Acórdão nº 8185/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelALEXANDRINA BRANQUINHO
Data da Resolução18 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

S veio interpor recurso da decisão que, considerando manifestamente improcedente a pretensão que deduziu, indeferiu liminarmente o seu requerimento inicial nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 1, do CPC.

No requerimento indeferido que foi deduzido contra S. L.da, J e E, ora agravados, a requerente, ora agravante, pede que seja ordenado inquérito judicial com vista à obtenção de todas as informações relativas àquela sociedade, nomeadamente: - relatórios de gestão referentes ao ano de 2005 e 2006 e demais documentos de prestação de contas; - informação sobre: todos os contratos celebrados desde 29/09/05, com cópia dos mesmos; extractos bancários desde Setembro de 2005 com cópia dos mesmos; lista dos trabalhadores ao serviço desde 29 de Setembro de 2005, data de admissão, datas de fins de prazos, categoria profissional e quais os montantes pagos aos mesmos (com cópia da forma de pagamento) e respectivos descontos para a segurança social; montantes auferidos pela gerência da sociedade desde Setembro de 2005; gastos apresentados pela gerência e pagos pela sociedade, com indicação da data e justificação dos mesmos; contratos efectuados com a firma "O, SA" e estado actual do seu cumprimento; verificação da contabilidade da sociedade; situação da sociedade perante os organismos públicos, nomeadamente Direcção geral de Impostos e Segurança Social; situação perante os bancos e outras instituições financeiras; - inspecção e verificação dos bens sociais; - e ainda todos os actos previstos no art.º 1480.º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais.

Para tanto alega, em síntese, ser sócia da sociedade requerida mas, nada saber desta desde Outubro de 2005.

Em Março de 2006 - acrescenta a requerente - solicitou informações que, todavia, não lhe foram prestadas. Também não foi convocada qualquer assembleia no ano de 2006 e, em Fevereiro de 2007 solicitou, novamente, informações e a convocação de uma assembleia, nada lhe tendo sido respondido.

*** A 1.ª instância entendeu e decidiu: «Nos termos do disposto no art.º 1479.º n.º1, do Código de Processo Civil: «O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alegará os fundamentos do pedido de inquérito, indicará os pontos de facto que interessa averiguar e requererá as providências que repute convenientes».

Com interesse para a presente acção os casos em que a lei permite a realização do inquérito judicial são quando ao sócio de uma dada sociedade tenha sido recusada a informação ou tenha sido dada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa (art.º 216.º do Código das Sociedades Comerciais) ou quando as circunstâncias do caso fizerem presumir que a informação não será prestada ao sócio (artigos 292.º n.º 6 e 216.º n.º 2, ambos do Código das Sociedades Comerciais).

Por outro lado, nos termos do art.º 67.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no art.º 65.º n.º 5, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito.

Em primeiro lugar refira-se que, e com o devido respeito, o requerimento inicial não é muito claro quanto ao concreto inquérito judicial que vem peticionar - é o que o inquérito previsto nos artigos 1479.º e ss. tem uma tramitação diversa do previsto no art.º 67.º do Código das Sociedades Comerciais - vide v.g.

o Ac. RL de 27/10/94 in CJ-1994-IV-132.

A requerente é, indiscutivelmente, sócia da requerida, sendo porém, além de sócia, também sua gerente. Tal resulta da certidão de matrícula junta aos autos, da qual consta a sua qualidade de gerente (embora também o registo de um pedido judicial de suspensão, em procedimento cautelar, o que não lhe retira tal qualidade, mesmo que tal providência tenha sido procedente, face ao não registo de qualquer renúncia ou destituição).

A questão que se coloca é a de saber se, sendo ela gerente da sociedade, pode pedir o inquérito judicial ou se tal pedido só pode ser feito por sócio não gerente.

Os artigos 216.º e 292.º do Código das Sociedades Comerciais falam apenas no direito do sócio, não ressalvando a situação de só se aplicar aos sócios não gerentes. Mas, quanto a nós, tal não significa que os gerentes-sócios o possam fazer.

Abílio Neto defende que o direito de requerer o inquérito judicial é um direito que também assiste aos sócios gerentes e justifica-se dizendo que "são numerosos os casos de gerentes que só o são de nome ou que são impedidos pelos outros gerentes do acesso às informações e aos livros e documentos da sociedade" (in Código Comercial e Código das Sociedades Comerciais Anotados, 14.ª ed., p. 629).

Afigura-se-nos que este argumento não pode proceder. Com efeito, se a justificação residisse no facto de haver gerentes que só o são de nome, já que na prática por impedimento do(s) outro(s) gerente(s) não exercem as respectivas funções, então teríamos de concluir que os gerentes gozariam de diferentes direitos consoante fossem ou não sócios da sociedade. Se o fossem poderiam requerer a realização de inquérito judicial. Se não o fossem não poderiam requerer o inquérito já que a lei só confere esse direito aos sócios como resulta expressamente dos citados artigos 196.º e 292.º. E se não podiam requerer o inquérito significa que não poderiam ter acesso à informação da sociedade, o que é, no mínimo, absurdo e configuraria um tratamento diferenciado de duas situações perfeitamente idênticas, não havendo qualquer fundamento para essa diferenciação.

Mas para além deste argumento, outros há que nos fazem pender para uma solução contrária à defendida por Abílio Neto.

O direito à informação é um direito geral dos sócios que tem como objectivo assegurar a transparência da realidade da situação da empresa e que se encontra consagrado no art.º 21.º n.º 1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais. O âmbito deste direito varia de acordo com o tipo de sociedade, estando regulado, quanto às sociedades por quotas, nos artigos 214.º a 216.º do mesmo diploma.

Sendo embora um direito com uma grande amplitude, o certo é que em determinadas circunstâncias ele pode ser cerceado: ou por regulamentação no próprio contrato de sociedade ou por se recear utilização...

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