Acórdão nº 842/2008-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução06 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: 1. A... colocou a hipótese a B... de este participar e financiar a actividade comercial que aquele desenvolvia através da sociedade familiar C, Ld.ª. E fez crer B que a empresa era muito valiosa, de tal modo que o montante a investir de 40.000 contos corresponderia a uma percentagem de 40 % do seu valor. Com esta conduta induziu que este lhe entregasse a quantia de 10.000 contos por conta do futuro acordo que iria ser concretizado entre ambos tendo como vista à injecção de 40.000 contos naquela sociedade e aquisição de 40 % do seu valor. Todavia, os elementos contabilísticos que o A lhe enviou posteriormente mostravam que a sociedade estava numa situação deficitária, com a valorização empolada de activos imateriais (as representações) numa manobra de grosseira engenharia financeira. Foi assim por erro que B entregou os 10.000 contos a A, causando-lhe este, por esta forma, um prejuízo patrimonial de 10.000 contos. Com base nestes fundamentos, veio B, escritor, residente em, Suíça, e com domicílio na Av. ..., em Cascais, intentar contra A, empresário, residente na Rua... Cascais, acção declarativa comum com forma ordinária a qual pede que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 49.879,79 € (10.000.000$00), acrescida juros contados desde 27-06-2001.

* 2. Na sua contestação, o réu diz que é parte ilegítima, porque a acção teria de proposta contra a sociedade, uma vez que o dinheiro em questão se destinou à entrada do autor como sócio da dita sociedade. No mais impugna os factos.

Deduzindo reconvenção, diz que está em condições de concluir o contrato de cessão de quotas com o autor, quer este queira, quer não, e alegando que sofreu danos emergentes e lucros cessantes em consequência das negociações decorridas e da sua ruptura. E conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido ou, pela procedência da excepção invocada. Conclui também pela procedência da reconvenção, e pede o autor seja condenado a outorgar a escritura de cessão de quota na sociedade C, Ld.ª, ou a pagar a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros legais até integral pagamento. *3. Na réplica, o autor diz que não se verifica a excepção da ilegitimidade, porquanto a actuação do réu não foi em representação da sociedade, já que esta não era titular de qualquer quota. E impugna os factos relativos à reconvenção.

E conclui pela improcedência da excepção e da reconvenção.

* 4. Foi homologada a desistência do pedido reconvencional relativo à condenação do autor a outorgar a escritura de cessão de quotas na sociedade C, Ld.ª. Na parte restante, foi admitida a reconvenção.

No despacho saneador, o réu foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade do réu e este foi julgado parte legítima.

A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente o pedido reconvencional e, consequentemente: a) Condenou o réu a pagar ao autor a quantia de 49.879,79 €, acrescida de juros à taxa legal desde a data da propositura da acção até integral pagamento; b) Absolveu o autor do pedido reconvencional.

E condenou o réu em custas.

*5. Inconformado apelou o autor. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui: 1.ª A sentença não deu cabal cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 659º do Cód. Proc. Civil, ao não identificar correctamente o objecto do litígio, pois que identifica o peticionado pelo autor como adveniente de um empréstimo, e não foi alegado qualquer empréstimo. O que ocorreu foram simplesmente negociações para a cedência de quotas de uma sociedade e entregas de verbas livres e espontâneas pelo autor, sem exigência do quer que seja, e com causa justificativa; 2.ª Assim deveria o réu ser absolvido da instância e o autor condenado no peticionado pelo réu; 3.ª Houve uma quebra abrupta do negócio por vontade do autor; 4.ª A sentença recorrida sofre de uma contradição entre o relatório e a fundamentação e a decisão, ao chamar para os autores um empréstimo de todo desconhecido; 5.ª O que ocorreu foi uma mera promessa de contratar; 6.ª Que foi incumprida pelo autor, e com pagamento de verbas pelo autor a título de sinal para aquisição de quotas e não para empréstimo pessoal; 7.ª O incumprimento pelo autor, impõe a responsabilização deste a título de responsabilidade pré-contratual; 8.ª Ao invés da sentença recorrida, não se vislumbra qualquer enriquecimento sem causa; 9.ª Nem se vislumbra igualmente qualquer base para a exigência de juros, por inexistência de qualquer facto ilícito; 10.ª Tal determina a absolvição do réu do pedido contra ele formulado pelo autor e a condenação desde no pedido reconvencional contra ele deduzido pelo réu.

*6. O autor não contra-alegou.

*7. As questões essenciais a decidir: Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações[3] __ e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas[4] __, do réu apelante supra descritas em I. 5., são cinco as questões essenciais a decidir: 1) se existe ou não erro na identificação do litígio, no relatório da sentença, e se sim, quais as suas consequências consequências; 2) se a matéria de facto provada configura ou não a existência de um contrato-promessa celebrado entre o autor e o réu , e se sim, se o mesmo foi não definitivamente incumprido pelo autor; 3) se se verificam ou não os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual subjectiva com base na qual o autor esteja obrigado a indemnizar o réu; 4) se existe ou não um enriquecimento sem causa com base no qual o réu esteja obrigado a restituir ao autor a quantia de 10.000 contos (de 49.879,79 €) que este lhe entregou; 5) e se sim se são ou não devidos juros de mora sobre esta quantia a restituir.

Vai-se conhecer das questões pela ordem indicada.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:***II. Fundamentos: A) De facto: Nos termos do art.º 713º, n.º 6 do Cód. Proc. Civil, e dado que a matéria de facto provada na 1.ª instância não foi objecto de impugnação, nem tem de ser alterada por esta Relação, remete-se, aqui, no que toca à matéria de facto provada na 1.ª instância, para os termos dessa decisão.

* B) De direito: 1.

O objecto do litígio: O objecto do processo é o litígio e o objecto do litígio é constituído pelo pedido e causa de pedir[5], mas já não as excepções deduzidas pelo réu (peremptórias ou dilatórias), uma vez que o litígio resulta da pretensão formulada em juízo, independentemente de ela ser contestada ou de o réu se recusar a satisfazê-la[6]. Por sua vez o relatório da sentença tem como função definir com precisão e nitidez os termos da controvérsia, o esquema do litígio, indicando, com toda a clareza, a questão ou questões a resolver. As anomalias de que enfermem os fundamentação e a decisão podem provocar a nulidade da sentença, como decorre do art.º 668º do Cód. Proc. Civil, ao passo que os defeitos do relatório são irrelevantes. Daqui se conclui que o relatório tem muito menor importância que os fundamentos e a decisão. A importância do relatório está no plano da técnica, visto que o modo como se põe uma questão tem importância, por vezes capital e decisiva, para a solução que lhe vai ser dada. A questão mal posta é, por via de regra, questão mal decidida. É aqui que reside a sua importância. Mas um relatório incorrecto, formal ou substancialmente, não acarreta qualquer nulidade da sentença, é irrelevante, mesmo que viole o disposto no n.º 1 do art.º 659º do Cód. Proc. Civil[7]. O relatório da sentença tem um fim meramente instrumental. Ele mais não é do que um meio para se decidir bem, já que, para se atingir este objectivo, é necessário, previamente, precisar, com clareza, qual ou quais as questões a decidir na sentença. Nos termos do art.º 659º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar. É pois o que o relatório deve mencionar. Mas porque o réu deduziu reconvenção e formulou um pedido reconvencional contra o autor __ uma vez que foi homologada a desistência do pedido reconvencional que o autor fosse condenado a outorgar a escritura de cessão de quota na sociedade C, Ld.ª não tinha o relatório que lhe fazer referência __ tinha o relatório da sentença, em obediência ao disposto no...

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