Acórdão nº 8597/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | CARLOS ESPÍRITO SANTO |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Proc. nº 8597/08-5 Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * No âmbito do Proc. Comum nº 675/04.1PFLSB-A, do 4º Juízo Criminal de Lisboa, 3ª Secção, foi proferido despacho a declarar a incompetência material/funcional do mesmo para proceder ao julgamento da causa e a determinar a remessa dos autos ao tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, considerando ferido de nulidade o despacho que havia declarado a inadmissibilidade da tramitação do processo mediante a forma especial abreviada e o seu seguimento nos moldes do processo comum.
Inconformado com tal despacho, recorreu o MP, formulando as seguintes conclusões: 1. Decidindo o JPIC a aplicação da disposição do artigo 391°-D do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela revisão de 2007, em processo que estava em curso sob a forma abreviada, à data do início de vigência dessa disposição, não tendo sido interposto recurso dessa decisão, constituiu-se caso julgado sobre essa questão; 2. Caso julgado que abrange a qualificação do vício de incumprimento do prazo de 90 dias aí previsto como nulidade insanável; 3. Decidindo o JPIC, em consequência desse vício, o reenvio do processo para a forma comum e não sendo interposto recurso desta decisão, constituiu-se caso julgado impeditivo do julgamento na forma abreviada; 4. Devendo o processo seguir a forma comum, a competência para a fase de julgamento pertence aos Juízos Criminais, por aplicação do artigo 100° da LOFTJ; 5. Desde que despacho judicial e do Ministério Público indiquem a forma de processo a seguir e ao arguido seja dado conhecimento dos factos que lhe são imputados, a forma que o processo vai seguir e se lhe dê conhecimento da faculdade de requerer instrução, é acto inútil a prolação de nova acusação no processo abreviado que é reenviado para processo comum; 6. A decisão recorrida, por erro de apreciação, violou o caso julgado formal constituído pela decisão do JPIC, não sujeita a recurso e já transitada: a. - Sobre a aplicabilidade do prazo de 90 dias estabelecido pela nova lei - artigo 391-D, CPP - aos processos abreviados pendentes à data do início da sua vigência; b. - Sobre a natureza do vício de incumprimento desse prazo; c. - Sobre a fixação da forma comum do processo; 7. A violação do caso julgado abarca a violação, por omissão de aplicação, da disposição do artigo 672°, n°. 1, do CPC, aplicável subsidiariamente em processo penal por força do artigo 4° do CPP; 8. E, ao declarar-se incompetente para o julgamento do processo, que deve seguir a forma comum, com fundamento nos segmentos de decisão violadores do caso julgado, violou a disposição estabelecida no citado artigo 100º da LOFTJ.
É o seguinte o teor do despacho recorrido: O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos para julgamento em processo abreviado, imputando-lhe a prática de factos subsumíveis a ilícito(s) criminal(is) (fls. 50); Por despacho acriticamente transitado em julgado, foi declarada a nulidade do processado posterior à acusação, tendo sido determinada a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público (fls. 201 a 206); Remetidos os autos ao Ministério Público, pelo mesmo foi exarado o seguinte despacho "(...) Notifique o arguido da acusação deduzida, nos termos do disposto nos arts. 283º n°s. 5 e 6, 277° n°3 e 287 n.°1, todos do Código de Processo Penal. Juntamente com a acusação, remeta cópia do douto despacho judicial que ordenou a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público, salientando que, de acordo com este despacho, os autos passam a seguir a forma comum com intervenção do Tribunal Singular (...)" (fls. 220); Cumpridas, embora deficientemente, as notificações ordenadas, foram os autos remetidos à distribuição por estes Juízos Criminais; Como se evidencia pelo que se acabou de expor, a única acusação deduzida nestes autos visou submeter o arguido a julgamento em processo-crime que corresse os seus termos sob a forma abreviada (artigos 391°-A a 392° do Código de Processo Penal).
Interpretando o despacho de fls. 201 a 206 como negócio jurídico formal de índole adjectiva que é e à luz dos cânones contidos nos artigos 236° e 238° do Código Civil, conclui-se que o mesmo declarou a nulidade do processado posterior à acusação deduzida - ou seja esta mantém a sua eficácia e validade - o que é perfeitamente admissível ao abrigo dos n.° 1 e 2 do artigo 122° do Código de Processo Penal.
É, aliás, este o entendimento mais consentâneo com o ensinamento da Dra. Helena Leitão acolhido no citado despacho.
Por outro lado, do referido despacho, não decorre que os autos devam seguir a forma comum. No seu texto, não é feita qualquer alusão a esse respeito nem os seus fundamentos apontam nesse sentido, sendo certo que nada impedia o Ministério Público de requerer a aplicação de uma pena em processo sumaríssimo (artigo 392° do Código de Processo Penal).
Ademais, não se divisa que a situação tenha qualquer paralelo (está em causa a consequência da declaração de uma invalidade processual) com a previsão do artigo 390° do Código de Processo Penal ou com o preceituado no artigo 398° do mesmo diploma, como já temos visto sustentar - nem tal, aliás, é invocado no despacho em causa -, pelo que, também por este prisma, se conclui que não estamos perante um caso em que os autos devam imperativamente ser remetidos para a forma comum.
Assim sendo, como é, não existe qualquer razão com base na qual se possa concordar com a asserção vertida no despacho do Ministério Público de fls. 220, segundo a qual o despacho judicial em causa teria determinado que os autos seguissem essa forma processual.
À luz dos referidos cânones, é ainda ajustado concluir que, por sua vez, o (a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público que proferiu tal despacho não outorgou aos autos essa forma processual, sendo evidente que não o poderia fazer sem deduzir nova acusação, porquanto só aí (e salvo casos excepcionais, como aqueles a que se refere a parte final n.° 3 do artigo 16° do Código de Processo Penal), no momento em que se introduz o feito em juízo, se poderá determinar a forma do processo.
Não se divisa, aliás, que se possa ter como inútil a dedução de uma nova acusação, porquanto, como é sabido, a acusação em processo abreviado não tem que obedecer aos cânones do n.° 3 do artigo 283° do Código de Processo Penal, mormente no que concerne à descrição dos factos (cfr. n.° 1 do artigo 391° -B do mesmo diploma).
Deste modo, resta concluir que a acusação deduzida e que ainda subsiste, visou o julgamento em processo abreviado com intervenção do tribunal singular.
Não se antevê que tal conclusão contenda, seja em que medida for, com o caso julgado formado pelo citado despacho judicial - artigo 677° do Código de Processo Civil -, porquanto o mesmo se mantém intocado nos seus precisos limites (artigo 673° do mesmo diploma), sendo, aliás, como se antevê, uma premissa inabalável da decisão que ora se profere.
Os autos foram, contudo, distribuídos a estes Juízos Criminais.
Na comarca de Lisboa, existem tribunais com competência específica - os Juízos de Pequena Instância Criminal - em razão da forma do processo para preparação e julgamento dos processos que sigam a forma abreviada (n.° 1 do artigo 64° e n.° 1 do artigo 102°, ambos da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - Lei n.° 3/99 de 13 de Janeiro, sucessivamente alterada).
Assim sendo, carece este tribunal de competência para apreciação e decisão da presente causa, o que importa que seja declarada a sua incompetência e que os autos sejam...
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