Acórdão nº 9650/2008-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelJOSÉ FETEIRA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO A... instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a ré "B... LDª", alegando, em síntese e com interesse, que trabalhou sob as ordens e direcção da ré desde 16 de Dezembro de 2004, tendo a categoria profissional de repositora e auferindo a remuneração mensal de € 385,90, acrescida de € 200,00/mês, a título de despesas de transporte, € 49,91/mês, a título de subsídio de alimentação e € 168,32/mês, a título de prémio de produtividade.

Prestava serviço no estabelecimento da ré sito no Hipermercado Feira Nova, em Telheiras, Lisboa.

A ré instaurou-lhe um processo disciplinar no âmbito do qual a veio a despedir em 27 de Julho de 2006.

No entanto, tal procedimento é nulo uma vez que já depois de oferecida a defesa a ré procedeu à audição de três testemunhas, ou seja, já fora da fase própria, de forma a subtrair os respectivos depoimentos ao contraditório, circunstância que fere de nulidade o processo disciplinar já que, para todos os efeitos, essa falta de contraditório equivale à falta de audição da autora.

Para além disso, nesse processo a ré acusa-a de desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis e de desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações a que está obrigada, acusação que é, em absoluto, destituída de qualquer fundamento.

Na verdade, tendo-lhe sido dada ordem de transferência para a Makro de Palmela e, posteriormente, para a "E Leclerc" de Alfonsoeiro no Montijo, qualquer delas comportava prejuízo sério para a autora o que torna licita a sua recusa de transferência para os referidos locais.

Tendo-se apresentado ao trabalho, durante dias consecutivos, no seu local de trabalho, ou seja, no Feira Nova de Telheiras, a ré recusou a sua prestação de trabalho nesse local, circunstância que levou a autora a dirigir à ré uma carta, em 6 de Março, comunicando-lhe que, a partir daí, aguardaria em casa até que fosse convocada para retomar a prestação de trabalho.

A ré nunca convocou a autora, remetendo-se ao silêncio.

Deste modo nenhumas faltas injustificadas deu ao trabalho.

O seu despedimento é, pois, ilícito por inexistência de justa causa e abusivo.

Opta pela indemnização em detrimento da reintegração na empresa, indemnização que deverá ser fixada no valor de 60 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, tendo em conta a especial ilicitude e abusividade desse despedimento.

Sofreu danos morais - humilhação, dor e sofrimento - que não podem deixar de ser indemnizados em não menos de € 1.500,00.

Acresce que a ré lhe deve inúmeras remunerações.

É sócia do CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.

Concluiu pedindo que a acção seja julgada procedente e que a ré seja condenada a: a) reintegrar a autora ou a pagar-lhe a indemnização legal de antiguidade, a qual, à data da propositura da acção, se cifrava em € 2.140,80, opção a fazer até à data da sentença; b) pagar-lhe uma indemnização por danos morais no valor de € 1.500,00; c) pagar-lhe a importância de € 7.371,49, a título de outras remunerações; d) assim como as remunerações intercalares vencidas até à data da sentença; e) a que acrescem juros de mora desde a propositura da presente acção.

Frustrada a tentativa de conciliação efectuada em audiência das partes, contestou a ré, alegando, em síntese e com interesse que a autora foi sua trabalhadora até 27 de Julho de 2007, data em que, após instaurar, instruir e concluir um processo disciplinar deduzido contra a mesma, a despediu com justa causa.

A autora exercia funções de repositora de mercadorias no hipermercado Feira Nova de Telheiras, onde auferia a retribuição de € 385,90.

Em finais de Janeiro de 2006, informou a autora, por carta registada com a/r que, por necessidades prementes da empresa relacionadas com a execução do contrato de prestação de serviços existente entre esta e o cliente "Lactogal, S.A.", necessitava que a autora passasse a exercer funções junto de um estabelecimento comercial sito na margem sul do Tejo.

Dois dos diversos estabelecimentos comerciais onde a ré efectuava serviços de reposição por conta daquela empresa, havia a "Makro" de Palmela e a "E Leclerc" do Montijo.

A ré cumpriu todas as formalidades legais respeitantes à transferência da autora para qualquer daqueles estabelecimentos e referenciou o motivo dessa transferência, indicando o período temporal de vigência, já que a mesma era temporária.

Numa primeira fase a autora limitou-se a solicitar algumas explicações relativas à forma de chegar ao local de trabalho, argumentando que não teria transportes públicos compatíveis com o horário de trabalho.

Em momento algum invoca qualquer prejuízo sério ou impossibilidade de se deslocar para a "Makro" de Palmela, chegando a referir que apenas pretendia que fosse elaborado o levantamento da situação "(...) a fim de poder colaborar para bem da regularização da situação..." A ré rapidamente se prontificou a ajudar a trabalhadora, informando-a dos transportes públicos existentes, facilitando a sua saída da empresa mais cedo para os apanhar de regresso a sua casa.

Em 14 de Fevereiro de 2006, a autora remeteu uma carta à ré afirmando não poder cumprir a ordem de transferência por inexistir paragem de autocarro junto à "Makro" de Palmela, indicando, pela primeira vez que era mãe de dois filhos menores e que o marido tinha rido um acidente vascular cerebral necessitando dos seus cuidados diários permanentes.

Como é sensível aos problemas dos seus trabalhadores, a ré deu a possibilidade à autora de optar pela transferência para a "E Leclerc" do Montijo e indicou-lhe os possíveis trajectos e transportes.

Porém, novamente a autora recusou a ordem de transferência temporária invocando a impossibilidade de cumprimento dos planos de transportes apresentados e por ter de andar a pé mais 10 ou 15 minutos para poder apanhar o barco, esquecendo que milhares de pessoas o fazem diariamente.

A ré estava a ter prejuízos com o incumprimento da autora uma vez que a reposição naquele último local estava a ser descurada.

O carácter abusivo da posição assumida pela autora, levaram a ré a enviar-lhe, em 16 de Março uma nota de culpa com intenção de despedimento, dando, assim, início ao procedimento disciplinar.

Foi cumprido todo o formalismo desse procedimento e a final foi a autora despedida com justa causa.

Não assiste à autora o direito a remunerações e a indemnização por danos morais.

Concluiu que a presente acção deve ser julgada improcedente por manifestamente infundada, sendo, em consequência, confirmada a existência de justa causa de despedimento e absolvida a ré do pedido.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, bem como a selecção dos factos assentes e controvertidos Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento da causa, tendo o Tribunal de 1ª instância proferido a decisão de fls. 165 e seguintes sobre matéria de facto provada e não provada.

Não houve qualquer reclamação.

Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 182 e seguintes, na qual se proferiu a seguinte decisão: "Por todo o exposto, vistos os factos provados à luz das disposições invocadas, decide este Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente, nos termos expostos, e, em consequência: A- Condenar a R. a pagar ao A. a quantia global de € 27,31, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, desde 06/07/2007 até integral pagamento; B- Absolver a R. do demais peticionado" Inconformada com esta sentença, dela veio a autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes: (...) Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer contrário a solução sufragada pela sentença recorrida (Cfr. fls. 257 e 257 verso).

Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.

II - APRECIAÇÃO Face às conclusões delimitadoras do objecto do recurso interposto (arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do C.P.C.), suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes: Questões: § Nulidade do Procedimento disciplinar com base na falta de respeito pelo princípio do contraditório; § Transferência do local de trabalho - prejuízo sério para a apelante - legitimidade de recusa da autora relativamente às ordens de transferência emitidas pela ré; § Ilicitude do despedimento e consequências legais daí decorrentes.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto: 1- Em 16/12/2004 a A. A... e a R. B..., Lda. celebraram entre si o acordo escrito intitulado "CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO A TERMO INCERTO" cuja cópia se acha a fls. 160 a 162, e que dispõe, nomeadamente, o seguinte: "CLÁUSULA 1ª - Contratação e Designação Profissional 1. Pelo presente, o SEGUNDO OUTROGANTE é admitido ao serviço da PRIMEIRA OUTORGANTE para que, sob a direcção, autoridade, fiscalização e orientação desta, desempenhe as funções inerentes à designação profissional de Repositor de Mercadorias a que, de entre outros, corresponde o seguinte conteúdo funcional: efectuar a manutenção e reposição de stocks dos produtos nos locais de vendas, a fim de dar execução ao Contrato de Prestação de Serviços celebrado com a Lactogal - Produtos Alimentares, S.A.

  1. (...) CLÁUSULA 3ª - Local de Trabalho 1. O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a prestar a sua actividade nos locais que lhe forem indicados pela PRIMEIRA OUTORGANTE, designadamente nas instalações de Clientes onde a PRIMEIRA OUTORGANTE já se encontra a prestar a sua actividade, bem como naquelas que venha ainda a explorar.

  2. Sem prejuízo do convencionado no número anterior, o SEGUNDO OUTORGANTE prestará de imediato a sua actividade profissional nas seguintes instalações: Feira Nova de Telheiras.

  3. O local de execução da actividade do segundo...

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