Acórdão nº 9574/2008-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO VALENTE
Data da Resolução15 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa O Ministério Público intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra Interbanco, SA.

Em síntese, alegou que a Ré, no exercício da sua actividade de realização de operações bancárias e financeiras e de prestação de serviços conexos, celebra com outros interessados contratos de locação financeira, utilizando para esse efeito impressos previamente elaborados, nos quais se encontram insertas as cláusulas respeitantes a tais contratos, que os interessados se limitam a aceitar, sem possibilidade de, no essencial, através de negociação os alterarem.

Sucede que algumas dessas estipulações violam o regime aplicável às cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, designadamente:

a) As constantes das "Condições Especiais" que preveem que compete ao locatário reagir contra o fornecedor do bem objecto do contrato pelo eventual incumprimento das obrigações de entrega atempada e no local convencionado do bem, bem como pela correspondência do mesmo às características e especificações aprovadas pelo locatário e respectivo registo, matrícula ou licenciamento, sem possibilidade de exoneração de responsabilidade do locatário perante o locador ou de qualquer direito a indemnização perante este.

Com efeito, da conjugação destas cláusulas resulta que o locador se exime da sua responsabilidade, transferindo-a para um terceiro que não é parte no contrato, sem a sua anuência, implicando a renúncia antecipada do locatário ao seu direito de pedir indemnização contra o locador no caso de o fornecedor não proceder à entrega da documentação necessária aos actos de registo, matrícula ou licenciamento, o que viola o disposto no art. 18.º, al. c) do DL n.º 446/85.

b) A constante das "Condições Especiais" e da cláusula 5.ª das "Condições Gerais", na parte em que prevê que é da exclusiva responsabilidade do locatário o pagamento de todos os impostos, taxas, multas, coimas e outras prestações devidas pela utilização do objecto locado, não obstante este ser da propriedade do locador, na medida em que ofende o regime imperativo dos Regulamentos do Imposto Municipal Sobre Veículos e dos Impostos de Circulação e Camionagem, que atribuem tais responsabilidades ao proprietário do bem, ou seja, à locadora.

Deste modo, aquela cláusula viola valores fundamentais de direito, defendidos pelo princípio da boa fé, sendo nula, nos termos dos arts. 15.º e 16.º do DL n.º 446/85.

c) A constante da cláusula 8.ª, n.º 1 das "Cláusulas Gerais", na medida em que prevê que o locatário é, desde a recepção do bem, o único responsável pelos prejuízos causados no mesmo, bem como por quaisquer danos produzidos em consequência da sua utilização ou provocados por caso fortuito ou de força maior.

Na verdade, tal disposição altera as regras respeitantes à distribuição do risco, pelo que é nula, nos termos do art. 21.º, al. f) do DL n.º 446/85.

d) A constante da cláusula 8.ª, n.ºs 5 a 9 das "Cláusulas Gerais", na medida em que prevê que em caso de perda total do bem, furto ou roubo, o locatário deverá pagar o montante das rendas vincendas e do valor residual, não obstante a caducidade do contrato, ficando apenas com direito a receber da locadora a indemnização que esta receba da seguradora por esse evento.

Tal cláusula consubstancia uma cláusula penal manifestamente desproporcionada face aos danos a ressarcir, proibida pelo art. 19.º, al. c) do DL n.º 446/85, já que faculta à locadora obter a totalidade da respectiva prestação como se o contrato tivesse sido integralmente cumprido, como o benefício adicional da antecipação das rendas face aos vencimentos contratados e do valor residual do bem, que só seria devido se o locatário optasse pela aquisição do bem no final do contrato.

e) A constante da cláusula 13.ª das "Cláusulas Gerais", que prevê que em caso de resolução do contrato pelo locador o locatário fica obrigado a pagar uma indemnização por lucros cessantes ao primeiro, equivalente a 25% da soma das rendas vincendas, mais o valor residual, deduzida da quantia dada em penhor, já que através dela é proporcionado ao locador um benefício superior ao que resultaria do normal cumprimento do contrato, sendo, pois, desproporcionada e injusta, nos termos do art. 19.º, al. c) do DL n.º 446/85.

f) A constante da cláusula 13.ª das "Cláusulas Gerais", na parte em que prevê que em caso de incumprimento pelo locatário, quando o locador não opte pela resolução do contrato, poderá exigir deste o pagamento das rendas vencidas, acrescidas de juros de mora, à taxa convencionada acrescida de quatro pontos percentuais, e ainda uma indemnização correspondente ao montante das rendas que se venceriam até ao final do contrato, acrescida do valor residual, pois também neste caso a locadora obteria uma compensação superior à que resultaria do regular cumprimento do contrato, obtendo a antecipação do capital investido, tudo se passando como se o locatário optasse pela aquisição do bem, mas continuando a locadora com a propriedade da coisa locada, pelo que tal cláusula é nula, nos termos do já mencionado art. 19.º, al. c) do DL n.º 446/85.

g) A constante da cláusula 15.º das "Cláusulas Gerais" do contrato, na parte em que prevê que o locatário será responsável por quaisquer despesas de natureza administrativa, judicial ou extra-judicial em que o locador venha a incorrer para garantia a e cobrança dos seus créditos, incluindo honorários de advogados, solicitadores ou procuradores, fixando-se estas em 10% do valor do bem à data da celebração do contrato.

Com efeito, esta cláusula permite ao locador exigir ao locatário, por via contratual, um montante fixo de despesas, incluindo as de honorários de advogados enquadráveis no conceito de procuradoria, sem respeitar os limites do Código das Custas Judiciais e fora dos casos em que é admissível a atribuição de indemnizações autónomas à parte vencedora, pelo que é nula, por violação de valores fundamentais de direito defendidos pelo princípio da boa fé, nos termos dos arts. 15.º e 16.º do DL n.º 446/85.

h) Finalmente, a constante da cláusula 17.ª das "Cláusulas Gerais" do contrato, que atribui competência exclusiva aos Tribunais da comarca de Lisboa, na medida em que tal atribuição é susceptível de envolver graves inconvenientes para os locatários, nos casos em que estes pretendam agir contra a locadora, sem que exista qualquer interesse relevante da parte desta que justifique os sacrifícios impostos aos clientes da Ré, pelo que tal cláusula é nula, nos termos do art. 19.º, al. g) do DL n.º 446/85.

Concluiu, pedindo que a Ré seja condenada a abster-se de utilizar as cláusulas acima mencionadas em todos os contratos que venha a celebrar de futuro com os seus clientes.

* A Ré contestou, alegando, em síntese: i) Que a locação financeira é uma operação financeira que envolve o locador, o locatário e o fornecedor do bem. A locadora não participa nas negociações que conduzem à aquisição do bem escolhido pelo locatário, pelo que deve ser o locatário a exercer os direitos contra o fornecedor, numa situação de equiparação ao proprietário, resumindo-se a função da locadora a uma finalidade estritamente financeira, de financiamento integral do uso de um bem durante a sua vida útil.

ii) Que o locatário se encontra equiparado ao proprietário para efeito de sujeição a impostos, seguro, multas e encargos decorrentes da inobservância de normas jurídicas, pelo que a cláusula i) das "Condições Especiais" não é nula.

iii) Que na locação financeira existe uma derrogação legal ao princípio geral da responsabilidade pelo risco, de forma que em regra a responsabilidade será do locatário, sem prejuízo de as partes poderem convencionar a sua repartição.

Apenas relativamente ao caso fortuito ou de força maior deverá haver uma alteração da cláusula 8.ª, n.º 1, excluindo-se estes, na medida em que do regime geral da responsabilidade pelo risco se excluem tais situações, já que as que decorrem de falta de nexo de causalidade entre a conduta e o dano decorrerão da aplicação em concreto das normas gerais de repartição do risco.

iv) Que na locação financeira a obrigação do locatário tem uma natureza unitária, cujo cumprimento fraccionado corresponde a uma única dívida, respeitante ao valor do bem, acrescido de juros, lucro e outros encargos. Deste modo, a renda não representa a contrapartida da utilização do bem, mas também a amortização do capital, custos de gestão e risco da operação.

Assim sendo, a cláusula 8.ª, n.ºs 5 a 9 não é nula, pois a caducidade resulta de um evento que escapa à vontade das partes, tendo a locadora direito ao cumprimento da prestação única contratada, podendo até ocorrer a restituição ao locatário da diferença entre esta e a indemnização recebida da seguradora, nomeadamente em contratos em fase terminal.

v) Que da aplicação da cláusula 13.ª não decorre o reembolso da totalidade do capital investido. Em todo o caso, é pacificamente aceite que, em caso de resolução, seja fixada uma indemnização de montante superior ao dano, para funcionar como meio de pressão sobre o devedor, sem que isso torne tal cláusula desproporcionada e injusta.

Na verdade, a actividade de locação financeira exige uma mobilização de capitais vultosa, com elevados riscos e encargos, pelo que só casuisticamente é possível aferir se a aplicação do cálculo aritmético que serve de base ao cálculo do quantum indemnizatório é desproporcional e injusta, não o sendo em face do quadro negocial em questão.

Por outro lado, pode a locadora optar, em alternativa à resolução, pelo cumprimento da totalidade da prestação unitária, com perda do benefício do prazo, o que não torna a cláusula desproporcionada e injusta.

vi) Que as despesas e encargos a que se refere a cláusula 15.º são as admitidas às instituições de crédito, acrescidas das específicas no âmbito da locação financeira, pelo que a cláusula não é nula.

vii) Que o pacto de competência previsto na cláusula 17.ª é válido, pois a Ré...

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