Acórdão nº 6467/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: J intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra A e mulher I, pedindo (a título principal) a execução específica de um contrato-promessa de compra e venda de três lojas e (subsidiariamente), além do mais, a sua condenação no pagamento da quantia satisfeita a título de sinal.

O Réus contestaram, por excepção e por impugnação.

Defendendo-se por excepção, invocaram a ineptidão da petição inicial (por incompatibilidade entre o pedido e da causa de pedir), a ilegitimidade passiva da Ré mulher (uma vez que a mesma não subscreveu o contrato dos autos) e o caso julgado e a litispendência.

Defendendo-se por impugnação, sustentaram que nunca quiseram vender ao A. as lojas em questão, tendo apenas pretendido trespassar o estabelecimento que tinham instalado nas ditas lojas e alienar as quotas que detinham na sociedade "C, LDA.", tudo pelo preço global de Esc. 35.000.000$00, pelo que não se verificariam, in casu, os requisitos exigidos pelo art. 293º do Código Civil para a conversão.

O A.

replicou, respondendo à matéria das excepções deduzidas pelos Réus.

Findos os articulados, foi proferido Despacho Saneador, no qual se decidiu:

  1. Julgar improcedente a invocada nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial; b) Julgar improcedente a invocada excepção dilatória de ilegitimidade passiva; c) Julgar verificada a excepção de caso julgado invocada pelos réus e, em consequência, absolver os mesmos da instância.

    Inconformado com o assim decidido, o Autor apelou do referido Saneador/Sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: "

    1. Da nulidade da sentença (art. 668º, n.º 1, al. c), C.P.C.) A fls. 206, 1º parágrafo, da sentença sub judice consigna-se, expressamente e bem: "De resto, sempre se dirá que "O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio válido de tipo ou conteúdo diferente (...)" - cfr. art. 293º do Código Civil.".

      Concluindo-se o raciocínio por aquela forma encetado, a fls. 206, 2º parágrafo, da sentença sub judice, afirmando-se depois, expressamente e bem: "Nesta medida e ao contrário do que os R.R. alegam, não existe qualquer incompatibilidade lógica ou, sequer, jurídica, entre a invocação da nulidade e o pedido de conversão do negócio, bem pelo contrário, já que a nulidade é, precisamente, um pressuposto dessa conversão." (bold e sublinhado nosso).

      A fls. 214, último parágrafo, a sentença recorrida afirma que o ora Recorrente acrescentou novos factos ("circunstâncias") que possibilitariam a conversão.

      Depois, mais á frente, a fls. 215, 1º parágrafo, refere-se que "(...) atento o disposto do citado 673º, o autor poderia intentar nova acção onde alegasse factos novos, supervenientes á primeira acção." e, no imediato 2º parágrafo, que "Não podia, como o fez, (...), intentar nova acção onde se reporta aos mesmos factos que já haviam sido alegados na primeira, (...)".

      Ora, na primeira acção de 1995, o ora Recorrente peticionou a título principal, a execução específica do contrato promessa de compra e venda das três lojas e, a título subsidiário, a resolução do mesmo e a condenação dos ora Recorridos a pagarem-lhe as quantias que lhes haviam sido entregues em dobro.

      Alegou os factos "existentes" nessa altura e tendentes ao que pretendia e lhe interessava: os pedidos supra expostos no artigo antecedente, que pressupunham a validade do contrato.

      Em 1995, quando apresentou a primeira acção, nem sequer interessava ao Recorrente a nulidade do contrato em análise (como, aliás, não interessa agora...), pelo que nem articulou os factos a ela conducentes, nem peticionou o reconhecimento de tal nulidade, nem daí retirou as respectivas consequências jurídicas, nem a tal estava obrigado.

      Mas acima de tudo, em 1995, quando intentou a primeira acção, não estava sequer reconhecida e/ou decretada a nulidade do contrato promessa em apreço - foram os Recorridos que, em claro abuso de direito, invocaram a nulidade na contestação.

      Só após o trânsito em julgado do, aliás douto, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, é que o contrato promessa foi, em definitivo, considerado nulo.

      Do exposto, que, aliás, se retira da lei, dos autos e da sentença ora recorrida, decorre pacíficamente o seguinte: 1º A nulidade contratual decretada pelo S.T.J. é um facto novo e superveniente, relativamente á primeira acção; 2º Só este facto novo e superveniente - a decretação da nulidade do contrato - é que veio permitir ao aqui Recorrente peticionar, em nova acção, a conversão do contrato, porque pressuposto sine qua non do instituto da conversão, consagrado no artigo 293º, do Código Civil; 3º O aqui Recorrente invocou factos novos nesta acção, a saber os que possibilitam a conversão.

      É de tudo o que vem de se dizer que o Recorrente se permite afirmar, com elevadíssimo respeito, que a sentença ora notificada padece de nulidade, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.

      Com efeito e em suma, na sentença recorrida: a) a fls. 206 diz-se que a nulidade é um pressuposto da conversão; b) a nulidade em análise é um facto novo e superveniente á primeira acção de 1995 e é, in casu, a causa (obrigatória) de pedir; c) a fls. 214, diz-se que o Recorrente acrescenta os factos que possibilitam a conversão; d) já a fls. 215 afirma-se que, nos termos do artigo 673º, o Recorrente poderia intentar nova acção onde alegasse factos novos, supervenientes á primeira acção, o que aquele fez ao invocar a nulidade e os factos tendentes á conversão; e) julgando-se, em contradição clara e lógica entre os fundamentos e a decisão, verificada a excepção de caso julgado e absolvendo-se os ora Recorridos da instância.

      Ou seja: A sentença, por um lado, afirma que a nulidade é um pressuposto da conversão e que o Recorrente poderia ter intentado nova acção invocando factos novos - o Recorrente fê-lo, invocando a nulidade superveniente, bem como os factos que possibilitam a conversão (vide, respectivamente, fls. 215, fls. 206 e fls. 214).

      Mas, por outra via, a sentença finaliza decidindo, com o devido respeito, em clara ambiguidade e contradição com o raciocínio antecedente e em oposição entre os seus fundamentos e a decisão, decretando a verificação da excepção de caso julgado.

      "Uma sentença é nula quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa." (A. dos Reis, Cód. Proc. Civ. Anot., 5º-141; A. Varela, Manual, 1ª ed., pág. 671).

      Termos em que a sentença, por força do previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil, deve ser considerada nula, com as consequências legais.

    2. Das alegações stricto sensu Sem em nada conceder relativamente á supra invocada nulidade, ainda que esta inexistisse, o Recorrente entende que a sentença recorrida aplica mal o direito.

      A sentença que ora se pretende ver apreciada, entendeu que a presente acção ofende a autoridade do caso julgado formado no processo do 1º Juízo Cível, do Tribunal Judicial da Comarca de Almada (doravante simplesmente designada por acção 171/95 e cujas peças processuais relevantes se mostram juntas aos autos) e, julgando verificada a excepção de caso julgado, absolveu os ora Recorridos da instância.

      Ora, assim não é.

      Por outra via, coarcta ao Recorrente o direito de se socorrer agora do instituto legal da conversão, apesar de este estar ainda em tempo para tal, censurando-o por não ter requerido na acção 171/95 a dita conversão, quando o que ele pretendia era a validade do contrato promessa.

      Ora, assim não pode ser!

  2. Da inexistência de ofensa ao caso julgado por falta dos seus requisitos O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497º, do C.P.C.).

    Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e á causa de pedir (artigo 498º, n.º 1, do C.P.C.).

    Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (n.º 2, do mesmo artigo) - in casu não existe essa identidade: o A. é o mesmo em ambas as acções, mas nesta acção temos o R. A e a R. I e na acção 171/95 apenas o R. A.

    Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3, do mesmo artigo) - in casu tal não sucede: na acção 171/95, pede-se, no pressuposto da validade do contrato sub judice, pede-se a execução expecífica e, subsidiariamente, a resolução do mesmo, e nesta acção pede-se, no pressuposto da nulidade do contrato, a conversão do mesmo num negócio sucedâneo válido.

    Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (n.º 4, do mesmo artigo) - in casu tal facto jurídico é diferente: na acção 171/95 o facto jurídico, ou a causa de pedir, é um contrato promessa válido e nesta acção o facto jurídico, ou a causa de pedir, é a nulidade de tal contrato promessa.

    Temos, pois, que nenhum dos requisitos do caso julgado, exigidos cumulativamente pelo artigo 498º, do Código de Processo Civil, se mostra preenchido, pelo que, só por esta razão, mal andou a sentença recorrida, ao entender verificada a excepção do caso julgado.

  3. Da inexistência da possibilidade de o tribunal ter de contradizer decisão anterior O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497º, do C.P.C.).

    Esta é uma falsa questão! É doutrina e jurisprudencialmente pacífico, que a nulidade é o pressuposto por excelência para a conversão do negócio jurídico, sendo a invalidade do negócio emergente de vício de forma um dos domínios de aplicação clássica do instituto da conversão, sendo corrente situar neste campo os exemplos mais evidentes e menos controvertidos de tal instituto.

    In casu, a decisão a proferir irá decidir...

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