Acórdão nº 0818091 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 8091/08-1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO Na .ª Vara Criminal do Porto, nos autos de processo comum colectivo (crimes militares) nº .../07.8TACVL, foi proferido acórdão, em 2/10/2008 (fls. 171 a 183), constando do dispositivo o seguinte: "Acordam os Juízes que constituem este Tribunal Colectivo em concluir pelo não cometimento pelo arguido do crime de comércio ilícito de material de guerra, previsto e punido pelas disposições dos artigos 83º e 84º do CJM, dele absolvendo o arguido B.......... .

Sem custas.

Após trânsito: uma vez que as munições e o carregador apreendidos ao arguido constituem material insusceptível de ser legalizada a sua posse, declaram-se os mesmos perdidos a favor do Estado, e sua ulterior destruição.

Notifique e proceda a depósito.

(...)"*Não se conformando com esse acórdão, o Ministério Público dele interpôs recurso (fls. 192 a 201), formulando as seguintes conclusões: "1. O douto tribunal colectivo deu como provado que "As descritas munições e carregador, muito embora não seja possível determinar a respectiva anterior propriedade pelas Forças Armadas, constituem material de guerra...".

Porém, no que ao carregador diz respeito, teria de dar como provado que o mesmo era propriedade das Forças Armadas.

  1. A comprovação deste facto decorre não só do arguido ter confessado que trouxe aquele carregador de Moçambique, em 1972, finda a sua comissão na guerra colonial, como também resulta inequivocamente das declarações do perito Sr. C.........., Inspector da Polícia Judiciária: Esclarecendo o teor do seu auto de exame de fls. 64 a 66, a uma pergunta do Procurador da República sobre a origem do carregador próprio para espingardas automáticas G3 afirmou: "Em (19)72 era só usado e fabricado para as armas militares"... e, mais adiante, "não, aí só fabricavam em exclusivo para as Forças Armadas... aí sim, sem dúvida" - cf. depoimento gravado no segmento de 11m20s a 13m30s.

  2. Assim, ao contrário do afirmado na motivação da douta decisão de que ora se recorre, este perito, no que ao carregador diz respeito, não teve dúvidas em determinar a sua origem, ou seja, que ao tempo em que o arguido entrou na sua posse só poderia pertencer às Forças Armadas, o que está inteiramente de acordo com as declarações do próprio arguido.

  3. Pelo exposto, devendo considerar-se que aquele carregador, componente de uma arma automática G3 era pertença das Forças Armadas Portuguesas, logo material de guerra, como entendemos que assim é, e que o arguido detinha, desde que acabou a sua comissão na guerra colonial, conhecendo as suas características, estão preenchidos os elementos do crime que lhe é imputado na acusação pública.

  4. O Colectivo de Juízes questiona(-se) se a detenção de um determinado tipo de munição ou de uma arma de guerra deve ser considerado crime estritamente militar, mas ao responder negativamente fica-se sem saber o que é que foi determinante para a absolvição do arguido, se as dúvidas quanto à origem do carregador (era ou não pertença das Forças Armadas) ou se o "mau estado de conservação em que se encontrava, denotando o seu não uso", uma vez que concorreram ambas para se afastar a verificação de um crime estritamente militar, posto que a sua posse não atentaria, na economia do acórdão, contra os interesses da defesa nacional.

  5. Quanto às dúvidas sobre a origem, considerando a factualidade dada provada (que acima impugnamos), elas não deveriam subsistir, ou seja, no dizer do tribunal, o carregador não pertencia às Forças Armadas.

  6. No concernente ao estado de conservação e aos indícios de uso, não se vê como possam relevar para a verificação do crime. O valor protegido pela norma é o interesse militar do material de guerra por qualquer forma subtraído à disponibilidade da defesa nacional e não o uso que lhe é dado posteriormente que é indiferente à verificação do tipo legal.

  7. Ao contrário do que parece ser o entendimento do douto tribunal, cremos que, independentemente do valor, do uso ou afectação posterior, sempre que material de guerra, tal como é definido no art. 7 do CJM, afecto às Forças Armadas for subtraído ao domínio da defesa nacional fora das condições legais ou em contrário das prescrições e autorizações das autoridades competentes, está verificado o crime previsto no art. 82 e punido no art. 83, os dois do mencionado diploma legal, normas que, assim, foram violadas pelo douto acórdão posto em crise.

  8. Assim, julgamos que, apenas no que se reporta ao carregador (único cuja pertença às Forças Armadas foi provado em julgamento) estão verificados os elementos típicos do crime de detenção de material de guerra tal como lhe é imputado na acusação, pelo que o arguido tem de ser condenado em conformidade." Termina pedindo o provimento do recurso e, consequentemente, a alteração da decisão recorrida no sentido da condenação do arguido pela prática, em autoria material, do crime de comércio ilícito de material de guerra que lhe foi imputado.

*Na 1ª instância, o arguido B.......... respondeu ao recurso (fls. 204 a 206), concluindo pelo seu não provimento.

*Nesta Relação, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 217), acompanhando a motivação do recurso interposto pelo MP, pugnando pelo seu provimento.

* Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

*No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos: "No dia 13 de Junho de 2007, o arguido guardava no interior do seu quarto e dispensa de arrumos, na sua residência sita em Rua ........., .., .........., na Covilhã, entre outros objectos, armas e munições, as seguintes munições e objecto: - 30 (trinta) munições de calibre 7,62mmxl7mm, também designado por cal. 32 AUTO), todas da marca Geco, todas com balas do tipo FMJ e todas aparentemente contendo todos os componentes e em bom estado de conservação exterior, sem valor atribuído; - 01 (uma) munição de calibre 7,92 Mauser (7,92x57Mauser) do lote 66-13, da marca FNM (Fábrica Nacional de Munições), com bala do tipo FMJ, aparentemente contendo todos os componentes e aparentemente em condições de ser disparada em arma de fogo, sem valor atribuído; - 01 (uma) munição de calibre 357 Smith & Wesson Magnum (9x32,5Rmm), da marca Sellier & Bellot, com bala do tipo FMJ, aparentemente contendo todos os componentes e em bom estado de conservação exterior, sem valor atribuído; - um carregador para arma de calibre 7,62x51, com capacidade para 20 munições, em tudo idêntico aos utilizados na Espingarda Automática G-3, mas também capaz de ser usado noutras armas de outras marcas e outros fabricantes; foi fabricado em Portugal pela extinta Fábrica Militar de Braço de Prata e pertencente ao lote de fabrico 11/64 (ano de 1964), com número de série: 1005-12-127-7057; em mau estado de conservação, mas funcional, sem valor atribuído; As descritas munições muito embora não seja possível determinar a respectiva anterior propriedade pelas Forças Armadas, constituem material de guerra, de valor seguramente inferior à U.C.

O carregador foi trazido pelo arguido em 1972, quando regressou da guerra do ultramar, onde combateu, como recordação.

Ao guardar e deter em seu poder o descrito material de guerra, o arguido estava ciente das suas características e de que as guardava e detinha de forma ilegal.

O arguido agiu de forma livre e consciente, sabendo que a descrita conduta é proibida e punida por lei.

Mais se provou que: O arguido é oriundo da zona centro do país, tendo permanecido e organizado a sua própria vida num meio essencialmente rural, embora profissionalmente ligado à indústria de lanifícios.

Tendo desenvolvido actividade laboral, como operário fabril, na indústria de lanifícios. Há dezasseis anos que passou à inactividade, por falência da empresa onde trabalhava. Desempregado de longa data, nunca demonstrou grande empenho em alterar esta situação, acomodando-se à inactividade laboral, aguardando pelas poucas solicitações que vão surgindo, sempre que na aldeia acontecem imprevistos que fazem apelo às suas capacidades, pois é apontado como "engenhocas", sendo muito habilidoso, sobretudo em trabalhos de serralharia. Ocupa-se numa pequena oficina cheia de ferramentas que utiliza para recriar objectos para sua satisfação pessoal. Tem gosto em coleccionar diversos utensílios em metal.

Após concluir a 4a classe, com catorze anos de idade, deu início à actividade laboral na Covilhã. Foi nesta cidade que fixou residência, após ter casado aos vinte e um anos com D:........., de quem teve dois filhos, um com vida já organizada de forma autónoma e outro com problemas de saúde mental, a residir em .........., de forma mais ou menos independente.

Aos dezanove anos ingressou no serviço militar, tendo cumprido dois anos no Ultramar.

Acerca desta experiência B.......... aponta para sintomatologia pós traumática, nos primeiros tempos após o regresso a casa.

Bem integrado na família e na comunidade da residência, o arguido é apontado como um indivíduo pacato, bem disposto e prestável.

Foi condenado em Novembro de 2007, no Processo ../06.1GHCVL do .º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, por crime de receptação dolosa, em pena de multa, que pagou.

Mantém até ao presente, um relacionamento estável com a esposa e os dois filhos.

A esposa do arguido trabalha há dezassete anos na agricultura, numa empresa local - E.......... - sendo o seu vencimento (mínimo nacional), a única fonte de rendimento do casal.

Residindo em casa própria, o arguido cultiva para gastos de casa uma pequena propriedade, onde ocupa algum do seu tempo livre.

As relações familiares e de vizinhança caracterizam-se pelo bom entendimento, constatando-se a existência de um saudável convívio com os conterrâneos, sendo B.......... frequentemente solicitado para animar festas, com o seu acordeão.

A imagem que o arguido transmite no meio social da residência é de estabilidade, podendo...

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