Acórdão nº 0835295 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Nº 11 Apelação nº 5295/08-3 Tribunal recorrido: ...ª Vara Cível do Porto (processo nº ...../06.5TVPRT) Relatora: Maria Catarina Gonçalves Juízes Adjuntos: Dr. Pinto de Almeida e Dr. Teles de Menezes.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.
B................, S.A., com sede na Rua .........., ...., Porto, intentou a presente acção com processo ordinário contra C.............. e mulher, D............, por si e na qualidade de representantes legais do seu filho menor, E.............., todos residentes na Rua ......., nº ......, Porto, pedindo que estes sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de 120.836,40€ acrescida de juros legais desde 04/01/2006 até integral pagamento.
Fundamenta a sua pretensão num acidente de viação que ocorreu no dia 02/05/2005 e no qual foi interveniente o motociclo de matrícula ..-..-DG, propriedade do réu, C.............. e conduzido pelo seu filho menor, E.............., acidente esse que se deveu a culpa exclusiva do condutor do referido motociclo e do qual resultou a morte de F................ Mais alega que, por força do contrato de seguro que havia sido celebrado relativamente a esse motociclo, pagou a indemnização devida aos lesados (pais de F.............) e procedeu ao pagamento de outras despesas, no total de 120.836,40€, assistindo-lhe o direito de reaver essa quantia já que o condutor do veículo não possuía carta de condução que o habilitasse a conduzir o motociclo. Alega ainda que a responsabilidade pelo reembolso dessa quantia recai sobre o condutor do veículo e sobre os seus pais, na medida em que, sendo aquele menor de idade, os mesmos não cumpriram adequadamente o seu dever de vigilância.
Os réus contestaram, invocando a ilegitimidade do réu, E................, dada a circunstância de não ser imputável, por ter apenas 15 anos de idade e alegando que: o acidente ocorreu por culpa da vítima que não observou os cuidados devidos na travessia da passadeira; as lesões sofridas em consequência do acidente não levariam à morte da vítima, sendo que esta faleceu em consequência de infecção respiratória que terá ocorrido passado um mês e dez dias, infecção essa que não foi consequência necessária e directa dos traumatismos verificados com o sinistro; os 2ºs réus nunca autorizaram o menor a conduzir o veículo, sendo certo que o mesmo conduziu aquele veículo abusivamente e sem consentimento dos pais que não podiam prever aquele comportamento; os 2ºs réus fizeram a vigilância que, nas circunstâncias, lhe era exigida e que se pode esperar a um pai médio para um filho com 15 anos de idade.
Com estes fundamentos, concluem pela ilegitimidade do 1º réu e pela improcedência da acção.
A autora respondeu à contestação, após o que foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade que havia sido invocada.
Os autos seguiram os trâmites legais e, após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 120.836,40€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreram os réus, com os seguintes fundamentos: 1ª - O Mº Juiz "a quo" fez um incorrecto julgamento da matéria de facto, no que se refere aos quesitos 36º a 41º da base instrutória, sendo certo que não foram devidamente valorados os depoimentos das testemunhas, G..............., H............., I............... e J...................; 2ª - Assim, quanto aos quesitos 36º a 39º, o Mº Juiz deveria ter dado como provado que muitas vezes os réus, pais do menor E.............., tinham proibido este de andar com o veículo DG e que só poderia andar quando tivesse 16 anos de idade e carta de condução e que essa proibição e chamadas de atenção eram feitas variadas vezes e sempre que o E............. mostrava interesse por conduzir a "moto" e ainda que o Osvaldo conduziu a moto contra ordens expressas dos pais; no que toca aos quesitos 40º e 41º, o Mº Juiz deveria ter dado como provado que a "moto" estava guardada na garagem da casa e sem as chaves e com um cadeado, próprio das motos, na roda da "moto" e que as chaves estavam escondidas do menor para evitar que este a tentasse usar; 3ª - A vigilância que os pais devem exercer sobre os filhos, durante a sua menoridade, não tem sempre o mesmo conteúdo, a mesma intensidade e a mesma frequência; 4ª - Tal vigilância vai diminuindo na sua intensidade, no seu conteúdo e na sua frequência à medida que os filhos crescem e desenvolvem as respectivas personalidades e capacidades; 5ª - Estando provado que os pais do menor o proibiram de conduzir a moto até perfazer 16 anos de idade e obter licença ou carta de condução; que a moto estava fechada na garagem e que as chaves da mesma estavam em local a que o menor não tinha fácil acesso, não pode dizer-se que os pais tivessem violado as obrigações de vigilância, não podendo ser exigido aos pais que seguissem toda a actividade do menor; 6ª - Atenta a prova produzida e atendendo às regras da experiência comum, deve considerar-se cumprido o dever de vigilância a que os pais estavam obrigados; 7ª - O Tribunal "a quo" fez uma interpretação menos conforme dos arts. 491º e 1878º do Código Civil; 8ª - O réu, E............, tinha, à data do acidente, a idade de 15 anos, pelo que o mesmo era portador de incapacidade natural e, como tal, não pode ser responsabilizado civilmente pelos danos por si causados por actos ilícitos; 9ª - A responsabilidade civil por actos ilícitos do incapaz natural é "ab início" das pessoas sujeitas ao dever de vigilância caso tenha havido violação desse dever, conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 491º e 1878º do Código Civil, e não uma responsabilidade solidária entre o incapaz natural e os obrigados à sua vigilância; 10ª - O Tribunal "a quo" violou as disposições dos arts. 483º, 491º e 1878º do Código Civil, ao condenar o 1º réu solidariamente com os 2ºs réus, uma vez que, sendo o menor um incapaz natural, não pode ser responsabilizado pelos seus actos.
A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença proferida e formulando as seguintes conclusões: a) A matéria de facto dada como provada não merece qualquer reparo, sendo certo que os depoimentos citados pelos recorrentes são divergentes e imprecisos; b) Atendendo aos factos provados, é manifesta a responsabilidade do réu, E..........., na ocorrência do sinistro (facto que não foi contestado em sede de recurso) e é manifesto que essa actuação se deveu à incapacidade e incúria dos pais na sua formação moral; c) Incumbia aos réus, pais do menor, ilidir a presunção de culpa que sobre ambos recai, nos termos do art. 491º do Código Civil, e não o fizeram, sendo que nem sequer alegaram factos bastantes que permitissem ao Tribunal tal conclusão; d) A alegação de que o menor é inimputável é nova pois é certo que nenhum facto foi alegado, nesse sentido, na contestação; e) Não se pode confundir menoridade com inimputabilidade, como fazem os apelantes; f) A partir dos sete anos de idade e excluídos os interditos por anomalia psíquica, há uma presunção de imputabilidade que cabe ao autor da lesão ilidir, alegando e provando que não tem capacidade de querer e entender e de agir de acordo com essa capacidade; g) A existência da culpa in vigilando baseia-se, em parte, na possibilidade de acautelar o direito à indemnização do lesado da potencial insolvabilidade do autor da lesão e como à incapacidade natural nem sempre corresponde inimputabilidade, pode cumular-se a responsabilidade do incapaz e da pessoa obrigada a vigiá-lo, respondendo solidariamente, nos termos do art. 497º.
/////II.
Questões a resolver: É pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, de tal forma que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos arts. 660º, nº 2, 684º, nº 3, e 690º, nºs 1, todos do Código de Processo Civil).
Assim e tendo em conta as alegações do presente recurso, são submetidas à cognição deste tribunal as seguintes questões: A) - Reapreciação e eventual alteração da matéria de facto por força de alegado erro na apreciação da prova no que respeita aos factos descritos nos pontos 36º a 41º da base instrutória; B) - Cumprimento (ou não) do dever de vigilância dos pais (os réus, C.............. e D..............) relativamente ao seu filho menor (o réu, E..............) com vista a apurar se aqueles são ou não responsáveis pelos danos emergentes do acidente; C) - Possibilidade (ou não) de o réu, Osvaldo, ser responsabilizado civilmente pelos danos emergentes da sua conduta, dada a circunstância de ser menor de idade.
/////III.
Na decisão recorrida, foi dada como assente a seguinte matéria de facto: 1. No dia 2 de Maio de 2005, pelas 17h 55m, ocorreu um atropelamento da Rua Augusto Lessa, na cidade do Porto, no qual foi interveniente o motociclo de matrícula ..-..-DG, propriedade de C............. e conduzido pelo seu filho menor, E............. (alínea A) da matéria assente).
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O local onde ocorreu o atropelamento referido em 1. configura uma extensa recta de boa visibilidade (alínea G) da matéria assente).
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No dia e hora supra descritos, o DG circulava pela Rua Augusto Lessa, no sentido Nascente/Poente...
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