Acórdão nº 686/2009-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução05 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

[D] e [G] intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra [C], [AF], [I] e [M], pedindo que: a) - seja declarada a nulidade das cláusulas 1ª, 2ª e 9ª do acordo parassocial celebrado entre as Autoras e as 2ª, 3ª e 4ª Rés constante do documentos de fls. 90 a 100 dos autos; b) - sejam as 2ª, 3ª e 4ª Rés condenadas a absterem-se de qualquer comportamento que, com fundamento na alegada violação das referidas cláusulas 1ª, 2ª e 9ª, perturbe o normal funcionamento da sociedade, em particular a convocação da assembleia geral, visando a destituição da gerência, conforme previsto na dita cláusula 9ª; c) - seja a 1ª Ré condenada a abster-se de dar cumprimento ao previsto nas referidas cláusulas 1ª e 2ª do acordo parassocial.

Fundamentando a sua pretensão, alegam, em síntese, que a cláusula 1ª do acordo parassocial em causa, visando a determinação das tabelas de preços, é nula, quer por violar a legislação da livre concorrência, quer por invadir uma área de competência exclusiva do órgão de administração e, por esta mesma razão - invasão duma área de competência exclusiva do órgão de administração -é nula a cláusula 2ª do mesmo acordo, sendo também nula a cláusula 9ª, por manifesta violação do preceituado nos artigos 17º, nº 2 e 64º, ambos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), pelo que não pode a gerência da 1ª Ré estar/continuar vinculada a tais disposições contratuais.

A Ré [MA] contestou, contrapondo que as Autoras não dispõem do necessário interesse de agir, nem possuem legitimidade para a demanda e, face à relação controvertida "desenhada" pelas Autoras, também a Ré C não tem interesse em contradizer a presente acção, não podendo, em C algum, o acordo parassocial (ou algumas das suas cláusulas) serem declarados nulos, considerando que tal acordo é a própria affectio societatis, visando os contratantes com as cláusulas agora postas em crise comprometer-se reciprocamente a actuar contra a gerência da C, para impedir que esta os prejudique ao nível da fixação dos preços a pagar pelos serviços de abate e desmancha e da distribuição dos espaços nas instalações do matadouro, sendo que a vontade das sócias no acordo parassocial foi, afinal, constituir uma pessoa colectiva, cuja administração velasse pelos seus interesses individuais.

Alegou ainda a Ré que a instauração da acção pelas Autoras representa um verdadeiro abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium".

Termina, pedindo que a acção seja julgada improcedente e procedentes as excepções invocadas.

Responderam as Autoras, opondo-se à procedência das excepções aduzidas pela Ré e concluindo como na petição inicial.

Dispensada a audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva suscitadas pela 4ª Ré, concluindo-se desse modo pela existência de todos os pressupostos processuais e pela validade e consistência da instância, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória, com reclamação das Autoras, totalmente desatendida.

Procedeu-se a julgamento, tendo oportunamente sido proferido o despacho que fixou a matéria de facto apurada na audiência, do qual reclamou a Ré, sem sucesso.

Proferida a sentença, foi a acção julgada procedente e, consequentemente, decidiu-se: a) - Declarar nulas as cláusulas 1ª, 2ª e 9ª do Acordo Parassocial de 29 de Maio de 1996, celebrado entre as Autoras e as 2ª, 3ª, e 4ª Rés; b) - Condenar as 2ª, 3ª e 4ª Rés a absterem-se de qualquer comportamento que, com fundamento na violação de tais cláusulas, perturbe o funcionamento da sociedade, nomeadamente a convocação da Assembleia Geral com vista à destituição da gerência, conforme previsto na dita cláusula 9ª; c) - Condenar a 1ª Ré (C) a abster-se de dar cumprimento ao previsto nas cláusulas 1ª e 2ª do dito Acordo Parassocial.

A Ré [MA] recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: 1ª - O Tribunal a quo deu como não provados os "quesitos" 6º, 7º e 8º que se mostram suficientemente provados.

  1. - Assim, devidamente valorados esses meios de prova, deverão ser considerados provados os seguintes factos: a) - «A criação e manutenção da C pelas respectivas sócias tem como único objectivo a utilização comum dos escritórios, do espaço de matadouro, do equipamento e tecnologia para a execução dos abates e dos trabalhadores por conta da C».

    1. - «De forma instrumental à satisfação das necessidades individuais das suas sócias».

    2. - Vontade e objectivo que se traduziu no acordo parassocial celebrado».

  2. - A Recorrente discorda também da resposta dada pelo Tribunal a quo aos "quesitos"1º e 3º, devendo tais quesitos ser respondidos da forma seguinte: a) - A principal actividade da C é a prestação de serviços de abate de animais às suas sócias.

    1. - O abate de animais é executado por trabalhadores da C e a desmancha de animais é executada por trabalhadores dos sócios.

  3. - A Sociedade C face à estrutura adoptada pelos seus sócios, espelhada no Acordo Parassocial, deverá ser qualificada e entendida nas suas relações internas como Cooperativa.

  4. - O Acordo Parassocial, tal qual foi livremente acordado, revela-se essencial para a existência e determinação do funcionamento da sociedade C, sendo in casu a "affectio societatis".

  5. - Ao não ter qualificado a C como cooperativa, o Tribunal a quo não fez uma correcta aplicação dos artigos e do Código Cooperativo.

  6. - As cláusulas 1º, 2ª e 9ª do Acordo Parassocial não violam qualquer preceito legal, designadamente não violam os artigos 17º, n.º 2 e 64º do CSC, nem mesmo o artigo 335º do Código Civil, por conseguinte, tendo o Tribunal a quo feito uma incorrecta aplicação desses preceitos no C concreto.

  7. - As referidas cláusulas do Acordo Parassocial deverão manter-se válidas e eficazes perante todas as partes outorgantes.

  8. - A conduta das Autoras configura inequivocamente uma situação de abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium", violando assim a decisão do Tribunal a quo o artigo 334º do Código Civil.

    As recorridas D e G contra - alegaram, defendendo a bondade da decisão recorrida.

    Cumpre decidir: 2.

    Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - A [D] é uma sociedade anónima resultante da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima da [A] (A).

    1. - A C foi constituída por escritura pública de 23 de Maio de 1986, outorgada no 19º Cartório Notarial de Lisboa (B).

    2. - A D, a G, a [AF], a I, a [MA] e a Fazenda Nacional são sócias da C (C).

    3. - O capital social da C encontra-se representado por 16 quotas, assim distribuídas e tituladas: a D é titular de cinco quotas no valor nominal de € 99.759,58 cada uma; a G é titular de quatro quotas no valor nominal de € 99.759,58 cada uma e de uma 5ª quota no valor nominal de € 5.985,57; A Fazenda Nacional é titular de duas quotas no valor nominal de € 99.759,58 cada uma e de uma 3ª quota no valor nominal de € 93.774,00; a [AF] é titular duma quota no valor nominal de € 99.759,58; a I é titular duma quota no valor nominal de € 99.759,58; a [MA] é titular duma quota no valor nominal de € 99.759,58 (D).

    4. - A C tem por objecto o abate de animais, industrialização e comercialização de carnes e derivados e prestação de serviços (E).

    5. - A C possui um matadouro, no Milharado, Póvoa da Galega (F).

    6. - A G, D, [AF], I e [MA] dedicam-se a actividades relacionadas com o abate de animais, indústria ou comércio de talho (G).

    7. - As autoras, e as 2ª, 3ª e 4ª rés, então na qualidade de únicas sócias da C, celebraram, em 29 de Maio de 1996, um acordo escrito, denominado " Acordo Parassocial" (H).

    8. - No referido acordo, as autoras aparecem conjuntamente identificadas como Primeiros Outorgantes, estando as rés, respectivamente identificada como Segundo, Terceiro e Quarto Outorgantes (I).

    9. - Após identificação dos outorgantes, determina-se no referido acordo o seguinte: "Considerando que os primeiros outorgantes constituem um grupo societário que domina a sociedade "C", detendo cerca de 80% do seu capital social; Considerando que o segundo, terceiro e quarto outorgantes são sócios minoritários da "C"; Considerando que as partes contratantes estão empenhadas em viabilizar a "C"; Considerando que entre os sócios deverá vigorar o princípio da igualdade consignado no Código das Sociedades Comerciais; Considerando que para o equilíbrio societário é conveniente estabelecer regras de relacionamento dos sócios; Entre os primeiro, segundo, terceiro e quarto outorgantes é estabelecido e reduzido a escrito o seguinte acordo parassocial: 1ª 1 - As partes contratantes comprometem-se a votar e fazer aprovar em assembleia geral as deliberações que forem necessárias para que as tabelas de preços a praticar pela "C" para com os sócios, para serviços de abate e desmancha, obedeçam aos seguintes requisitos: a) - Não tenham um diferencial superior a vinte cinco por cento entre o mais baixo e o mais elevado preço por quilo, para o mesmo tipo de animais, sejam quais forem as quantidades de animais abatidos por cada um dos sócios, desde que superiores a um milhão de quilos por ano; b) - Para os sócios cujos abates não ultrapassem o milhão de quilos/ano, o preço a praticar não poderá exceder um diferencial de vinte seis por cento em relação ao preço por quilo mais baixo praticado para com sócios para o mesmo tipo de animais; c) - Os preços a praticar para com sócios em C algum poderão exceder os preços de abate a vigorar para com os clientes não sócios para idênticas quantidades, excepto se o contrário for deliberado por maioria não inferior a noventa por cento do capital social; d) - Os preços a praticar para com os sócios não podem ser inferiores ao custo económico dos serviços prestados, salvo se houver alterações substanciais das condições de mercado e o preço praticado neste for inferior àquele para idênticas quantidades.

    2 - Por...

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