Acórdão nº 0842092 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEREIRA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Reg. 242 Apel. 2092.08 - 4.ª (PC ...07 - TTMatosinhos) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B.........., C.........., D.........., E.........., F.........., G.........., H.........., I.........., J.........., K.........., L.........., M.........., N.........., O.........., P.........., Q.........., S.........., T.........., U.........., e V.........., instauraram acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra W.........., S.A., pedindo seja esta condenada a pagar-lhes a remuneração relativa aos tempos de descanso compensatório não gozados, que ao longo da execução dos contratos de trabalho que manteve com cada um, sempre pagou sem o acréscimo legal.

A ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.

Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, na sequência do qual foi proferida, sem reclamações, decisão sobre a matéria de facto.

Proferida sentença foi a acção julgada totalmente improcedente e em consequência a ré absolvida do pedido.

Inconformados com esta decisão dela recorrem os autores, concluindo que: 1 - Da matéria provada (nºs 23 a 28) decorre claramente que as cláusulas nº 3 e 4 constantes nos Documentos denominados "Cessação do Contrato de Trabalho Por Mútuo Acordo", foram elaboradas pela R. sem prévia negociação individual com os AA., que os subscreveram, sendo, assim, cláusulas contratuais gerais sujeitas ao disposto no Artº 96 do Código do Trabalho e no D.L. 446/85 de 25 de Outubro, com a redacção dada D.L. 249/99 de 7.7.

2 - Estas cláusulas nº 3 e 4 não negociadas com os recorrentes, nem com os demais AA., deveriam ter-lhes sido comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em consideração a importância do acordo de cessação e a extensão e complexidade das cláusulas, se tornasse possível o seu conhecimento completo e efectivo (Artº 5º, nº 1 e 2 do D.L. 446/85).

3 - A R., ao recorrer a estas cláusulas, devia informar, de acordo com as circunstâncias, os aqui recorrentes dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (Artº 6, 1 do mesmo D.L.).

4 - Não consta provado nos autos o modo e a antecedência (apenas se refere ter sido facultado um prazo - nº 27) como a comunicação foi realizada, nem se foi prestada informação e em que termos aos aqui recorrentes sobre o teor das referidas cláusulas, sendo certo que "compensação pecuniária global", e "integral quitação de todas as importâncias ou direitos exigíveis" não são conceitos simples nem comuns.

5 - Sendo de notar que era à R. que incumbia alegar e provar toda esta factualidade (Artº 1, nº 3 e Artº 5, nº 3 do citado D.L.).

Assim, 6 - As cláusulas nº 3 e 4 dos documentos "de Cessação do Contrato de Trabalho Por Mútuo Acordo" têm que se considerar deles excluídas, pois que não se provou que tenham sido comunicadas nos termos do Artº 5º, nem que a R. cumpriu o dever de informação que lhe incumbia (Artº 8º do mesmo D.L.).

De resto, 7 - As referidas cláusulas nºs 3 e 4, enquanto cláusulas contratuais gerais, são absolutamente proibidas, pois que limitam as obrigações assumidas pela R. nos contratos de trabalho que tinha celebrado com os aqui recorrentes (Artº 21º do mesmo D.L.).

8 - As ditas cláusulas não podem, pois, ser objecto de qualquer apreciação.

9 - A douta sentença recorrida não se podia nelas fundar, para decidir sobre a improcedência da Acção, como veio a fazer.

Sem prescindir, 10 - Se assim não fosse - o que só se coloca por dever de patrocínio -, nem, por isso, a declaração constante na cláusula 4ª destes documentos podia conduzir à improcedência da Acção.

11 - Resultando igualmente provado nos autos que cada um dos AA., no momento em que outorgou com a R. o acordo de revogação do respectivo contrato de trabalho estava convencido de que esta nada mais lhe devia a título de remuneração pelos tempos de descanso compensatório não gozados - nº 20 da matéria provada -, inexiste qualquer abdicação ou renuncia por parte dos AA..

12 - A remissão de dívida, pressupõe um certo conteúdo intelectual e volitivo.

13 - "Renunciar (....) a um crédito ou a um direito, pressupõe que o credor o conheça, que tenha consciência da sua existência" Sublinhado nosso - Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 2002 - Col. Jurisprudência, 2002, III - 57, o que não se verificava com os recorrentes.

14 - Não existe, por isso, qualquer abdicação ou renuncia validamente assumida, não se podendo tirar da declaração por eles efectuada, qualquer efeito jurídico.

Além disto, 15 - O conteúdo da declaração inserta na Cl. 4ª dos documentos - "dando aqui o trabalhador integral quitação de todas as importâncias ou direitos por ele exigíveis emergentes da relação de trabalho" - é meramente conclusivo e genérico, não se especificando as importâncias ou direitos em causa.

16 - A sua especificação ou concretização seria essencial perante os interesses em jogo conjugados com a situação de subordinação jurídica existente na relação entre as partes e com o princípio geral da Boa-Fé.

17 - Esta declaração não tem, pois, qualquer relevância ou valor jurídico (ver Acórdão da Relação do Porto de 10 de Outubro de 1994, Colectânea de Jurisprudência, 1994 - IV - j) 252).

Note-se ainda que, 18 - Perante a declaração pelos recorrentes de uma quitação ampla e positiva em relação à totalidade das importâncias ou direitos emergentes da relação de trabalho e tendo em consideração o princípio geral da Boa-Fé e as regras legais sobre o valor probatório dos documentos particulares (nº 2 do Artº 376 do Código Civil), esta declaração só pode ter relevância quanto ao ónus da prova.

19 - Sem a emissão da declaração, cumpria ao devedor (a R.) provar que havia efectuado o pagamento dos créditos reclamados, mas com a sua emissão, passou a caber aos credores (os aqui recorrentes) o ónus de provar que não lhes foram pagos os créditos nela englobados (ver Ac. Relação de Lisboa de 26.2.2003 /TRL 00047932.dgsi.Net).

20 - Tendo os aqui recorrentes feito prova de que os créditos reclamados não lhes foram pagos pela R. (nº 1 a 19 da matéria provada), a declaração por eles produzida não lhes coarcta os respectivos direitos de créditos sobre a R..

Acresce que, 21 - As referidas declarações produzidas pelos recorrentes foram efectuadas na vigência dos contratos de trabalho, ainda em momento em que se encontravam subordinados económica e juridicamente à Ré, portanto, inibidos de tomar decisões verdadeiramente livres e sujeitos ao temor reverencial da R., e por ela psicologicamente condicionados.

22 - Este temor de poderem vir a sofrer represálias ou de virem a ser prejudicados caso não subscrevessem o acordo, objectivamente existente no momento da sua emissão, condicionou naturalmente não só a declaração em si como os seus próprios efeitos (ver já citado Acórdão Rel. Lisboa de 26.2.2003).

Pelo que, 23 - Os créditos reclamados na presente acção eram irrenunciáveis no momento da celebração do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho.

Igualmente sem prescindir, 24 - Ainda que as declarações dos aqui recorrentes pudessem merecer relevância - o que igualmente só por dever de patrocínio se coloca - elas seriam nulas por ter existido erro sobre a base de negócio.

25 - Como decorre da matéria provada (nº 20, 21 e 22) tanto os aqui recorrentes como a R. tinham celebrado os acordos de cessação dos contratos de trabalho convencidos da inexistência dos créditos peticionados na presente Acção.

26 - E segundo os princípios gerais da Boa-Fé, a R. não só não se poderia aproveitar da ignorância dos aqui recorrentes quanto a estes créditos para lhos tentar retirar, como é patente a enorme gravidade para os recorrentes do cumprimento das suas obrigações viciadas pelo errado convencimento existente, a qual lhes determinaria que não pudessem exercer direitos de crédito de valor muito elevado (entre 10 e 18 salários mínimos ao valor actual) com o correspondente enriquecimento injustificado da R..

27 - Sob pena de agir com má-fé, a R. não poderia deixar de ter igualmente esta (errada) convicção.

28 - Ao contrário do que se pretende na douta sentença recorrida, a circunstância de a R. (e antecessoras) sempre terem pago em singelo os créditos de tempo de descanso compensatório não gozado, sem reclamação de ninguém, ilustra claramente a existência de erro também por sua parte, pois, de outro modo, estaria a actuar dolosamente.

29 - De igual modo, o valor a pagar a cada recorrente no momento da cessação do contrato correspondia apenas ao pagamento-contrapartida da R. pela revogação - nº 25 da matéria provada -, pelo que não pode ser considerada como verba destinada a compensar todos os demais pagamentos.

De resto, 30 - Não é, minimamente pertinente, vir-se, na douta sentença, invocar que não se provaram alguns factos, quando eles, embora alegados não foram objecto de apreciação pelo Tribunal.

Efectivamente, 31 - Os aqui recorrentes alegaram nos seus articulados outros factos que poderiam ter interesse para a apreciação do invocado erro-vício, caso de - Tampouco a R., ao acordar com os AA. a rescisão contratual, pretendeu que eles prescindissem deste seu direito - Artº 10 da Resposta.

- Também para ela (R.) esta questão não se colocava, atenta a descrita prática constante e pacífica e, não se duvida, de boa-fé - Artº 11º da Resposta.

- Nunca a R. pretendeu nessas propostas de rescisão - nem nas efectuadas aos AA. - que os trabalhadores que as aceitassem viessem a abdicar de quaisquer direitos que sobre elas tivessem, e designadamente dos peticionados nesta acção - Artº 15º da Resposta.

- A R., atenta a sua seriedade e correcção de procedimentos, nunca se aproveitaria da ignorância dos AA. quanto a este seu crédito para lho tentar retirar - Artº 20º da Resposta.

No entanto, 32 - O Tribunal da 1ª instância não considerou esta matéria com interesse para a decisão da causa e nem sequer a apreciou, tanto que na decisão sobre a matéria de facto, não os inclui "nos factos alegados com relevo para a decisão da causa"...

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