Acórdão nº 0846290 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I 1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º .../07.0PAMAI, do ..º juízo de competência criminal do Tribunal Judicial da Maia, por acórdão de 23/06/2008, foi decidido, no que, agora, releva, julgar a acusação procedente, por provada, e condenar o arguido B.......... pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132º, n.os 1 e 2, alíneas g) e i), do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, nas penas parcelares de 17 anos de prisão e 1 ano de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. O arguido interpôs recurso do acórdão e rematou a motivação com a formulação das seguintes conclusões: «1 - O Tribunal " a quo" condena o arguido pela prática do crime de homicídio qualificado por entender que da actuação do mesmo resultam provadas circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade.

    «2 - Entendeu o Tribunal " a quo" que no caso em apreço se verificaram as agravantes plasmadas nas alíneas g) e i) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal em vigor à data da prática dos factos, actualmente alíneas h) e j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal (Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro).

    «3 - Andou mal o Tribunal "a quo", isto porque, por um lado, interpretou e aplicou de forma incorrecta normas com que fundamenta a decisão, por outro, existem concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

    «4 - É notório que o Douto Acórdão recorrido ao afirmar que se provou que o arguido tenha actuado com recurso a meio particularmente perigoso, agindo com frieza de ânimo, reflectindo sobre os meios empregados e, persistindo na intenção de matar por mais de 24 horas, laborou em erro manifesto de apreciação de prova, já que desta se extrai conclusão contrária.

    «5 - Assim, verificando-se que o Tribunal "a quo" labutou nos assinalados erros de apreciação da prova, com a consequente aplicação ao caso do disposto no artigo 132º, nº 1 alíneas g) e i), constata-se que estas normas foram violadas.

    «6 - Como tal, deve o Douto Acórdão recorrido ser alterado nesta parte e substituído por outra decisão que, fazendo bom uso e correcta aplicação da prova obtida, considere não verificadas as aludidas circunstâncias qualificativas do crime de homicídio.

    «7 - A procedência do expendido implicará uma situação de homicídio simples, pelo que deverá a pena parcelar aplicada ao arguido ser substancialmente reduzida.

    «8 - Assim, a pena a aplicar ao arguido pelo crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131º do C.P. não deverá ser superior a 11 (onze) anos e 6 (meses) de prisão.

    «9 - Mesmo que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, a medida da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado (artigos 131º e 132º, nº 1, alíneas g) e i) não está correcta, apresentando-se desajustada pois deveria ser inferior e nunca mais do que 14 (catorze) anos de prisão.

    «10 - O Tribunal "a quo" errou ao considerar elevado grau de ilicitude.

    «11 - Dentro das inúmeras situações de facto que se podem subsumir na previsão do tipo legal de crime de homicídio p.p. nos artigos 131º e 132º, nº 1, alíneas g) e i) do C.P., a actuação imputada ao recorrente espelha grau de ilicitude mediano.

    «12 - O Tribunal "a quo" errou também ao considerar: "...muito graves as consequências da prática dos factos atinentes ao crime de homicídio, que se traduziram no ceifar da vida de uma pessoa.", isto porque, não obstante muito graves, tais consequências fazem parte do tipo de crime.

    «13 - Andou ainda mal o Tribunal "o quo", ao não considerar como atenuante o facto do arguido recorrente, logo após o cometimento do homicídio, se ter entregado voluntariamente às autoridades policiais.

    «14 - Merece também reparo a pena aplicada ao arguido pelo crime de detenção de arma proibida, p.p. no artigo 86º, nº 1, Alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

    «15 - De facto não se apurou em que circunstâncias o arguido entrou na posse da espingarda de cano de alma lisa, de marca VERNEY CARRON, fabricada em .......... - França, modelo não identificado, com o número de série ...... .

    «16 - Logo, o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, e o modo de execução, por aplicação do princípio "in dubio pro reo", são residuais.

    «17 - Já as consequências da prática deste crime são consumidas quase em absoluto pelo crime de homicídio.

    «18 - A pena parcelar a aplicar ao arguido não deveria nunca ser superior a 6 (seis) meses de prisão.

    «19 - Porquanto, foi violado o disposto no artigo 71º do Código Penal.

    «20 - Tudo ponderado, ao arguido, deverá ser aplicada a pena única não superior a 11 (onze) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática em concurso real do crime homicídio, p.p. no artigo 131º do C.P. e do crime de detenção de arma proibida, p.p. no artigo 86º, nº 1, Alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

    «SEM PRESCINDIR «21 - Ainda que considerando que cometeu o crime de homicídio qualificado, que pelas razões expostas não se concorda, a pena única a aplicar não deveria ser superior a 14 (catorze) anos e 3 (três) meses de prisão.» 3. Ao recurso foi apresentada resposta pelo Ministério Público, na qual é sustentada a sua improcedência.

  2. Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta instância.

  3. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], o Ex.mo Procurador-geral-adjunto emitiu parecer no qual se pronunciou, quanto à qualificação jurídica da conduta, de que nos factos provados não se encontra comprovada a circunstância do uso de "meio particularmente perigoso", devendo, no entanto, o homicídio ser qualificado pela "frieza de ânimo", e, quanto à medida da pena, pela sua redução, para 14 anos de prisão.

  4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.

  5. Não tendo sido requerida a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP), colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.

    Dos trabalhos da mesma promana o presente acórdão.

    II 1. Das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação - pelas quais se define e delimita o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) -, as questões colocadas pelo recorrente são, em síntese, as seguintes: - a da qualificação do homicídio pelas circunstâncias das alíneas g) e i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal[2], na redacção em vigor à data da prática dos factos; - a da medida da pena, pelo crime de homicídio, ainda que a manter-se a qualificação jurídica do mesmo; - sem questionar a opção pela pena de prisão, a da medida da pena, pelo crime de detenção de arma proibida.

  6. Começaremos por analisar o acórdão nos aspectos que são especialmente convocados pelo objecto do recurso.

    2.1. Foram dados por provados os seguintes factos: «Da pronúncia «1. O arguido B.......... viveu em união de facto com C......... durante cerca de onze anos, tendo um filho em comum com sete anos de idade, mantendo o casal residência habitual na .........., nº ..., .......... .

    «2. Pelo menos desde o início de Maio de 2007 que o arguido suspeitava que a sua companheira C.......... mantinha uma relação extraconjugal.

    «3. No início do mês de Maio de 2007 C.......... comunicou ao arguido que a relação de ambos tinha terminado e se queria separar dele, o que acabou por acontecer no dia 12 desse mês.

    «4. Nesse dia, C.......... saiu de casa e passou a viver em união de facto com D.......... .

    «5. Ao contrário do que ambos esperavam, pois tinham medo da reacção do arguido, este mostrou-se aparentemente conformado com a situação, tendo permitido que a C.......... visitasse o filho de ambos.

    «6. Neste contexto, quer ela, quer o D.........., retomaram a sua vida normal, regressando às suas rotinas diárias.

    «7. Porém, pelo menos desde o dia 16 de Maio de 2007, o arguido tinha o firme propósito de tirar a vida ao D.........., engendrando um plano para atingir tal fim, sendo certo que conhecia as rotinas diárias quer da vítima, quer da ex-companheira.

    «8. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, o arguido entrou na posse de uma espingarda de cano de alma lisa, de marca "VERNEY-CARRON", fabricada em .......... - França, modelo não identificado, com o número de série ...... e respectivos cartuchos de marca GB Express, calibre 12/70, a qual apresentava os canos e a coronha cortados.

    «9. No dia 18 de Maio de 2007, por volta das 18H00, o arguido dirigiu-se na carrinha de marca Renault, modelo .........., de matrícula ..-..-QG, de cor branca, à Rua .........., no .........., Maia, onde sabia que D.......... costumava ir buscar as suas filhas, pois o seu filho frequentava a mesma escola, e com o intuito de aí o (ao D..........) encontrar.

    «10. Segundos antes, o D.......... havia chegado à referida rua, tendo estacionado a sua viatura de marca Hyundai, cor cinzenta, com a frente virada para a saída da rua.

    «11. Acto contínuo, o arguido saiu da sua carrinha com a caçadeira supra referida em punho e dirigiu-se ao carro do D.........., que se encontrava ainda no seu interior do seu veículo automóvel, sentado no banco do lado do condutor.

    «12. Entretanto, o D.......... apercebeu-se que o arguido se dirigia na sua direcção com espingarda em punho e ainda tentou fazer marcha-atrás e fugir, mas não conseguiu em virtude de já se encontrar estacionado atrás da sua viatura um outro veículo automóvel, de marca Opel, modelo ............, matrícula ..-..-CH, pertencente a E.........., no qual acabou por embater bruscamente.

    «13. Ao ver que não conseguia fugir no seu carro, o D.......... saiu do mesmo e tentou fugir a pé, mas não conseguiu.

    «14. Com efeito, o arguido, que já se encontrava muito perto de si, ao vê-lo sair do carro, foi no seu encalço e efectuou três disparos na...

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