Acórdão nº 0815791 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 5791/08-1)* Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: *I- RELATÓRIO Na 3ª Vara Criminal do Porto, no processo comum (tribunal colectivo) nº ............/03.0TASTS, foi proferido, em 29/5/2008, acórdão (fls. 378 a 382), constando do dispositivo o seguinte: "Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em julgar improcedente, por não provada, a pronúncia, e, em consequência, absolver o arguido da prática dos crimes que lhe foram imputados nos presentes autos.

Sem custas, por não serem devidas.

(...)"*Inconformado com essa decisão, em 25/6/2008, o Ministério Público dela interpôs recurso (fls. 387 a 404), concluindo a sua motivação nos seguintes termos: "1º No crime de burla o erro pode ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de actos concludentes que induzam o lesado no erro que o leva à prática de actos que lhe causem prejuízo patrimonial; 2º apresentando-se o arguido ao queixoso como negociante de automóveis, quando este último estava anunciando a venda de um Mercedes CLK e fazendo-lhe crer que lhe comprava o carro, entregando para isso um cheque pelo valor do preço acordado, sem ter intenção de pagar, o arguido enganou-o; 3º e por via desse engano, o queixoso entregou-lhe o carro, as chaves, a declaração de venda assinada e os documentos, convencido de que tinha feito um negócio normal! 4º o cheque entregue, pré-datado, não tinha cobertura, nem nunca a teve! 5º o convencer o queixoso de que fazia um negócio normal, foi a forma de o arguido o levar a entregar-lhe o carro, com todos os documentos necessários para o poder usar; 6º e na posse do carro, foi vendê-lo imediatamente a um stand, por um preço bastante inferior àquele pelo qual convenceu o queixoso a entregar-lho, seja, por € 26.200,00, dinheiro que recebeu e fez seu; 7º e essa conduta materializa todos os pressupostos do crime de burla, tal como tipificado no art. 217 nº 1, sejam: - a indução astuciosa em erro acerca da sua idoneidade e capacidade financeira para certo negócio; - a obtenção de uma vantagem económica (a posse do veículo e posterior venda e recebimento do preço); - a criação de um prejuízo patrimonial para o enganado; 8º ao considerar a conduta do arguido não uma manha ou conduta enganosa mas apenas um incumprimento contratual, o douto tribunal colectivo demonstra não ter apreciado a prova produzida segundo um juízo crítico correcto; 9º o que deveria ter-se concluído no douto acórdão, é que estão provados e preenchidos os pressupostos facticos e o dolo do crime de burla, neste caso agravada pelo valor; 10º o crime de falsificação de documento também se preenche com o uso de um documento falsificado - art. 256 nº 1-c) do CP; 11º só o arguido tratou com o stand a venda do Mercedes, pelo que só ele, porque recebeu o preço, poderia ter entregue o recibo falsificado referido na acusação; 12º os crimes contra o património são ultimamente muito frequentes, pelo que se impõem penalizações dissuasoras; 13º o arguido deveria ter sido condenado, em pena de prisão, eventualmente suspensa na sua execução, pela prática de um crime de burla qualificado e de uso de falsificação de documentos, p. e p. pelos arts. 217 e 218 nº2-a) e 256-c), com a condição de indemnizar o lesado pelo valor do prejuízo sofrido; 14º ao absolver o arguido, o douto acórdão violou as normas dos arts. 127, 368 nº2, 375 do CPP e arts. 217, 218 nº 1 e 256-c) do CP; 15º o douto acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que condene o arguido nos termos já referidos na conclusão 13º."*Também o assistente José da Costa Carneiro, inconformado com o acórdão, em 23/6/2008, interpôs recurso (fls. 405 a 420), concluindo a sua motivação nos seguintes termos: "I. O presente recurso limita-se à parte em que o douto acórdão recorrido absolve o arguido da prática do crime de burla qualificada.

  1. Na verdade, foi o arguido incorrectamente absolvido de tal crime de burla qualificada, derivando tal absolvição, com o devido respeito, de manifesto erro na apreciação da prova produzida em julgamento, assentando a decisão em crise em pressupostos fácticos e em juízos interpretativos que, sempre com o devido respeito, não se verificaram, nem da prova produzida podem ser concluídos, como o foram, sendo ainda deficiente a fundamentação do mesmo acórdão no que se refere aos motivos que levaram a tal decisão; Na verdade, III. De acordo com o texto do acórdão recorrido, o arguido, comerciante de automóveis, negociou com o ofendido a aquisição da viatura deste, pelo valor de € 29.957,00 dado, alegadamente, "ter um cliente que estava interessado". Neste circunstancialismo, o ofendido entregou ao arguido a viatura e respectivos documentos e, este entrega àquele um cheque de sua subscrição, pré-datado, naquele preciso montante - o qual acabou por não ter provisão. Nesse mesmo dia (!) o arguido contacta um Stand, a quem vende a referida viatura pelo valor de € 26.200,00. E fez tal negócio porque, alegadamente "o cliente que estava interessado nele desinteressou-se do negócio e porque tinha necessidade urgente de realizar dinheiro." IV. Contudo, o acórdão recorrido não atende ao engano que o arguido astuciosamente provocou no ofendido com vista a o induzir à prática de um acto - a entrega da viatura e respectivos documentos em condições de ser comercializado. Vide Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 1996; V. Da verificação do erro ou engano sobre os factos que astuciosamente provocou: Do teor das declarações prestadas em juízo pelo arguido e ofendido verifica-se que a questão do "interessado" na compra da viatura, um tal "homem de Viana", embora tenha sido absolutamente desconsiderada pelo acórdão de que se recorre é, todavia, absolutamente fundamental para se perceber o engano que o arguido astuciosamente provocou no ofendido/assistente.

  2. Na verdade, do teor de tais declarações, facilmente se conclui que o assistente foi levado em crer que (1) o arguido tinha "um armazém de automóveis", (2) o arguido tinha um "interessado" no carro, (3) que esse "interessado" era real e credível - foi, inclusivamente, apresentado ao ofendido, (4) que o cheque de pagamento era pré-datado porque só após o pagamento do carro, pelo "interessado", é que o arguido disporia de fundos bastantes para pagar ao ofendido, (5) que tal "interessado" efectivamente adquiriu o carro do arguido e, (6) que o dito "interessado" não pagou ao arguido, o que "justificava" que esta não pagasse ao ofendido... VII. O acórdão de que se recorre, todavia, desconsidera em absoluto o cenário assim criado pelo arguido e enquanto tal padece de erro notório na apreciação da prova produzida.

  3. O acórdão em crise não atende, também, como devia, às diferentes versões dadas pelo arguido em Tribunal /pelo arguido ao ofendido, quanto ao destino dado à viatura: se em tribunal o arguido aceita ter vendido a viatura no dia imediatamente seguinte a se ter apossado dela, já o ofendido declarou em juízo que o arguido lhe reiterava ter vendido a viatura ao "interessado" e que, se não lhe pagava, era porque tal "interessado" também não lhe pagava a ele.

  4. Além de não considerar estes relevantes factos e contradições, o acórdão nem sequer apresenta qualquer justificação sobre os motivos dessa desconsideração. De facto, X. Sem que alguma vez ponha em causa a veracidade ou credibilidade das declarações prestadas pelo assistente, atende a estas, apenas, na parte em que as mesmas descrevem "as circunstâncias do negócio de forma idêntica àquela que foi referida pelo arguido". Mas, quando tais declarações diferem, e muito, das declarações prestadas pelo arguido, já nenhuma relevância lhes é conferida, sem qualquer motivo justificativo.

  5. Por outro lado, às declarações do arguido é dada indevida credibilidade, pois que as mesmas contêm contradições insanáveis e, face à decisão que aparentemente motivaram, chocam com as mais elementares regras da experiência comum: Na verdade, a. Não é credível que quem andou pelo menos um mês e meio a dizer ao arguido "arranje-me um carro, arranje-me um carro" (o "interessado") que vai com o arguido conhecer tal carro, que sabe das negociações com vista à sua aquisição, no dia em que esse carro é por este adquirido, lhe diga que não o quer porque já comprou outro; b. Não é credível que um vendedor experimentado, como o arguido diz ser, não comunique com o dito "interessado", não confirme com este o interesse, imediatamente antes de efectivar a entrega do cheque de pagamento; c. Não é ainda credível que, sendo tão difícil encontrar-se um carro como o que o "interessado" pretendia - como o arguido repetidamente diz ser - esse dito "interessado", em tão curto espaço de tempo (entre os segundo e terceiro encontros do ofendido com o arguido) encontre e adquira esse carro, sem nada dizer ao arguido ou ao stand que alegadamente de início contactou; d. Por outro lado, ainda que a estória da desistência do interessado fosse verdade, se o arguido tinha um mês para cumprir com o ofendido, e se, como ele (arguido) diz, transaccionava, à data, "15, 18, 20 carros por mês"... porque não pagou? Porque é que, ao fim de seis anos ainda não o fez? XII. A conduta do arguido revela inequivocamente o engano que astuciosamente pretendeu provocar, e efectivamente provocou, no ofendido, criando-lhe falsas convicções sobre determinado facto, determinativas da conduta deste - a entrega da viatura em condições de ser comercializada, recebendo em contrapartida um mero cheque pré-datado - conduta essa da qual resultou, e continua a resultar, um inequívoco enriquecimento ilegítimo do arguido, e consequente empobrecimento do ofendido.

  6. Da verificação do enriquecimento ilegítimo do arguido: é sabido que há aqui que se atender ao conceito civilístico de enriquecimento sem causa, que tem como requisitos: a) o enriquecimento de alguém; b) o consequente empobrecimento de outrem; c) o nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do...

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