Acórdão nº 1878/08-1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular n.º --- o arguido A. ... foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.º 275.º, n.º 3, do Código Penal, e 3.º, n.º 1 al.ª f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 11-4, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 10,00, no quantitativo global de € 1.200,00.

  1. - O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto: " O Arguido não justificou a posse daquele objecto naquele momento e local, nem posteriormente, nem o mesmo tem qualquer aplicação definida." "Ao assim proceder, o Arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a bengala - picha de boi, trazia consigo é considerada uma arma proibida e que, por isso, não podia nem devia detê-la." " Sabia, ainda, o Arguido que a sua conduta era proibida e criminalmente punida." 3° - O Tribunal a quo formou a sua convicção, relativamente aos factos transcritos, no auto de apreensão de fls. 8, assim como do auto de exame directo de fls. 12, no depoimento da testemunha R----- e no depoimento dos dois agentes da PSP, --------, referindo que os meus mesmos, "no âmbito das suas funções (...) viram o arguido em discussão com uma senhora de nacionalidade brasileira, estando aquele a empunhar a bengala apreendida nos autos".

  2. - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos provados acima identificados.

  3. - As declarações do arguido, o depoimento prestado pelas testemunhas ---------- impunham que o facto " O Arguido não justificou a posse daquele objecto naquele momento e local, nem posteriormente, nem o mesmo tem qualquer aplicação definida", tivesse sido dado por não provada 6° - O arguido no seu depoimento, disse que adquiriu aquele objecto na Serra da Estrela, numa altura em que tinha ido de férias com a família, tendo-o adquirido numa loja de artesanato.

  4. - Tendo dito, também, que nessa loja existiam vários objectos idênticos à venda.

  5. - Afirmou ainda, que adquiriu esse objecto como recordação de lá, nunca pensando que esse objecto pudesse ser ilegal ou proibido.

  6. - O referido objecto foi colocado por detrás da porta da cozinha que dá para o balcão do restaurante, segurado por um prego, portanto, em lugar visível a qualquer pessoa.

  7. -Tendo ficado exposto por vários anos.

  8. - O depoimento da testemunha ----, confirmou as declarações prestadas pelo arguido.

  9. - A testemunha ---, confirmou que o arguido tinha adquirido a bengala como objecto decorativo, tendo afirmado que o arguido deu esse fim ao objecto, ao dizer que o mesmo esteve vários anos pendurados numa porta.

  10. - A testemunha...., confirmou que sempre viu a bengala por detrás da porta, confirmando as declarações do arguido.

  11. - O referido facto devia ter sido dado como não provado, em virtude do arguido ter justificado a posse do objecto.

  12. - A aquisição e posse da bengala nunca teve como fim a agressão.

  13. - Pelo simples facto de ter sido visto, com ele, em sua casa, não alterou a sua posse.

  14. - O arguido justificou a sua posse perante o tribunal.

  15. - Além disso, dizer que a bengala apreendida em fls. 8 dos autos, não tem qualquer aplicação definida, com o douto respeito que merece a decisão do tribunal a quo, mas tal interpretação não é correcta.

  16. - A bengala é um objecto que pode ser aplicado a vários fins específicos e que são do conhecimento geral, mas nunca nenhum deles pode ser o da agressão.

  17. - De acordo, com os depoimentos das testemunhas e do próprio arguido acima transcritos, uma bengala pode ter várias aplicações definidas, pode servir de apoio a uma pessoa como pode servir elemento decorativo, 21° - Nenhuma das testemunhas arroladas, viu o arguido agredir ou usar de forma ilícita a bengala.

  18. - O referido facto devia ter sido dado como não provado, existindo assim, um erro na apreciação dos referidos depoimentos, 23° - Devendo, por isso, o arguido ser absolvido do crime em que foi condenado.

  19. - Além disso, devia ter sido dado como provado que: - O arguido adquiriu a bengala na Serra da Estrela, numa loja de artesanato; - Que na referida loja existiam várias bengalas à venda; - Que adquiriu-a como recordação dessa viagem; - E que teve a bengala pendurada, por um prego, na porta da cozinha, no lado que dá para o balcão do restaurante, exposta ao público.

  20. - Os factos "Ao assim proceder, o Arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a bengala - picha de boi, trazia consigo é considerada uma arma proibida e que, por isso, não podia nem devia detê-la" e "Sabia, ainda, o Arguido que a sua conduta era proibida e criminalmente punida", também, deviam, também, ter sido dados como não provados.

  21. - O depoimento das testemunhas --- e das próprias declarações do arguido resulta, que o arguido nunca equacionou que o objecto pudesse constituir um crime de detenção de arma proibida.

  22. - A testemunha ---, que estava com arguido no momento da compra, disse que no estabelecimento de artesanato onde foi adquirida, haviam mais bengalas à venda.

  23. - Ora, qualquer pessoa podia ter adquirido, sem alguma vez pensar que a mesma pudesse ser considerada ilegal.

  24. - Mesmo que se considere a bengala como arma proibida, o arguido nunca a representou como tal, face à forma como a adquiriu e à posse que exerceu durante todos estes anos, conforme decorre do depoimento das testemunhas ---- e das declarações do arguido.

  25. - Neste caso, nunca poderia ser condenado por estar em erro sobre a ilicitude, nos termos do n° 1 do artigo 17° do Código Penal, devendo neste caso ser absolvido, porque esse erro não lhe ser censurável.

  26. - A douta decisão do Tribunal a quo também não fez boa apreciação do depoimento prestado pela testemunha ----.

  27. - O Mmo. Juiz do Tribunal a quo, com o douto respeito que merece, não fez boa apreciação do referido depoimento ao concluir do mesmo, que ambos os agentes viram no restaurante "...." a arguido em discussão com uma senhora de nacionalidade brasileira, estando aquele a empunhar a bengala apreendida nos autos.

  28. - A testemunha --- quando chegou ao local, constatou que não existia nenhuma discussão, não tendo presenciado qualquer discussão ou desacato.

  29. - A testemunha disse apenas que tinha havido uma discussão mas não disse, nem foi questionado, se tinha visto o arguido a empunhar a bengala contra alguém.

  30. Existiu, assim, um erro na apreciação do depoimento da testemunha ---.

  31. - Aliás. a testemunha --- também nunca disse que o arguido empunhou a bengala contra alguém ou enquanto discutia.

  32. Existindo assim um erro na apreciação deste depoimento.

  33. - O objecto apreendido nos autos fls. 8, trata-se de uma bengala, que, com o douto respeito que merece a decisão do Tribunal a quo, não pode ser considerada como arma proibida.

  34. - Não podendo integrar o crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86°, n° 1, d) da Lei 5/2006, de Fevereiro, nem o conceito de arma proibida previsto na anterior legislação, artigo 3°, n° 1, f) do DL. 207-A/75, de 17 de Abril.

    40 ° - A bengala ou outro objecto para se considerar como arma tem que, na utilização que lhe é dada, afastar-se de forma grave das finalidades possíveis que possam ser dadas ao objecto, criando um perigo letal para a vida, maior do que já representava.

  35. - Caso contrário, entramos no campo da arbitrariedade, podendo qualquer objecto integrar o conceito de arma proibida.

  36. - O objecto em causa trata-se de uma bengala, que é feita de fibra animal, objecto do quotidiano das pessoas para ajudar a caminhar, mas, como, também, lhe pode ser utilizado para outros fins lícitos, como o de objecto decorativo ou ser objecto de colecção.

  37. - No campo das hipóteses, mesmo que, alguém seja agredido com uma bengala não vai a mesma converter-se em arma proibida, porque esse perigo de ser utilizada como tal já existia.

  38. - Neste sentido, tem-se pronunciado a jurisprudência: -...

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