Acórdão nº 5736/2008-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | TELO LUCAS |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO 1. Nos autos de inquérito com o n.º 1201/05.0GISNT, que corre termos pela 5.ª secção dos Serviços do Ministério Público junto dos Juízos Criminais da comarca de Sintra, a assistente - R... - , ali devidamente identificada - deduziu acusação particular[1] contra os arguidos J... e A..., imputando-lhes a prática de factos que, em seu entender, integram um crime de injúria, p., p. pelo art. 181.º do Código Penal.
2.
Remetidos os autos à distribuição, a Sra. Juíza do 1.º Juízo Criminal da predita comarca, por despacho de 11-10-2007, e ao abrigo do disposto no art. 311.º, n.º 2, a), e n.º 3, d), do Código de Processo Penal, não recebeu a acusação, por manifestamente infundada.
3. É desse despacho que vem interposto pela assistente o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcreve-se): «1 - Do saneamento do processo promovido pelo despacho recorrido, nos termos e para os efeitos do art. 311º do CPP, decorreu o não recebimento da acusação particular por alegada falta de imputação dos elementos subjectivos do dolo, considerando-a manifestamente infundada.
2 - Para o cometimento do crime de injúria, p. p. pelo art. 181.º do CP, há que haver dolo, em qualquer uma das suas três formas, pelo que arredada está a forma negligente.
3 - É certo que o crime de injúria[2] pressupõe que o agente saiba e queira que as suas palavras contenham imputação desonrosa e que com elas queira causar ignomínia e falta de consideração ao ofendido, mediante acto de vontade livre e consciente.
4 - Contudo, a Assistente fez referência ao elemento subjectivo do tipo pois ainda que forma menos manifesta imputou o facto ilícito aos arguidos, a título de dolo, conforme se alcança pelo uso das expressões "... o arguido... dirigindo-se...", "... a arguida dirigiu os seguintes epítetos à Assistente...", "... dirigindo-se novamente à Assistente... a arguida voltou a reproduzir as mesmas expressões...".
5 - A descrição destes factos exprime uma acção volitiva, tendo subjacente e inculcada a ideia inequívoca da vontade dos agentes, entendendo a Assistente que por tal via, na acusação rejeitada, existe uma descrição factual suficiente e que integra, descrevendo, o elemento subjectivo do tipo.
6 - Assim, e contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, do saneamento do processo nos termos e para os efeitos do art. 311° CPP deveria decorrer o recebimento da acusação particular, acompanhada que foi pelo Ministério Público.
7 - Ainda, o elemento subjectivo tem-se por implicitamente contido nas expressões "filha da puta", "cabra de merda", "porca de merda", javarda de merda" e "bestas de merda", das quais só se pode inferir que os arguidos agiram com dolo ao dirigir tais expressões à Assistente; de tais expressões; daí que o Código Penal só fale na consciência da ilicitude a respeito da sua falta, ao regular o erro no art. 17° (erro sobre a ilicitude), e não como um requisito autónomo do dolo, cujo regime regulou no art. 14°.
8 - Sem prescindir, e a entender que a acusação particular rejeitada omite o alinhamento dos factos referentes ao dolo, não pode considerar-se nula ou «manifestamente infundada», nos termos e para os efeitos prevenidos no art. 311.°2 a) e 3 b) e c) do CPP, devendo apenas reputar-se como deficiente e não de forma insuprível, inexistindo fundamento para a respectiva rejeição.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso obter provimento, devendo em consequência revogar-se o despacho recorrido, ordenando a sua substituição por outro que receba a acusação particular e designe dia para a audiência de julgamento, com as devidas e legais consequências, e assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».
4.
Na resposta[3], a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância defende que deve ser negado provimento ao recurso.
5.
Subiram os autos a esta Relação e, aqui, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que o recurso merece provimento.
6.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
III - FUNDAMENTAÇÃO 7.
Eis o teor do despacho recorrido (transcreve-se no seu essencial): «Tal como resulta do disposto no artigo 311°., n.º 1, do CPP, «recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer»; e se «o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha nomeadamente no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada» (preceito citado, n.º 2), entendendo-se como tal a acusação que, além do mais, «não contenha a narração dos factos", ou "se os factos não constituírem crime" (id., n.º 3, alínea b) e d); vd., ainda, os artigos 285.°, n.º 2, e 283.°, n.º 3, do mesmo diploma legal).
No caso vertente, verifica-se que a assistente deduziu acusação...
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