Acórdão nº 7941/2008-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | FARINHA ALVES |
Data da Resolução | 06 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A, solteiro, residente nos Estados Unidos da América, intentou a presente acção declarativa com processo comum e sob a forma ordinária contra B, advogada, com domicílio profissional em Ponta Delgada, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 130 000,00, acrescida de juros de mora desde a citação, e do mais que se vier a liquidar em execução de sentença.
Para tanto alegou, em síntese: Em Setembro de 2001 o A. contratou a Ré para o representar numa compra e venda de um imóvel e para o patrocinar numa acção judicial de execução específica, com pedido subsidiário de indemnização por incumprimento, conforme aconselhado pela Ré, face à recusa do promitente vendedor em outorgar na escritura.
No âmbito dessa acção a Ré, convidada pelo Tribunal a especificar o valor do imóvel à data do incumprimento do contrato-promessa, reflectindo-o no pedido, nada fez.
E, tendo sido notificada para depositar, a título de remanescente do preço, a quantia de € 47.306,05, quando apenas estava em dívida a parcela de € 42.397,82, não requereu a rectificação daquele lapso, não depositou à ordem dos autos a quantia devida, que tinha em seu poder, nem pediu ao A. o reforço da verba destinada ao depósito que fora ordenado.
E a acção foi julgada improcedente no despacho saneador, por falta de depósito do remanescente do preço e por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, que não assinara o contrato-promessa.
Decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
No seguimento, foi intentada contra o ora A. acção de reivindicação do prédio prometido vender.
Nessa acção a Ré apresentou contestação fora de prazo, já depois de ter sido proferida sentença a condenar o A. na entrega do prédio.
Entretanto, também aconselhado pela Ré, o A. iniciara, no terreno prometido comprar, obras de construção de duas moradias, um armazém e arruamento, antes de obter o respectivo licenciamento.
Obras que foram embargadas pela Câmara Municipal da Ribeira Grande.
O que deu origem a que o A. fosse acusado, em notícias publicadas na imprensa local, de não respeitar o embargo, de desobediência às autoridades e de atentar contra o ambiente.
Quer essas notícias, quer o embargo administrativo, quer o desfecho das acções judiciais referidas, causaram grande desgosto, angústia e abatimento ao Autor.
E teve de renegociar a compra do terreno, e de pagar custas das acções em que decaiu e coimas respeitantes às obras embargadas, no que gastou montante global não inferior a € 120.000,00.
Por outro lado, o sofrimento do A. proveniente da frustração das expectativas que lhe haviam sido criadas pela R. acerca do bom resultado das acções judiciais aludidas e do projecto de construção, ocasionou-lhe prejuízos de natureza não patrimonial de valor não inferior a € 10.000,00.
Citada, a ré contestou, invocando a prescrição do direito invocado pelo A., por terem decorrido mais de três anos entre a data em que o A. teve conhecimento dos factos em que o mesmo se funda e a instauração da presente acção, e, no mais, recusou qualquer responsabilidade no resultado das duas acções judiciais e negou ter aconselhado o A. a iniciar obras sem prévio licenciamento.
O autor replicou.
A convite do Tribunal, o A. veio concretizar o montante dos danos patrimoniais, alegando ter gasto € 1.871,74 em honorários a advogado, € 67.337,72 de acréscimo do preço, € 1.874,24 de custas nas duas acções, e cerca de € 5.000,00 em coimas relativas às obras não licenciadas, reduzindo o pedido ao montante de € 86.083,89, acrescido de juros de mora desde a citação.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição, prosseguindo os autos para julgamento, que culminou com a decisão de facto que consta de fls. 209 a 214.
Seguiu-se a sentença, onde a acção foi julgada improcedente, com absolvição da ré do pedido.
Inconformado, o A. apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas por conclusões onde, em síntese, defende que estão verificados os pressupostos de responsabilidade civil contratual em que a presente acção se funda e que a Ré deve ser condenada no pedido formulado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões, está em causa na presente apelação a apreciação da questão já acima enunciada. Ou seja, está em causa saber se devem ser julgados verificados, e em que medida, os pressupostos da responsabilidade civil contratual que o Autor imputa à Ré.
Na decisão recorrida foi considerada a seguinte matéria de facto: a) Em Janeiro de 2001, o autor procurou a ré, na sua qualidade profissional de advogada, a quem solicitou os seus serviços visando a concretização e celebração da escritura pública de compra e venda do prédio rústico denominado ..., sito no lugar com o mesmo nome, concelho da Ribeira Grande. (Al. A) dos Factos Assentes) b) Com efeito, o autor assinara em 10 de Março de 2000, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto aquele prédio rústico, sendo promitente vendedor C. (Al. B) dos Factos Assentes) c) Tendo em vista a celebração da escritura, o autor, em 18 de Setembro de 2001, outorgou procuração a favor da ré, a quem conferiu poderes para o representar em escrituras de compra e venda, tendo-lhe ainda conferido procuração forense destinada à propositura da acção judicial de execução específica, conforme aconselhado pela ré, face à recusa do promitente vendedor em outorgar tal escritura. (Al. C) dos Factos Assentes) d) O autor entregou ao promitente vendedor na data da assinatura do contrato-promessa, a título de sinal, a quantia de 4 000 000$00, ficando então em dívida o remanescente do preço no valor de 9 500 000$00, tendo posteriormente o autor reforçado o sinal com mais 1 000 000$00, pelo que ficou em dívida o valor de 8 500 000$00. (Al. D) dos Factos Assentes) e) Esse mesmo valor de 8 500 000$00, correspondente à parte do preço em dívida, foi entregue pelo autor à ré, em 21 de Setembro de 2001, a fim de ser oportunamente pago ao vendedor ou depositado à ordem dos autos de execução específica. (Al. E) dos Factos Assentes) f) A ré deu entrada duma acção declarativa de condenação com processo ordinário no Tribunal da Ribeira Grande no dia 15 de Maio de 2002, a qual correu os seus termos no 1.º Juízo sob o nº , contra o promitente vendedor e sua mulher. (Al. F) dos Factos Assentes) g) Nessa acção foi pedida a modificação de duas cláusulas do contrato-promessa, a condenação dos réus a reconhecer e cumprir esse contrato, com reconhecimento do ali autor como proprietário do prédio, conferindo-se força à sentença para o registo definitivo de aquisição a favor do ali autor e, subsidiariamente, a condenação dos ali réus a pagar ao ali autor uma indemnização correspondente ao valor do prédio, determinado objectivamente à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado. (Al. G) dos Factos Assentes) h) Por despacho de fls. 78 v.° desses autos, notificado à ré, o autor foi convidado a especificar o valor que alegava ter tido o imóvel à data do incumprimento e a reflecti-lo no pedido, nos termos dos artigos 265.°, n.° 3 e 266.°, n.° 2, do CPC. (Al. H) dos Factos Assentes) i) Posteriormente, através de carta expedida em 18/10/2002 foi a ré, enquanto mandatária do autor, notificada do despacho proferido nos mesmos autos convidando o autor a depositar a quantia de 47 306,05 €, que seria correspondente ao remanescente do preço em dívida. (Al. I) dos Factos Assentes) j) Esse valor constituía um lapso manifesto por não haver sido tido em conta o valor do reforço de sinal, o qual de resto havia sido indicado na petição, devendo por isso ser corrigido para o montante efectivamente em dívida, que era de 42 397,82 €. (Al. J) dos Factos Assentes) k) A ré não requereu a rectificação desse valor, nem solicitou ao autor qualquer reforço da verba destinada ao depósito do preço (recorde-se que tinha em seu poder a verba de 42 397,82 €), nem efectuou o depósito dessa quantia à ordem dos autos, nada tendo requerido ou suscitado a propósito desse despacho. (Resp. quesitos 2.° e 23.°) l) Em consequência dessas omissões por parte da ré, veio a ser proferido nessa referida acção, em 10 de Fevereiro de 2003, saneador-sentença julgando-a totalmente improcedente, e concretamente quanto à execução específica, por falta de consignação em depósito do remanescente do preço, bem como por falta de consentimento da mulher do promitente vendedor, a qual não assinara o contrato-promessa de compra e venda. (Resp. quesito 3.°) m) Do saneador-sentença a ré apresentou requerimento de interposição de recurso de apelação, o qual, depois de admitido com efeito suspensivo, deu lugar à apresentação de alegações por ambas as partes, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a decisão recorrida, através de douto acórdão notificado à ré por carta de 21/10/2003. (Al. K) dos Factos Assentes) n) Nesse acórdão, ao mesmo tempo que se reconhece o lapso acima assinalado quanto ao valor do depósito («houve lapso do despacho do Sr. Juiz, o qual não teve em conta a quantia entregue posteriormente»), conclui-se pela improcedência do pedido de execução específica em virtude da falta de consignação em depósito, constando dele ainda que «a boa-fé que deve sempre estar presente, também nos actos de procedimento, impunha-lhe que no momento próprio tivesse...
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