    *Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 516 a 520), concluindo pelo provimento do recurso uma vez que, por um lado, o Ministério Público carece de legitimidade no exercício da acção penal, por falta de acusação particular, quanto aos factos dados como provados, dado não haver lugar à agravação prevista no art. 184 do CP, quanto ao eventual crime de difamação em questão e, por outro lado, os factos apurados nem sequer integram crime de difamação, mesmo na forma simples, impondo-se, por isso, a absolvição do arguido.

    *Cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP, veio o assistente responder (fls. 526 a 528) ao Parecer do Sr. PGA, por um lado, invocando ter apresentado acusação particular e ter sido proferido despacho de pronúncia (o que mostraria não existir ilegitimidade do MP para exercer a acção penal) e, por outro, pugnando pela confirmação da sentença sob recurso.

    *Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

    Cumpre, assim, apreciar e decidir.

    *Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: "1.º C.......... era, em Julho de 2005, Presidente da Assembleia Municipal do Município de .........., cargo que exerce desde Janeiro de 1998, sendo tal facto do conhecimento do arguido.

    1. No dia 22 de Julho de 2005, B.........., ora arguido, escreveu e publicou, no site da Internet "..........BLOG", com morada electrónica http://...........blogs.sapo.pt/arquivo/726100.html, um artigo de opinião denominado de "era uma vez".

    2. No referido artigo o arguido refere expressamente: "Era uma vez uma Assembleia Municipal que funcionava com os mais elevados índices de excelência. Era presidida pelo líder mais carismático e simpático da terra. Além disso, era de uma honradez, de uma magnanimidade e de uma honorabilidade a toda a prova. Apesar da sua incapacidade (...) bem, aqui entre nós, aquela incapacidade apenas lhe dava para comprar uns carritos mais baratos, ficar isento do Imposto Municipal sobre veículos, ter um "beneficiozito" no IRS... enfim, coisas de pequena monta.", cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

    3. As expressões foram referidas e publicadas num site da Internet, livremente acessível ao público em geral.

    4. O arguido publicou o artigo referido em 2.º dos factos provados, sob a epígrafe "Participe! Por ..........", referindo-se à Assembleia Municipal de .......... e ao exercício das funções do respectivo Presidente.

    5. O ofendido tomou conhecimento das mesmas na área desta comarca.

    6. O arguido é autor de vários artigos de opinião publicados no site http://...........blogs.sapo.pt.

    7. Alguns desses artigos de opinião abordam assuntos relacionados com o Concelho de .......... .

    8. O arguido, com a actuação, dirigindo ao ofendido as expressões supra referidas em 3.º, e, sobretudo da forma irónica e sarcástica como o fez, quis ofender, como o fez, a dignidade pessoal e profissional daquele.

    9. Sabia que o meio utilizado (a Internet) facilitava a sua divulgação a um indiscriminado número de pessoas, mais sabendo que o ofendido era Presidente da Assembleia Municipal .......... .

    10. O arguido, ao actuar da forma como o fez, quis atingir a honra e consideração do ofendido, sobretudo e por causa do exercício da profissão deste.

    11. Actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

      Mais se provou que: 13.º O assistente declarou benefício fiscal em IRS, por deficiência com grau de invalidez de 68%, por informação prestada em 2006.

    12. O assistente não beneficiou de isenção do imposto Municipal sobre Veículos e/ou Imposto Municipal sobre Imóveis, nem qualquer processo individual relativo à deficiência aludida, por informação prestada em 2006.

    13. O arguido e o assistente são opositores na luta política e têm tido vários desentendimentos, no âmbito da actividade municipal que exercem.

    14. A questão da incapacidade já tinha sido levantada na Assembleia Municipal...

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