Acórdão nº 2777/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelADELINA BARRADA DE OLIVEIRA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa : Em processo comum singular, vindo do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Lisboa, veio J..., secretário geral do Sindicato ..., inconformado com a decisão que o condenou como a.m. de um crime de difamação agravado, p.p.p. artº 180- 183º nº 1- 2 e 184º com referência ao artº 132º nº 2 j) CP na pena multa de 1920 mil euros motivando-o com as seguintes conclusões: Das declarações e depoimentos das testemunhas gravados em audiência de julgamento o tribunal a quo não podia ter dado como provado os factos constantes das alíneas c) h) e i) pois até complementam a versão do arguido Da prova documental, o tribunal não podia ter dado esses mesmos factos como assentes e provados e chegado à convicção que formou.

Com base nas regras da experiência comum que neste caso concreto nos levam a conclusões contraditórias e até exactamente contrárias.

O Tribunal não indagou e devia ter indagado junto do jornal quem difundiu a noticia e se a mesma constituía uma entrevista.

Ao arguido era-lhe impossível fazer prova negativa dos factos de que vinha acusado.

Só assim O tribunal podia ter certezas firmes e não através das regras da experiencia comum.

O tribunal errou notoriamente na apreciação da prova e violou concretamente o principio basilar e fundamental do in dubio pró reo.

*** O MP respondeu da seguinte forma: 1) No tocante à sindicância da matéria de facto, o recurso deve ser limitado à verificação da existência de erro notório na apreciação da prova, pois, apesar do oportuno acesso à prova gravada, o recorrente não transcreve os registos magnéticos onde constam os depoimentos ou trechos da prova testemunhal que visa equacionar - cfr. art.ºs 410º/2, 412º/4 e 414º/2 do CPP.

2) A sentença fez uso adequado das regras da experiência comum, não cedendo à tese da mal explicada eventual intervenção de terceiros não identificados como causal da divulgação jornalística do comunicado confessadamente redigido pelo arguido.

3) E não inquina de erro notório, conjugando com toda a razoabilidade as demais informações contidas na notícia à primeiramente estabelecida e incontroversa demonstração de ter sido ele quem o redigiu e divulgou por fax ao colega do sindicato, para estabelecer que o arguido também fez publicitar no jornal o comunicado.

Deve assim ser mantida a douta sentença recorrida, com o que V. Exas farão JUSTIÇA !***A... , demandante cível respondeu ao recurso da seguinte forma: A sentença recorrida não merece qualquer reparo encontrando-se bem fundamentada de acordo com os factos provados em audiência de julgamento e fazendo uma correcta e equilibrada aplicação do Direito.

O recurso sobre a matéria de facto não pode significar uma reapreciação da prova já produzida.

Os factos considerados provados são consistentes com a prova produzida em audiência de julgamento assim como com a prova documental junta aos autos sendo a sua motivação absolutamente corrente .

O recorrente confessou que redigiu o comunicado em questão e que o enviou para um fax de acesso geral - da esquadra da PSP de ....

Impunha-se que fosse dada uma explicação pública ou pelo menos privada e ou efectuado um pedido de desculpas o que não foi feito porque o objectivo ultimo sempre foi o de proceder à divulgação do comunicado e assim difamar o demandante cível.

Pela simples leitura da noticia publicada é evidente que a mesma não se baseia exclusivamente no comunicado mas também nas declarações directamente prestadas pelo arguido.

Ainda hoje é possível encontrar na NET notícias relativas ao assunto e com o mesmo teor difamatório em vários sites noticiosos.

Não incorreu o Tribunal a quão em erro notório na apreciação da prova tendo sim feita uma apreciação e valoração da mesma forma isenta e livre, no estrito cumprimento de todos os preceitos legais pelo que não merece qualquer censura.

A pena aplicada mostra-se equilibrada e adequada ao grau de culpa do arguido assim como a indemnização atribuída a qual quanto muito pecará por defeito.

Deve pois a sentença recorrida ser confirmada.

****Neste Tribunal o Exmo. Procurador reservou alegações para audiência.

**O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

Da decisão recorrida resulta: a) À data dos factos o queixoso/demandante era ....

  1. O arguido era Secretário-Geral do Sindicato ....

  2. Em 14 de Fevereiro de 2005, o arguido redigiu um comunicado junto aos autos a fls. 7, cujo teor aqui se dá por inteiramente por reproduzido e que depois publicitou na comunicação social, designadamente no jornal "Primeiro de Janeiro".

  3. Nesse comunicado ao queixoso é imputado o seguinte: "uma atitude indigna"; "uma atitude de chantagem e métodos pidescos"; "um posicionamento fraudulento e contrário à boa fé"; "falta de idoneidade, merecedora de profundo desprezo".

  4. Tais imputações são susceptíveis de questionar a observância do dever de fidelidade à Lei, inerente à função que o queixoso desempenhava e que a comunidade espera ver garantida.

  5. O arguido tinha perfeito conhecimento das funções que o queixoso exercia no Governo.

  6. As imputações e os juízos de valor feitos pelo arguido são atentatórios da honra, consideração e imagem do queixoso, quer como cidadão, quer como membro do Governo da República.

  7. O arguido conhecia o significado de tais afirmações e actuou com o propósito de ofender a honra, bom nome e dignidade do queixoso.

  8. Actuou deliberada, livre e conscientemente.

  9. Sabia que a sua conduta era proibida pela lei penal.

    Mais se provou que: l) O demandante, na sequência da conduta do arguido, sentiu-se enxovalhado e injustiçado, uma vez que se tinha empenhado, particularmente, na resolução dos problemas associados à carreira dos chefes de polícia.

  10. O arguido encontra-se, actualmente, na situação de pré-aposentação e recebe cerca de € 1200 por mês.

  11. Não tem condenações registadas.

    Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a presente causa, nomeadamente todos os que tenham ficado prejudicados ou que estejam em contradição com os factos dados por assentes.

    2.2. Motivação O tribunal fundamentou a sua convicção nas declarações do demandante e nos depoimentos das testemunhas D... e F... , os quais, de forma coerente, credível e coincidente, confirmaram os factos dados por assentes, e nos documentos juntos aos autos, designadamente, o comunicado constante de fls. 7, a cópia da notícia de fls. 65 e o jornal constante do apenso.

    Aliás, o próprio arguido não nega ter sido o autor do mencionado comunicado e de o ter enviado a terceiro. Apenas refere que se tratava de um rascunho, remetido à testemunha M..., à data Secretário Geral Adjunto do Sindicato...., o qual lhe terá dito que o texto não era adequado, tendo o assunto, nas suas palavras, "acabado por ali".

    Negou ter dado conhecimento do teor do comunicado aos órgãos de comunicação social ou ter dado qualquer espécie de entrevista.

    Ouvida a testemunha M... constata-se que prestou um depoimento destituído de qualquer credibilidade, tendo em conta não só o conteúdo mas, também, a forma.

    Na verdade, e a título meramente exemplificativo, começou por referir que apenas tinha tido conhecimento da situação em causa nestes autos quando foi chamado para prestar declarações, na fase de inquérito, tendo, posteriormente, referido que, afinal, tinha logo, ou pouco tempo depois, tomado conhecimento da mesma. Foram inúmeras as contradições, hesitações e incongruências, para além de, como já aflorado, ser particularmente notória a encenação do depoimento.

    Ora, naturalmente, tais declarações e depoimento não nos mereceram qualquer credibilidade.

    Com efeito, segundo a peregrina tese, o comunicado - que afinal mais não era do que um rascunho - tinha chegado às mãos da comunicação social por meio desconhecido, sem qualquer participação ou conhecimento do arguido.

    Tal versão, para além de contrária as mais elementares regras da experiência, é, desde logo, afastada pela simples leitura da notícia publicada, sendo evidente que a mesma não se fundou, pelo menos, exclusivamente, no comunicado, mas, também, nas declarações directamente prestadas pelo arguido, o qual, para além de transmitir o conteúdo do comunicado, proferiu, ainda, outras afirmações como, por exemplo, a de que o ministro lhes terá mostrado um decreto-lei que revia as carreiras de chefe de polícia e de agente.

    Por outro lado, sempre se acrescentará que, a ter havido um aproveitamento do referido comunicado, sem conhecimento do arguido, impunha-se, sem margem para dúvidas, também de acordo com as regras da experiência e independentemente de se tratar de "um pequeno ou grande sindicato", que fosse dada uma explicação pública, ou, pelo menos, privada e/ou efectuado um pedido de desculpas, o que, claramente, não foi feito.

    No que diz respeito às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal baseou-se, exclusivamente, nas declarações prestadas pelo mesmo e no C.R.C. junto aos autos quanto à ausência de antecedentes criminais.

    1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 3.1. Enquadramento jurídico-penal Uma vez fixada a matéria de facto cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.

      Pratica o crime de difamação «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo» (art. 180º, nº 1).

      Concordando-se, integralmente, com o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/4/2006, proferido no processo n.º 1186/2006-3, in www.dgsi.pt, «Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração -, traduzida na estima e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT