Acórdão nº 8676/2008-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | PEREIRA RODRIGUES |
Data da Resolução | 20 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B, pedindo a condenação da ré a pagar à Autora as quantias: de 238.818.914$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e juros vencidos; de 20.000.000$00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros vincendos até integral pagamento.
Fundamentando tais pretensões, alega que em 1994 adquiriu o arrendamento de um armazém onde tem a sua sede, tendo obtido previamente informação da Câmara Municipal e da B que as obras a realizar naquela zona não afectariam o armazém. Todavia, em Março de 1997 iniciaram-se obras de adaptação da rede viária envolvente do Parque ..., as quais causaram poeira que passou a deteriorar a mercadoria da Autora. Em resultado de tais obras, o armazém ficou rodeado de terras, ficando o pavimento cerca de 1,70 metros subido em relação à entrada do armazém. Passou a ser impossível o acesso de qualquer viatura ao armazém por falta de espaço de manobra. Na sequência de queixas da Autora, foi construída uma rampa improvisada para acesso ao armazém a qual impossibilitava o acesso de camiões TIR, operando os automóveis mais pequenos com muita dificuldade. Esta situação causou uma diminuição da actividade comercial da Autora e cancelamento de encomendas.
Nos dias 18 e 19 de Outubro de 1997, caíram fortes chuvadas, ocorrendo inundação no armazém da Autora, ficando as instalações inoperacionais e a mercadoria do rés-do-chão ficou totalmente inutilizada. Tal ocorreu porque, sem projecto e sem cuidados mínimos, foram efectuadas as referidas obras com grande movimentação de terras, elevação da Rua face ao armazém, sem a construção de rede de drenagem de águas. Sustenta a Autora que, não fora conduta culposa dos autores e responsáveis da obra, a Autora gozaria hoje de boa saúde financeira e continuaria a expansão da sua actividade comercial.
A Autora quantificou os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos da seguinte forma: - 58.799.596$00 de mercadoria existente no piso do rés-do-chão que foi destruída pela inundação, havendo que deduzir a este valor o salvado de 8.960.000$00 pelo que a destruição directa de mercadoria foi de 49.839.569$00; - 60.257.489$00 de mercadoria da Autora desvalorizada e depreciada pela infiltração de poeiras; - 83.165.330$00 de danos de idêntica natureza causados em mercadorias pertencentes a C, sendo a Autora depositária de tais mercadorias; - 2.800.000$00 pelo pagamento de renda de um outro armazém; - 839.000SOO na reparação do equipamento de elevação e transporte; - 430.000$00 de danos causados no mobiliário; - 1.200.000$00 de reparação de viaturas danificadas em virtude da forte inclinação da rampa de acesso; - 750.000$00 de custos internos na inventariação e avaliação da mercadoria sinistrada; - 37.200$00 em fotografias; - 2.500.000$00 pela peritagem que a Autora mandou realizar; - 20.000.000$00 de perdas relativas à quase destruição do armazém e à consequente perda do imobilizado; - 17.000.000$00 de indemnização aos trabalhadores da Autora e da C pela cessação da actividade; - 27.727.326$00 correspondentes aos juros do capital de 221.818.615$00, correspondendo este ao valor das mercadorias danificadas e bens danificados utilizados no exercício da actividade comercial da Autora; - 20.000.000$00 pela destruição do bom-nome comercial e bancário da Autora e da C bem como pelo desprestígio dos gerentes das sociedades induzido pela sua falência.
A Ré contestou por excepção e por impugnação.
Arguiu a excepção dilatória da falta de legitimidade passiva sustentando que a ré não teve qualquer culpa no sucedido, sendo apenas a dona da obra. Ocorreu uma omissão no projecto da responsabilidade da D uma vez que o acesso às instalações da Autora não foi ponderado nem pela Câmara Municipal que forneceu os desenhos sobre os quais assentou o projecto nem pelos projectistas. Cabia à empreiteira F executar os trabalhos necessários para evitar danos nos prédios vizinhos, não tendo a empreiteira cumprido ordem específica da Ré para realização de trabalhos preventivos cuja execução teria evitado a inundação.
Arguiu a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora para deduzir pedidos de indemnização relativos C.
Para a eventualidade da Ré ser responsabilizada enquanto dona da obra e para prevenir o exercício do subsequente direito de regresso, deduziu a ré incidente de intervenção principal provocada de: - F, empreiteira, cuja conduta culposa foi a principal causadora dos danos; - G, na qualidade de fiscal da obra, verificando-se que a ordem para a realização de trabalhos preventivos não foi executada o que indica que esta sociedade não cumpriu as funções que lhe estavam adstritas; - D, na qualidade de projectistas, por se ter esquecido do acesso às instalações da Autora, bem como por ter demorado a apresentar uma solução para o acesso quando o problema foi detectado, sendo que as sucessivas soluções apresentadas foram recusadas; - Câmara Municipal por partilhar com a projectista as responsabilidades pela omissão inicial do projecto e mais de cinco meses despendidos com o estudo de um acesso ao armazém; - Companhia de Seguros H com a qual a ré celebrou contrato de seguro cujo âmbito de cobertura abrangia a empreitada em causa e danos dela decorrentes. A ré peticiona a condenação da autora como litigante de má fé por: - agir em nome da C para obter quantias a que não tem direito; - apresentar um relatório cujas considerações os peritos não tinham possibilidade de conhecer; - peticionar danos decorrentes de uma inundação (a de 2 de Novembro) que já havia reconhecido não terem existido; - quantificar danos em valores que nada têm a ver com os que anteriormente havia apontado; - por ficcionar factos e comportamentos, omitindo a existência de inúmera documentação que, só por si, é suficiente para obstar a parte das suas pretensões.
Conclui a Ré pela:- procedência das excepções dilatórias que deduziu; - admissão das intervenções principais das entidades mencionadas, como co-Rés, devendo as mesmas serem condenadas na medida das suas culpas, caso se apure qualquer dano indemnizável; - improcedência da acção quanto à Ré; - condenação da autora como litigante de má fé.
A Autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções e do pedido de condenação como litigante de má fé.
Foi ordenada a citação das chamadas.
A G apresentou articulado próprio em que sustenta que o incidente adequado ao seu chamamento é o da intervenção acessória provocada, arguindo a nulidade do despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada no que tange à G por violação do disposto nos Artigos 325° e 330° do Código de Processo Civil.
Conclui pela consequente absolvição da instância e, subsidiariamente, pela improcedência da acção quanto a si.
A CÂMARA MUNICIPAL apresentou contestação arguindo a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, argumentando que - tratando-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual do Estado - a competência deve ser deferida aos tribunais administrativos.
Tal excepção veio a ser julgada procedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.5.2003, transitado em julgado.
A COMPANHIA DE SEGUROS H arguiu a sua ilegitimidade passiva em virtude do proprietário da obra ser a Câmara Municipal de Lisboa, sendo da responsabilidade desta a localização e concepção da avenida sendo que os danos terão advindo de factos previsíveis e resultantes de tal localização e concepção. Arguiu também a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora para deduzir pedidos em nome da C.
No mais, contesta por impugnação, concluindo pela procedência das excepções e pela improcedência da acção.
A D contestou, concluindo pela improcedência a acção quanto a si.
Requereu incidente de intervenção principal de E e de I, fundamentando este incidente, alegou que a primeira das referidas sociedades assistiu a Autora no planeamento, projectos de traçado e terraplanagens, projectos de pavimentação e de instalações de segurança. A segunda encarregou-se da geologia e geotécnica, dos projectos de drenagens, águas e esgotos. Tais sociedades realizaram projectos das respectivas especialidades. A D e demais projectistas transferiram para a Seguradora J a responsabilidade civil profissional decorrente da elaboração do projecto de execução das obras em causa até ao montante de 40.000.000$00.
Foi ordenado o chamamento assim requerido.
A F, arguiu a sua ilegitimidade passiva em virtude de não ter qualquer responsabilidade na ocorrência na inundação. Arguiu também a ilegitimidade activa da Autora para peticionar prejuízos da C. No mais, contestou por impugnação, concluindo pela procedência das excepções e pela improcedência da acção quanto a si.
A Autora apresentou réplica à contestação da D.
A COMPANHIA DE SEGUROS J arguiu a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora bem como a excepção peremptória decorrente do contrato de seguro ter caducado um ano após a recepção provisória da obra, não tendo sido apresentada à seguradora qualquer reclamação durante esse período.
Conclui pela procedência das excepções e pela improcedência da acção.
I e E apresentaram contestação, pugnando ambas pela improcedência da acção.
A Ré apresentou articulado de resposta às contestações das chamadas.
Em 22.11.2000, C deduziu incidente de intervenção principal provocada, aderindo aos articulados apresentados pela Autora, especificando que as suas mercadorias sofreram danos no valor de 83.165.330$00.
Concluiu pela admissibilidade da sua intervenção e pela condenação da ré e Intervenientes a pagar a quantia de 258.818.914$00.
A I deduziu oposição à admissibilidade do incidente de intervenção da C, arguindo ainda a excepção peremptória da prescrição porquanto o eventual direito da C prescreveu em 17.11.2000.
Companhia de Seguros H a Ré e Companhia de Seguros J...
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