Acórdão nº 0824266 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução09 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. N.º 4266/08-2 REL. N.º 536 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I.

RELATÓRIO "B.........., Lda.", sociedade comercial por quotas, com sede em .........., Vila Nova de Poiares, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra "C.........., Lda.", com sede em .........., .........., pedindo que esta seja condenada a:

  1. Reconhecer o direito de superfície da Autora, com o objecto, termos e conteúdo identificados nos arts. 1º a 3º da petição inicial; b) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o estabelecimento comercial (posto de abastecimento) de venda de combustíveis por si instalado no exercício dos poderes conferidos por aquele direito de superfície; c) Entregar à Autora o identificado estabelecimento comercial, com todos os elementos componentes; d) Indemnizar a Autora dos prejuízos decorrentes da ocupação e exploração ilegítima do estabelecimento em causa, em montante a liquidar em execução de sentença, prejuízos que levem em conta os lucros cessantes e os danos emergentes referidos nos artigos 8º e 9º da petição inicial.

    A Ré contestou, impugnando, excepcionando e reclamando a improcedência dos pedidos da Autora. No mesmo articulado, a Ré deduziu reconvenção, pedindo que, para a hipótese de procedência da acção, seja declarada a cessão de exploração do posto de abastecimento a favor da Ré, pelo prazo de 25 anos e, em qualquer caso, que a Autora/Reconvinda seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.550,00, acrescida de juros vincendos, à taxa lega, até efectivo pagamento.

    Na réplica, a Autora manteve a sua posição inicial e pediu a condenação da Ré como litigante de má fé, em multa não inferior a € 5.000,00 e indemnização a seu favor nunca inferior a € 7.500,00.

    A reconvenção foi admitida e, logo no saneador, foram apreciados e julgados procedentes os pedidos formulados nas alíneas a) e b) da petição inicial (fls. 158 a 162) e ainda, quanto à multa, o incidente de má fé processual suscitada pela Autora.

    A Ré interpôs recurso do despacho saneador, na parte em que conheceu dos pedidos e que a condenou como litigante de má-fé, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir a final, com efeito devolutivo - v. fls. 200.

    Conclui as suas alegações de recurso do seguinte modo: 1. A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 830º do CC, 3º, n.º 3, 456º e ss. e 659º, n.º 3, do CPC.

    1. O alegado pela recorrida nos arts. 1º. 2º e 3º da petição inicial não corresponde à condenação da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra no processo .../97.

    2. Contrariamente ao que se diz nos arts. 1º, 2º e 3º da petição inicial, a recorrida não tem um direito de superfície, porque a sentença do Tribunal Judicial de Coimbra não lhe constituiu esse direito.

    3. A sentença teria constituído esse direito se, porventura, do pedido e inerente condenação resultasse declarada a vontade da Ré em substituição operada pelo tribunal, como resulta próprio da condenação em execução específica a que se refere o art. 830º do CC.

    4. Assim, teríamos que, para ser verdade o alegado nos arts. 1º, 2º e 3º da petição inicial, e dado como assente por força do caso julgado inter-partes o que resulta da junção da certidão judicial, o pedido e a condenação teriam que ser feitos, produzindo a sentença os efeitos da declaração omissa da recorrente.

    5. No pedido formulado na petição inicial desses autos n.º .../97, deveria a recorrida ter dito: "Termos em que requer a V.ª Ex.ª que, em cumprimento do contrato promessa e substituição da Ré, declare constituir a favor da Autora um direito de superfície, pelo preço de um milhão de escudos, durante 25 anos, nos moldes definidos no documento de fls. 6 e 7, sobre a área de mil metros quadrados de um terreno para construção, sito no .........., freguesia de .........., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 58293. a fls. 51 do Livro B-153, com frente para a estrada municipal".

    6. Não se encontrando o pedido formulado naqueles termos, não pode a sentença produzir os efeitos de uma execução específica e, logo, não se pode ter nenhum direito de superfície por constituído.

    7. A Autora pediu ao Tribunal que declarasse validamente celebrado um contrato entre a Autora e Ré.

    8. Acontece, porém, que o juízo de validade sobre um contrato implica a sua prévia existência. O que não aconteceu.

    9. O contrato prometido não existia. Nunca foi celebrado! 11. O pedido de execução específica não é um pedido ao tribunal que se pronuncie sobre a validade de um contrato.

    10. Declarar validamente um contrato e declarar constituído um direito de superfície a favor da Autora são duas coisas radicalmente distintas.

    11. O Tribunal ao declarar validamente celebrado um contrato não está a produzir os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do art. 830º do CC.

    12. Da sentença dada nos autos n.º .../97 do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra não resulta a constituição de qualquer direito de superfície e, consequentemente, não poderia o mesmo ser reconhecido nos presentes autos como o foi.

    13. A recorrente disse, e mantém, que a recorrida nunca instalou estabelecimento comercial algum no terreno da recorrente. Estabelecimento comercial enquanto universalidade, enquanto realidade jurídica e económica.

    14. O que a recorrente aqui alega não é sequer contraditório com os factos constantes e dados como provados no já referido processo n.º .../97.

    15. O estabelecimento comercial é muito mais do que instalar meia dúzia de máquinas. Tem clientela, aviamento, nome comercial, organização, etc ...

    16. Nenhum desses elementos foi lá colocado pela recorrida. Tudo isso foi feito pela recorrente, que explora o estabelecimento desde o início, como também consta da matéria de facto dada como provada no processo n.º .../97, sob o n.º 2.5.

    17. Daí que, pese embora ter sido a recorrida a proceder à instalação de vários equipamentos, não se possa afirmar que a mesma lá tenha instalado um estabelecimento comercial, tal como se impugnou e, consequentemente não se possa deduzir pedido de reconhecimento de direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial, uma vez que este engloba elementos que lhe não pertencem e que são indissociáveis da exploração que a recorrente faz do estabelecimento.

    18. Ainda que não se concorde com os argumentos aqui expendidos, sempre se terá de concluir, face ao alegado, que a recorrente estava convencida da justeza dos argumentos bramidos e do fundamento da oposição que deduziu.

    19. Assim sendo, não existe sequer negligência grave, porque a parte não infringiu o seu dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia ignorar e, logo, não há litigância de má fé.

    20. A recorrida não foi ouvida antes de lhe ser aplicada a sanção de litigância de má fé.

    21. O que, neste particular, constitui nulidade que para todos os efeitos legais se invoca.

      Entretanto, fez-se a selecção da matéria de facto relevante para conhecimento dos demais pedidos, selecção essa que contou com reclamação da Ré, integralmente desatendida a fls. 200.

      Realizou-se o julgamento e respondeu-se à matéria da base instrutória pela forma e com a fundamentação que consta de fls. 245, sem que surgisse qualquer reclamação.

      Por fim, foi proferida a seguinte sentença: "

      1. Condeno a Ré a entregar à Autora o estabelecimento comercial identificado referido no ponto 2. da decisão de fls. 162, com todos os elementos componentes; B) Condeno a Ré a indemnizar a Autora pelos lucros cessantes referidos em 4.2. supra e decorrentes dos factos descritos em 3.15. e 3.16., em montante a fixar em liquidação em execução desta decisão; D) Absolvo o Ré do restante pedido; E) Absolvo a Reconvinda C.......... dos pedidos reconvencionais; (...)".

      A Ré, mais uma vez inconformada, recorreu.

      O recurso foi admitido como sendo de apelação, com efeito devolutivo.

      Nas respectivas alegações, a apelante pede a improcedência dos pedidos da Autora apreciados na sentença e a procedência do pedido reconvencional por si deduzido, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida viola e faz errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 798º e ss., 813º e ss. e 830º do CC.

    22. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a alegação de recurso de apelação do saneador anterior, no que toca à inclusão das alíneas A), B), C), D) e E) nos factos assentes, porque é esta a sede própria para atacar a selecção da matéria de facto aí assente, objecto de reclamação não atendida a fls. 181.

    23. Da matéria de facto provada consta que (pontos 12., 13. e 14): "12. Nos termos do contrato-promessa de cessão de exploração, a A. prometeu ceder a exploração do posto de abastecimento à Ré pelo prazo de 25 anos a partir da instalação do posto de abastecimento de combustíveis, mediante o preço de 1.000.000$00 a pagar no acto da escritura, conforme documentos constantes de fls. 85 a 89.

    24. Até hoje as partes ainda não celebraram a escritura de cessão de exploração.

    25. O estabelecimento comercial referido em 4. vem sendo ocupado e fruído, desde pelo menos o inicio de 1997, por parte da Ré, contra a vontade da A.".

    26. A referência a "contra a vontade da A." deve ser expurgada da matéria de facto do ponto 14., considerando-se como não escrita, porque é matéria conclusiva e não qualquer facto, atenta a feliz definição de facto jurídico de Antunes Varela, como sendo todo e qualquer acto humano ou acontecimento natural que é juridicamente relevante.

    27. Está aceite por recorrente e recorrida que a recorrente passou a deter a estrutura do posto de abastecimento, com todos os elementos físicos que o integram, em consequência de tradição feita pela recorrida à recorrente no âmbito do contrato-promessa celebrado.

    28. Assistia-lhe, assim, como lhe assiste, direito de retenção, nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f), do CC, pelo que não deveria ter a decisão recorrida decidido como decidiu, condenando na entrega do estabelecimento comercial, atenta a...

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