Acórdão nº 3202/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSIMÕES DE CARVALHO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo comum colectivo n.º 95/01.0PILSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 08-10-2007 (cfr. fls. 1486 a 1511), no que agora interessa, foi decidido: «Termos em que se julga parcialmente procedente e provada a acusação, na forma parcialmente convolada e procedentes os pedidos cíveis na forma que a seguir se revela e, por via disso

  1. Absolve-se (A) da prática de dois crimes de tentativa de homicídio, p(s). e p(s). pelos arts.° 22° e 131° C.P.

; b) Condena-se (A) pela prática de dois crimes de homicídio simples, em excesso de legítima defesa, p(s). e p(s). pelos arts.° 22°, 33º/1 e 131° C.P.

, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um; c) Em cúmulo, é (A) condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, com suspensão da execução da pena por igual período.

d) Absolve-se (P) da prática de um crime de tentativa de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts.° 22°, 143°, 146° e 132°/2, g), C.P.

; e) Absolve-se o mesmo da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.° 275°/3 C.P. e 3°/1, f), D.L. n.° 207-A/75; e) (?) Condena-se o mesmo, pela prática de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.° 213º e 214°/a, C.P.

, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; f) Condena-se o mesmo, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.° 275º/3 C.P. e 3°/1, f), D.L. n.° 207-A/75, na pena de 7 (sete) meses de prisão; g) Em cúmulo, é condenado na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período.

h) Mais, se condena (A) no pagamento da quantia de 161.70 € (cento e sessenta e um euros e setenta cêntimos) ao "Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental E.P.E.", com juros de mora à taxa legal geral desde 2006/4/3 e até integral pagamento.

i) É ainda (A) condenado no pagamento da quantia de 8 024.72 € (oito mil, vinte e quatro euros e setenta e dois cêntimos) à "Liberty Seguros", com juros de mora à taxa legal geral desde 2006/4/3 e até integral pagamento.

j) É também condenado no pagamento da quantia de 8 522.80 € (oito mil, quinhentos e vinte e dois euros e oitenta cêntimos) a (N), com juros de mora à taxa legal geral desde 2006/4/3 e de outros 10 000 € (dez mil euros) com juros de mora desde a data de hoje e até integral pagamento.

k) Mais, é condenado no pagamento da quantia de 5 000 € (cinco mil euros) a (P), quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal geral, desde a data de hoje e até integral pagamento.

1) Declaram-se perdidas as pedras, tonfa e bastão apreendidos.

1) (?) Custas crime pelos arguidos, com 4 (quatro) U.C.'s de taxa de justiça, 1/3 destas de procuradoria e acrescendo àquelas 1 %.

m) Custas cíveis, na proporção dos decaimentos.

n) Boletim ao registo criminal.

» O arguido (A) não aceitou esta decisão e dela recorreu (cfr. fls. 1514 a 1526), extraindo da motivação as seguintes conclusões: «1.

O arguido foi condenado, no referido processo, por dois crimes de homicídio simples em excesso de legítima defesa, na forma tentada.

  1. Considerou o "Tribunal a quo" estarem preenchidos os pressupostos da legítima defesa, mas que o arguido agira em excesso de legítima defesa pelo modo de defesa empregue ser "manifestamente desapropriado e desproporcionado".

    3.

    Como refere o douto acórdão do Tribunal "a quo", a atitude agressiva inicial não partiu de (A), mas de (P), que a este se dirigiu, ameaçando-os, à saída da discoteca, tendo partido à pedrada os vidros do seu automóvel, só por sorte não tendo também o arguido (A) sido atingido tendo-se este limitado a mostrar a (P) a sua arma, sem a disparar, e apenas como forma de o demover de mais agressões.

  2. O que demonstra que a sua intenção directa e principal nunca foi matar ou agredir, mas tão só defender-se.

  3. De facto o arguido colocou de imediato o seu carro em marcha, para tentar fugir, em direcção do Cais do Sodré, tendo (P) entrado igualmente no seu veículo, com que perseguiu (A).

    6.

    (A) realizou inversão de marcha, e, quando os veículos se cruzaram, vendo que o carro do seu agressor rapidamente o estava alcançar, temendo pela sua vida, disparou 3 tiros com a mão direita, mantendo a esquerda no volante.

    7.

    Com a descrição de tal cenário facilmente se conclui que face à deslocação a alta velocidade de ambos os veículos, as condições em que efectuou os disparos (por cima do braço esquerdo e sem tirar os olhos da estrada à sua frente), e o medo que na ocasião lhe toldava o raciocínio, não é possível concluir, clara e inequivocamente, que (A) quis atingir os seus agressores directamente, e não apenas afastar a agressão de que vinha sendo vítima.

  4. Além disso, não era possível ao arguido, na altura, concluir que (P) não estivesse também ele munido de uma arma de fogo no interior do seu veículo. Apesar deste apenas ainda o ter atingido com pedras, (A) mostrara-lhe a sua arma de fogo, e tal facto não o fez cessar a agressão...isto é, se (P) não temeu ser atingido por uma arma de fogo, é porque, pelo menos teria idêntico meio de defesa, não sendo minimamente sensato que uma pessoa, após ter sido "ameaçada" por arma de fogo, persista numa agressão com tal desproporcionalidade de meios de defesa!!!!! 9.

    Se os acontecimentos não tivessem sido tão rápidos talvez (A) tivesse tido igualmente tempo de se munir de uma pedra ou de outro meio de defesa menos gravoso. Contudo, naquela situação, a única forma de defesa daquele era de facto a sua arma de serviço. Se com ela não tivesse disparado, poderia mesmo hoje estar morto.

  5. Pelo que se pode concluir que o uso da arma, in casu, não foi de todo "desapropriado" ou "desproporcionado".

  6. Não tendo (A) agido sequer em excesso de legítima defesa.

  7. Sem conceder, sempre que se dirá que a ter havido excesso de legítima defesa nunca seria a mesma punida, em virtude do disposto no art. 33° - 2 do Código Penal.

  8. Face aos acontecimentos no interior da discoteca, e do tempo que (A) aí teve de permanecer, na iminência de uma agressão no exterior, este viu-se pois invadido por um medo atroz, que lhe toldou o raciocínio, pela surpresa e rapidez do ataque, e pela ausência de outro meio de defesa que não a sua arma de serviço, que rapidamente mostrou, tentando dissuadir o seu agressor.

  9. Os tiros foram disparados em legítima defesa, para afastar a agressão actual e ilícita de que vinha a ser alvo, em estado de medo e não de cólera ou ódio, pelo que, a haver excesso de legítima defesa, o seu comportamento nunca poderá ser criminalmente punido por se verificar uma situação de medo não censurável.

    15.

    No que ao pedido de indemnização civil se refere, e tendo sido (P) o causador da agressão, não faz sentido que o mesmo seja indemnizado por um dano que o próprio causou.

    O Tribunal violou a previsão do art° 32°, 33° n° 2 do C.P..

  10. Quanto a (N), encontrava-se no interior do veículo de (P), e participou activamente na altercação no interior da discoteca, pelo que os danos que sofreu teriam igualmente sido evitados se o mesmo não tivesse intervido na querela.

    17.

    Devendo ser estes considerados responsáveis, não só pelo pagamento das despesas médicas resultantes da agressão, assim como à Companhia de Seguros, como pelo desencadear da agressão em si, não devendo ser indemnizados pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos.

    18.

    Contudo, e sem conceder, sempre se dirá que, em caso de entendimento diverso, a indemnização fixada deve ser largamente reduzida face ao exposto e à condição económica do arguido (A), conforme se prevê no artigo 494.° do Código Civil.

    19.

    Considerando as circunstâncias atenuantes quanto ao recorrente, a medida de pena deveria ser reduzida ao mínimo legal, sob pena de violação do preceituado no art° 70°, 71° n° 1 e 2 e art° 77 n° 1 do C.P.» Efectuada a necessária notificação, apresentou resposta o Mº Pº (cfr. fls. 1541 e 1542), em que concluiu: «1 Não foi violada qualquer disposição legal, 2 Não existe qualquer motivo para ser concedida razão ao recorrente pelo que deve ser mantido o despacho recorrido negando-se provimento ao recurso.

    V. Exªs., porém, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA».

    Na sequência do que veio a ser admitido o presente recurso (cfr. fls. 1575).

    Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 1582 a 1586), defendendo que o recurso deverá ser julgado inteiramente improcedente.

    Tendo sido dado cumprimento ao disposto no n.° 2 do Art.° 417° do C.P.Penal, o recorrente não se pronunciou.

    Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.

    Cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * O objecto do recurso, em face das conclusões da respectiva motivação, reporta-se: 1 - à pretensa ocorrência de erro notório na apreciação da prova que se revela susceptível de levar à conclusão que o recorrente agiu em legítima defesa ou, quando muito, em excesso de legítima defesa resultante de medo não censurável; 2 - à eventual circunstância de não se dever ter concluído estar o recorrente obrigado a ressarcir os danos, patrimoniais e não patrimoniais, que os ofendidos sofreram ou decidindo-se, caso assim não se entenda, pela redução dos respectivos montantes indemnizatórios; 3 - à possível redução da dosimetria das penas de prisão, parcelares e única, concretamente aplicadas ao recorrente.

    No que ora interessa, é do seguinte teor o acórdão recorrido: «2 - Os Factos 1) Na madrugada do dia 24 de Novembro de 2001, entre as 04.00 e as 08.00 horas, ambos os arguidos estavam na "Discoteca Queen's", sita na Rua da Cintura, à 24 de Julho, em Lisboa.

    2) (A) estava acompanhado por um amigo.

    3) (P) estava integrado num grupo de cerca de seis pessoas, entre rapazes e raparigas.

    4) Cerca das 06.00 horas ocorreu uma discussão ainda dentro da discoteca, por razões não apuradas e em que foi interveniente (A).

    5) Os elementos da segurança...

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