Acórdão nº 1942/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução13 de Novembro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Nestes autos de expropriação, em que é expropriante Estradas de Portugal, E.P.E. e são expropriados M... Ribeiro e mulher Maria M... , residentes no Lugar do Souto, Quinta do Souto, freguesia de Gémeos, concelho de Guimarães, veio o expropriado marido interpor recurso, para o Tribunal Judicial de Guimarães, da decisão arbitral que fixou em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) o valor indemnização pela expropriação de parcela de que aquele é arrendatário.

Nas suas alegações, para além de invocar a caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação, vem arguir sua ilegitimidade em virtude de o processo de expropriação não ter corrido também contra sua mulher, invocando que esta é igualmente arrendatária da dita parcela.

Alega ainda que ambos são titulares de um contrato de arrendamento, que qualifica de misto, abrangendo uma parte urbana e uma parte rústica que inclui a parcela em causa, com o nº 659 e ainda outras parcelas, com os nºs 656, 660, 681 e 690, que foram parcialmente expropriadas. Discordando do valor da indemnização fixada, por não contemplar todos os critérios legais, descriminou depois os factos que, em seu entender, deveriam ter ser considerados no caso para a determinação daquele valor.

Conclui, assim, que a indemnização devida pela cessação do contrato de arrendamento sobre a parcela expropriada deve ser fixada em € 283.985,00, incluindo: € 50.000,00, pela parte habitacional; € 44.600,00, pela parte rural, (relativos a frutos pendentes, culturas inutilizadas e benfeitorias e € 189.385,00 de lucros cessantes).

Admitido o recurso, a expropriante respondeu, concluindo pela sua improcedência.

O Mmº Juiz a quo proferiu despacho em que decidiu não ter cabimento legal nos presentes autos a suscitada expropriação das parcelas 656, 660, 681 e 690, bem como as questões que destas se venham a mostrar dependentes, mantendo-se, como objecto do processo, a impugnação da decisão arbitral relativa à parcela nº 659.

Realizadas as diligências instrutórias que incluíram a avaliação, foi proferida sentença onde se considerou interessada nos autos o cônjuge do recorrente e se julgou totalmente improcedente o recurso interposto.

Inconformados, os expropriados interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações que terminaram, em síntese, com as seguintes conclusões: A sentença é nula por não ter atendido a todos os factos alegados pelas partes, nomeadamente os atinentes à exploração agrícola, não os dando como provados ou não provados nem fundamentando a resposta positiva e negativa; Depreende-se que o Tribunal recorrido, ao absolver da instância a entidade expropriante quanto à pretensão dos expropriados fundada num suposto contrato de arrendamento rural, decidiu não incluir nos factos provados e não provados todos aqueles que foram alegados pelas partes e sobre os quais recaiu prova testemunhal e pericial mas exclusivamente atinentes ao dito arrendamento rural; Mas a sentença deve conter todos os factos alegados sobre os quais recaiu prova, pois o tribunal recorrido não pode vedar às partes a fixação de factos que sejam pertinentes para as diversas questões suscitadas e para as plausíveis decisões de direito; Desta forma, a sentença recorrida violou o disposto no art. 659° do CPC., sendo, por isso, nula, vício que aqui expressamente se invoca; A sentença recorrida qualificou a relação jurídica invocada nos autos como consubstanciando dois contratos de arrendamento — um arrendamento habitacional e um arrendamento rural; Os expropriados invocaram a existência de um outro contrato de arrendamento com uma parte urbana destinada a habitação e uma parte rústica, destinada a exploração agrícola; Evidenciando o relatório da v.a.p.r.m, além do mais, que «O terreno de que a parcela faz parte, bem assim como a habitação, encontram-se arrendados através de contrato verbal válido e em vigor, manifestado por ambas as partes, pelo que terá de ser acautelado este encargo autónomo para efeitos de indemnização», não podia o Tribunal recorrido concluir pela existência de dois contratos de arrendamento; O contrato de arrendamento dos autos é misto, porquanto incide sobre uma parte urbana e uma parte rústica, o que em nada contende com a existência de um contrato de arrendamento único, assim reconhecido pelas partes; E, se assim não se entender, o que não se concebe nem concede, para qualificar um contrato de arrendamento, composto de uma parte urbana e de uma parte rústica, deveria sempre o Tribunal realizar um juízo de ponderação, nos termos do preceituado no art. 1066° do Código Civil, atendendo, em primeira linha, a vontade dos contraentes e, na dúvida sobre a vontade destes, ao fim do contrato celebrado e à renda atribuída a cada uma das partes; Ponderação que não foi levada a cabo pelo Tribunal de que se recorre, já que, concluiu, sem mais, tratar-se de um contrato de arrendamento rural, conclusão a que chegou sem qualquer suporte factual e numa suposta (mas inexistente) alegação das partes; O que importará que, face à falta ou insuficiência de qualquer destes critérios, o arrendamento se repute como urbano, conforme interpretativamente ordena o referido artigo 1066° nº 3 do Código Civil; Considerando-se o contrato de arrendamento como rural, o que mais uma vez não se concebe nem concede, nunca poderia a entidade expropriante invocar a nulidade do contrato por falta de forma, carecendo para o efeito de legitimidade; O contrato de arrendamento vincula as partes que o celebram, nos termos do princípio da autonomia privada e de acordo com a liberdade contratual consagrados no Código Civil Português, produzindo efeitos inter partes, independentemente da sua não redução a escrito; A obrigatoriedade de redução a escrito, dos contratos de arrendamento rural celebrados até 30 de Junho de 1989 — art. 3.° n.° 1 do DL 385/88, de 25 de Outubro — não implica, desde logo e automaticamente, a sua invalidade, sendo que a possível nulidade — atípica — do contrato de arrendamento rural não escrito é susceptível de sanação — pela sua redução a escrito - por iniciativa qualquer dos contraentes (senhorio ou arrendatário), a todo tempo, não sendo de conhecimento oficioso; Assim, esta invalidade apenas pode ser invocada pela parte (e já não por terceiro como a entidade expropriante) que tenha notificado o outro contraente para a redução a escrito do referido contrato verbal, nos termos do disposto no art. 3°, n.° 4 do mesmo diploma legal, pois a obrigatoriedade de redução a escrito visa a protecção das partes contratantes e não dos interesses gerais da sociedade e do comércio jurídico; E ainda que se alegue, como o refere a sentença recorrida, que a falta de junção de um exemplar do contrato de arrendamento rural ou a alegação de que a sua falta é imputável ao senhorio, consubstancia a omissão de um pressuposto processual que impede a instância de prosseguir, o que apenas para efeitos meramente académicos se concebe, não deixa de ser este argumento extemporâneo; A questão controvertida foi sujeita a apreciação em primeira instância, nos termos da qual foi proferido Acórdão Arbitral que fixou o montante indemnizatório, decisão assente no Relatório de Vistoria, que reconheceu o carácter misto do contrato de arrendamento, não tendo aí sido invocados quaisquer vícios; A arbitragem é a primeira instância jurisdicional no processo de expropriação litigiosa, tendo sido instituída com o fim de tentar uma conciliação entre a entidade expropriante e o expropriado, funcionando como um Tribunal Arbitral necessário tendo o acórdão arbitral a mesma forca executiva da sentença do Tribunal Judicial de 1ª Instância; Assim, proferida uma primeira decisão (do Tribunal Arbitral) que assume a validade do contrato, não...

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